Órgão Oficial do |
Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM |
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Tratamento da dependência nicotínica durante a gravidez
Sérgio Roucourt,
Eunice Stancati, Lúcia M Yamano e Helizabete H Matsumoto
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Sérgio Roucourt |
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Correspondência
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Rosemberg1 descreveu que nenhuma medida isolada pode resolver o problema do tabagismo. A experiência já revelou que a aplicação vitoriosa de uma providência é logo anulada se as demais não atuarem sinergicamente.
Não há disposição rigorosamente prioritária. Os efeitos positivos contra o tabagismo só se fazem sentir se forem elaborados programas nacionais abrangentes com mobilização de médicos, educadores, assistentes sociais e demais elementos apoiados pelo governo, numa verdadeira campanha educativa de medicina preventiva. As medidas específicas devem ser adequadas às peculiaridades de cada povo como um todo e às circunstâncias regionais.
Cerca de 92% dos fumantes têm consciência de que o ato de fumar é nocivo e ameaça sua saúde. Desses, mais de 2/3 apresentam desejo sincero de abandonar o tabaco; entretanto, a maioria fracassa pela dependência física e psíquica. Os tabagistas repetem o aforismo de que o cigarro é o vício mais fácil de largar, pois já o “fizeram” muitas vezes – deixar de fumar por algum tempo é considerado um ato heróico.
A dependência de nicotina é mais profunda do que se imagina, resultante de grande e contínua estimulação. Segundo Russel,2 com a média de 10 tragadas por cigarro, fumando-se um maço diário, o cérebro recebe cerca de 70.000 impactos em um ano, freqüência que está longe de ser alcançada por qualquer outra droga. As mulheres têm mais dificuldade em abandonar o tabagismo do que os homens, razão pela qual em todas as estatísticas há mais ex-fumantes homens.
Estabelecida a dependência física e psíquica, diversos fatores contribuem para a resistência ao abandono do tabaco. Entre os maiores obstáculos incluem-se os ambientais e sociais, que são responsáveis pelo grande potencial determinante sobre os fumantes.
A imensa maioria dos verdadeiros tabacômanos precisa, portanto, de ajuda para a decisão de abandonar o vício, mesmo quando já está com a sua saúde comprometida.
Tyley3 detectou que uma em cada três mulheres continua a fumar durante a gravidez. Para o ano 2000, há uma meta governamental com o objetivo de reduzir, pelo menos em 1/3, o número de mulheres grávidas que fumam. O autor frisou a importância do suporte psicológico efetivo, além dos benefícios promovidos pela abordagem multidisciplinar, com um número de contato telefônico representando linha de ajuda e outro para aconselhamento.
Wenderlein4 salientou que as consultas médicas durante a gravidez deveriam incluir informações sobre os efeitos nocivos do cigarro, citando que mais da metade dos fetos se expõem às substâncias deletérias que passam pela placenta, seja a gestante fumante ativa ou passiva. O perigo da convivência da grávida não-fumante com pessoas tabagistas deve, portanto, ser considerado durante a consulta.
O consumo intenso de cigarros induz a um risco aumentado de abortamento. A insuficiente perfusão útero-placentária determina ainda taxa aumentada de partos prematuros.
Frydman5 abordou os efeitos do tabagismo no desenvolvimento do produto conceptual. Sabe-se que a nicotina e outras substâncias tóxicas contidas no cigarro ultrapassam a barreira placentária, tendo sido demonstrado que nascituros, cujas mães fumavam durante a gravidez, apresentavam menor tamanho e peso ao nascimento, fato que é conhecido como retardo de crescimento fetal.6
Alguns autores avaliaram as conseqüências prejudiciais sobre o desenvolvimento intelectual das crianças. Frydman5 detectou diferença superior a 15 pontos no quociente de inteligência em favor dos filhos de mães não-fumantes.
Kilby7 afirmou que as consultas durante o pré-natal são oportunidades para que o profissional dialogue com a gestante no que tange aos seus objetivos de vida, motivando também a sua auto-estima, orientando adaptação ou adequação ao estresse, funções em que a equipe de enfermagem pode desempenhar papel relevante, recomendando ainda suporte psicológico para coibir a continuidade do fumo durante a gravidez.
Moller & Tonnesen,8 por meio de estudo em larga escala, objetivaram obter a real efetividade dos programas que visam à interrupção do tabagismo implementados durante a gravidez, assim como acessar o impacto desses programas na saúde fetal, do neonato, da mãe e de sua família.
Os programas incluíram o fornecimento de informações acerca dos efeitos deletérios do hábito de fumar sobre o feto e o neonato, ministrando ensinamentos de estratégias comportamentais cognitivas para abdicar do fumo. Ao longo da gravidez, continuaram-se enfatizando os malefícios inerentes ao tabagismo.
Houve redução das taxas de baixo peso ao nascimento, redução não significante de partos pré-termo e um acréscimo do peso médio ao nascimento de 41 g. Por outro lado, não houve diferença quanto aos índices de mortalidade pré-natal.
Os autores concluíram que os programas (legislação de suporte nas medidas do combate), que têm por finalidade a cessação do tabagismo implementado na gravidez, elevam o nível de abstinência, conduzindo a um pequeno aumento do peso médio no nascimento, a uma discreta redução na quantidade de baixo peso ao nascer e a uma diminuição dos partos prematuros.
Lowe et al9 salientaram o vínculo do ato de fumar aos problemas de saúde, como baixo peso ao nascimento, trabalho de parto pré-termo, aborto espontâneo e óbito perinatal. O estudo objetivou investigar a eficácia dos materiais de auto-ajuda, aliados ou não à técnica de aconselhamento. As taxas de abdicação do fumo foram mais baixas do que se esperava, com evidência de que os materiais de auto-ajuda fornecidos não estavam sendo utilizados pelas gestantes. Em uma segunda fase da pesquisa, houve uma reformulação dos materiais de auto-ajuda associada à entrevista individual das pacientes com médicos e enfermeiras. O grupo de mulheres fumantes foi dividido em um que se submetia a essa intervenção especial e outro que recebia somente cuidados pré-natais usuais. Ocorreu 9% de desistência do tabagismo no grupo submetido a cuidados especiais e nenhuma no grupo controle.
Estratégia de abordagem
Há cerca de uma década, não obstante os malefícios sabidamente conhecidos, a prática obstétrica era mais permissiva, liberando até 4 ou 5 cigarros diários para a gestante dependente. Nos dias atuais, há um consenso de abordagem mais radical, proibindo terminantemente a continuidade do tabagismo durante a gravidez. Imbuído desse objetivo, o obstetra deve apresentar-se hábil para ser bem sucedido e, efetivamente, não trabalhar sozinho. Como já referido anteriormente, a estratégia é multidisciplinar, envolvendo psiquiatras e psicoterapeutas no sentido de abordar medidas específicas como: (1) terapia comportamental (exemplo: deixar um maço de cigarros à vista da gestante que não deverá fumá-los, porém chegará a um clímax de ansiedade e sentir-se-á vitoriosa por resistir, aliviando conseqüentemente o desejo – compulsão pelo ato); (2) técnicas de auto-ajuda; (3) controle do estresse; (4) aumento da auto-estima.
Do ponto de vista obstétrico, o que mais convence a gestante fumante a abdicar do vício é a alegação que se faz quanto à redução do quociente de inteligência do seu filho em relação aos seus colegas na escola, filhos de mães que não fumaram durante a gravidez. Por experiência, esse argumento é muito sólido e supera outros, como chance de abortamento, parto prematuro ou baixo peso ao nascimento na vigência da continuidade do vício.
Referências
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