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Psiquiatria na prática médica  

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Tratamento da dependência nicotínica durante a gravidez 

 

Ginecologia

Este artigo destaca formas de abordagem da dependência nicotínica associada à gravidez, com ênfase ao atendimento multidisciplinar, incluindo profissionais paramédicos. O suporte psicológico é fundamental para controlar o estresse e elevar a auto-estima. A possibilidade de redução do quociente de inteligência do concepto é informação convincente para a gestante abdicar do tabagismo, sério problema de saúde pública.


Tratamento da dependência nicotínica durante a gravidez
Sérgio Roucourt, Eunice Stancati, Lúcia M Yamano e Helizabete H Matsumoto

   


Sérgio Roucourt

 

Sérgio Roucourt
Professor do Departamento de Ginecologia e Obstetrícia da Faculdade de Ciências Médicas da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo

 

Correspondência
Sérgio Roucourt
Faculdade de Ciências Médicas
Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo
Rua Dr. Cesário Mota Jr, 61
Vila Buarque
CEP 01221-020, São Paulo, SP

 

Rosemberg1 descreveu que nenhuma medida isolada pode resolver o problema do tabagismo. A experiência já revelou que a aplicação vitoriosa de uma providência é logo anulada se as demais não atuarem sinergicamente.

Não há disposição rigorosamente prioritária. Os efeitos positivos contra o tabagismo só se fazem sentir se forem elaborados programas nacionais abrangentes com mobilização de médicos, educadores, assistentes sociais e demais elementos apoiados pelo governo, numa verdadeira campanha educativa de medicina preventiva. As medidas específicas devem ser adequadas às peculiaridades de cada povo como um todo e às circunstâncias regionais.

Cerca de 92% dos fumantes têm consciência de que o ato de fumar é nocivo e ameaça sua saúde. Desses, mais de 2/3 apresentam desejo sincero de abandonar o tabaco; entretanto, a maioria fracassa pela dependência física e psíquica. Os tabagistas repetem o aforismo de que o cigarro é o vício mais fácil de largar, pois já o “fizeram” muitas vezes – deixar de fumar por algum tempo é considerado um ato heróico.

A dependência de nicotina é mais profunda do que se imagina, resultante de grande e contínua estimulação. Segundo Russel,2 com a média de 10 tragadas por cigarro, fumando-se um maço diário, o cérebro recebe cerca de 70.000 impactos em um ano, freqüência que está longe de ser alcançada por qualquer outra droga. As mulheres têm mais dificuldade em abandonar o tabagismo do que os homens, razão pela qual em todas as estatísticas há mais ex-fumantes homens.

Estabelecida a dependência física e psíquica, diversos fatores contribuem para a resistência ao abandono do tabaco. Entre os maiores obstáculos incluem-se os ambientais e sociais, que são responsáveis pelo grande potencial determinante sobre os fumantes.

A imensa maioria dos verdadeiros tabacômanos precisa, portanto, de ajuda para a decisão de abandonar o vício, mesmo quando já está com a sua saúde comprometida.

Tyley3 detectou que uma em cada três mulheres continua a fumar durante a gravidez. Para o ano 2000, há uma meta governamental com o objetivo de reduzir, pelo menos em 1/3, o número de mulheres grávidas que fumam. O autor frisou a importância do suporte psicológico efetivo, além dos benefícios promovidos pela abordagem multidisciplinar, com um número de contato telefônico representando linha de ajuda e outro para aconselhamento.

Wenderlein4 salientou que as consultas médicas durante a gravidez deveriam incluir informações sobre os efeitos nocivos do cigarro, citando que mais da metade dos fetos se expõem às substâncias deletérias que passam pela placenta, seja a gestante fumante ativa ou passiva. O perigo da convivência da grávida não-fumante com pessoas tabagistas deve, portanto, ser considerado durante a consulta.

O consumo intenso de cigarros induz a um risco aumentado de abortamento. A insuficiente perfusão útero-placentária determina ainda taxa aumentada de partos prematuros.

Frydman5 abordou os efeitos do tabagismo no desenvolvimento do produto conceptual. Sabe-se que a nicotina e outras substâncias tóxicas contidas no cigarro ultrapassam a barreira placentária, tendo sido demonstrado que nascituros, cujas mães fumavam durante a gravidez, apresentavam menor tamanho e peso ao nascimento, fato que é conhecido como retardo de crescimento fetal.6

Alguns autores avaliaram as conseqüências prejudiciais sobre o desenvolvimento intelectual das crianças. Frydman5 detectou diferença superior a 15 pontos no quociente de inteligência em favor dos filhos de mães não-fumantes.

Kilby7 afirmou que as consultas durante o pré-natal são oportunidades para que o profissional dialogue com a gestante no que tange aos seus objetivos de vida, motivando também a sua auto-estima, orientando adaptação ou adequação ao estresse, funções em que a equipe de enfermagem pode desempenhar papel relevante, recomendando ainda suporte psicológico para coibir a continuidade do fumo durante a gravidez.

