Órgão Oficial do |
Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM |
artigo original |
Medos, atitudes e convicções de estudantes de medicina perante as doenças
The fears, attitudes and beliefs of medical students toward illness
Maria ATO Avancinea e Miguel
R Jorgeb
aDepartamento
de Psiquiatria e Serviço de Saúde Mental dos Alunos da Escola
Paulista de Medicina/Universidade Federal de São Paulo.
bDepartamento
de Psiquiatria da Escola Paulista de Medicina/Universidade Federal de São
Paulo.
Resumo Métodos Resultados Conclusão Descritores |
|
Abstract Throughout the years of medical school, medical students are exposed to situations which could lead them to intense emotional experiences. The current study was undertaken due to the scarcity of information available on the subject in regard to Brazilian medical students. This study aims to evaluate the presence of fear and other attitudes toward illness, hypochondriacal beliefs, and fear of death among students during their medical graduation years. Methods Results Conclusion Keywords |
Introdução
O estudante de medicina, ao cursar a faculdade, é exposto a uma “toxicidade” elevada em termos psicológicos.1 Logo ao iniciar o curso médico, defronta-se com a morte pelo contato com cadáveres no curso de anatomia. Segundo Parsons (apud Hoirish),2 o manuseio e a dissecação dos cadáveres, além de ser um meio de aprendizado de anatomia, seria um ato simbólico carregado de significado emocional e constituiria um ritual solene de iniciação médica que, sucessivamente, coloca o estudante à prova, integrando dialeticamente vida e morte.
Também são importantes as experiências iniciais sobre “conhecer o outro”. Pelo contato com o paciente, obtém dados da história do adoecer e de sua vida, o que muitas vezes desperta no aluno sentimentos de culpa, pois ele percebe estar aprendendo “sem dar nada em troca”, sentindo-se “invasivo” e “especulador”. O aluno, ao realizar procedimentos médicos como “tocar”, “palpar” e fazer exame ginecológico ou retal em seus pacientes, pode passar a ter consciência da existência da sexualidade na relação ou ser despertado por emoções e angústias de intensidade variável, o que depende do nível de conflito que estiver vivendo.
No decorrer do curso, o aluno de medicina passa a ter convívio direto e concreto com pessoas doentes e pode ser surpreendido por vivências intensas de temor em relação à sua própria saúde. Essa vivência, em seu maior grau, pode levá-lo a ter convicção patológica de estar doente, o que constitui uma manifestação hipocondríaca, na maior parte das vezes, de caráter transitório.
Ao freqüentar o internato (5º e 6º anos), começa a ter contato mais estreito com pacientes portadores de doenças crônicas ou de prognóstico ruim e, com maior freqüência, presencia a morte de pacientes. Portanto, cursando a faculdade de medicina, pode vivenciar momentos de dor em intensidade e freqüência variáveis pelo contato mais usual com o sofrimento e a morte, que o levariam a uma maior necessidade de “metabolização” da dor física e mental decorrentes das experiências da carreira profissional. Também é confrontado com sua própria mortalidade e, conseqüentemente, com a experiência do valor da própria vida. Segundo Werner e Korsch,3 “o sentimento de vulnerabilidade no estudante de medicina é intenso, pois parte da motivação da escolha na carreira profissional é freqüentemente associada ao desejo de proteger a si mesmo e a seus familiares do sofrimento e da morte”.
Em vista do escasso conhecimento dessa realidade em estudantes brasileiros, este estudo foi proposto para avaliação padronizada de sentimentos relacionados às doenças e à morte em estudantes de uma escola médica de São Paulo.
Métodos
Aplicou-se o questionário “Escalas de atitudes perante a doença” (EAPD) em estudantes do curso médico da Escola Paulista de Medicina (EPM) (Apêndice).