Moller & Tonnesen,8 por meio de estudo em larga escala, objetivaram obter a real efetividade dos programas que visam à interrupção do tabagismo implementados durante a gravidez, assim como acessar o impacto desses programas na saúde fetal, do neonato, da mãe e de sua família.

Os programas incluíram o fornecimento de informações acerca dos efeitos deletérios do hábito de fumar sobre o feto e o neonato, ministrando ensinamentos de estratégias comportamentais cognitivas para abdicar do fumo. Ao longo da gravidez, continuaram-se enfatizando os malefícios inerentes ao tabagismo.

Houve redução das taxas de baixo peso ao nascimento, redução não significante de partos pré-termo e um acréscimo do peso médio ao nascimento de 41 g. Por outro lado, não houve diferença quanto aos índices de mortalidade pré-natal.

Os autores concluíram que os programas (legislação de suporte nas medidas do combate), que têm por finalidade a cessação do tabagismo implementado na gravidez, elevam o nível de abstinência, conduzindo a um pequeno aumento do peso médio no nascimento, a uma discreta redução na quantidade de baixo peso ao nascer e a uma diminuição dos partos prematuros.

Lowe et al9 salientaram o vínculo do ato de fumar aos problemas de saúde, como baixo peso ao nascimento, trabalho de parto pré-termo, aborto espontâneo e óbito perinatal. O estudo objetivou investigar a eficácia dos materiais de auto-ajuda, aliados ou não à técnica de aconselhamento. As taxas de abdicação do fumo foram mais baixas do que se esperava, com evidência de que os materiais de auto-ajuda fornecidos não estavam sendo utilizados pelas gestantes. Em uma segunda fase da pesquisa, houve uma reformulação dos materiais de auto-ajuda associada à entrevista individual das pacientes com médicos e enfermeiras. O grupo de mulheres fumantes foi dividido em um que se submetia a essa intervenção especial e outro que recebia somente cuidados pré-natais usuais. Ocorreu 9% de desistência do tabagismo no grupo submetido a cuidados especiais e nenhuma no grupo controle.

Estratégia de abordagem

Há cerca de uma década, não obstante os malefícios sabidamente conhecidos, a prática obstétrica era mais permissiva, liberando até 4 ou 5 cigarros diários para a gestante dependente. Nos dias atuais, há um consenso de abordagem mais radical, proibindo terminantemente a continuidade do tabagismo durante a gravidez. Imbuído desse objetivo, o obstetra deve apresentar-se hábil para ser bem sucedido e, efetivamente, não trabalhar sozinho. Como já referido anteriormente, a estratégia é multidisciplinar, envolvendo psiquiatras e psicoterapeutas no sentido de abordar medidas específicas como: (1) terapia comportamental (exemplo: deixar um maço de cigarros à vista da gestante que não deverá fumá-los, porém chegará a um clímax de ansiedade e sentir-se-á vitoriosa por resistir, aliviando conseqüentemente o desejo – compulsão pelo ato); (2) técnicas de auto-ajuda; (3) controle do estresse; (4) aumento da auto-estima.

Do ponto de vista obstétrico, o que mais convence a gestante fumante a abdicar do vício é a alegação que se faz quanto à redução do quociente de inteligência do seu filho em relação aos seus colegas na escola, filhos de mães que não fumaram durante a gravidez. Por experiência, esse argumento é muito sólido e supera outros, como chance de abortamento, parto prematuro ou baixo peso ao nascimento na vigência da continuidade do vício.

Referências

  1. Rosemberg J. Tabagismo: sério problema de saúde pública. 1ª ed. São Paulo: ALMED Editora da Universidade de São Paulo; 1981.  
  2. Russel MAH. Smoking problems: an overview. In: Jarvik ME, editor. National Institute on Drog Abuse. DHEW Publication 1977;13:78-581.
  3. Tyley T. Cigarette smoking in pregnancy. Mod Midwife 1996;6(11):17-9.
  4. Wenderlein JM. (Smoking and pregnancy) Rauchen und Schwangerschaft. Z Arztl Fortbild (Jena) 1995;89(5):467-71.
  5. Frydman M. The smoking addiction of pregnant women and the consequences on their offspring’s intellectual development. J Environ Pathol Toxicol Oncol 1996;15(2-4):169-72.
  6. Roucourt S, Vázquez ML, Stancati E. Retardo de crescimento fetal: proposta diagnóstica. Saúde Feminina 1998;1:61-4.
  7. Kilby JW. A smoking cessation plan for pregnant women. J Obstet Gynecol Neonatal Nurs 1997;26(4):397-402.
  8. Moller AM, Tonnesen H. (Smoking cessation and pregnancy) Rygestop og graviditet. Ugeskr Laeger 1999;161(36):4985-6.
  9. Lowe JB, Balanda KP, Clare G. Evaluation of antenatal smoking cessation programs for pregnant women. Aust N Z J Public Health 1998;22(1):55-9.

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