O EAPD foi elaborado por Robert Kellner em 1983 e por ele revisado em 1987 (versão utilizada neste estudo), por meio do qual se pretende medir atitudes, medos e convicções associados à psicopatologia da hipocondria e ao comportamento anormal perante a doença.4
O EAPD é um questionário de auto-aplicação. Muitas de suas escalas são altamente intercorrelacionadas, o que se reflete na avaliação de um fator geral: a preocupação com a doença. As oito escalas compreendem: (1) preocupação com o adoecer; (2) preocupação com a dor; (3) hábitos de saúde; (4) convicções hipocondríacas; (5) tanatofobia; (6) medo de doença; (7) preocupações somáticas; (8) experiências de tratamento. Cada escala, com exceção da última, consiste em três questões com cinco alternativas de respostas: (1) não, (2) raramente, (3) de vez em quando, (4) freqüentemente, (5) praticamente sempre. Essas alternativas recebem, respectivamente, pontuação de zero a quatro; portanto, o escore total em cada escala varia de zero a doze.
O estudo foi feito a partir de uma investigação populacional do tipo corte transversal em estudantes da EPM, com a locação de grupos em seis amostras independentes, correspondentes a cada uma das turmas do curso médico.
A amostra obtida foi de 555 alunos distribuídos pelos seis anos do curso médico e se constituiu por 307 homens e por 248 mulheres. O índice de alunos não alcançados (41) variou de 3,1% a 9,7% em cada turma, e mesmo quando considerada a perda por sexo, o índice nunca foi de 15%. A população de alunos não alcançada não diferia, quanto à distribuição por sexo, daquela que foi estudada (x2 com p>0,05 para todas as turmas). A distribuição por idade nas seis turmas não difere do esperado para uma população universitária no Brasil.
Administrou-se o questionário antes do início ou término de uma aula regular. Consultaram-se os estudantes sobre a disponibilidade para participar de um estudo de atitudes perante a doença, não tendo havido recusa em preencher o questionário. Os alunos que não responderam ao EAPD estiveram ausentes das atividades escolares no período por razões de natureza diversa.
Os dados foram analisados pela prova de Kruskal-Wallis, utilizada na comparação entre os grupos de alunos dos seis anos do curso médico. Nas escalas do questionário EAPD, em que a prova de Kruskal-Wallis revelou diferenças significantes entre as seis turmas, aplicou-se o teste de comparações múltiplas com o objetivo de localizar essas diferenças.
Resultados
Notou-se uma tendência à diminuição dos escores na maioria das escalas, quando se observaram os resultados obtidos do 1º ao 6º ano.
Como se pode perceber na Tabela 1, encontram-se diferenças estatisticamente significantes (P<0,001) entre as seis turmas do curso médico nas seguintes escalas: preocupação com a dor, hábitos de saúde, convicções hipocondríacas, preocupações somáticas e experiências de tratamento.
Na Tabela 2 apresentam-se os resultados do teste de comparações múltiplas entre os estudantes das diversas turmas, estando listadas apenas as comparações que denotaram diferença significante para pelo menos uma das escalas. Como se pode observar na maioria das escalas do EAPD, as diferenças entre as turmas do curso médico encontram-se entre os alunos dos primeiros e últimos anos do curso (1º x 5º; 1º x 6º; 2º x 6º; 3º x 5º; 3º x 6º). Entre os alunos dos anos intermediários (2º x 3º, 2º x 4º) somente há diferenças em duas escalas (hábitos de saúde e experiências de tratamento, respectivamente). Nas comparações que apresentaram resultados significantes entre todas as turmas, os menores escores foram sempre para as turmas mais adiantadas do curso.
O teste de comparações múltiplas não pôde ser utilizado para as escalas preocupação com o adoecer, tanatofobia e medo de doença, dado o valor não significante das mesmas (p>0,05) apresentado na prova de Kruskal-Wallis.
As únicas turmas que diferiram significantemente em todas as escalas, para as quais foi possível utilizar o teste de comparações múltiplas, foram as dos alunos do 1º e 6º anos. Conforme os resultados representados na Figura 1, nota-se uma tendência progressiva ao desaparecimento de diferenças nas diversas escalas quando se comparam todas as turmas com a do 6º ano.
Tabela 1 - Resultado da prova de Kruskal-Wallis aplicada às pontuações obtidas por alunos de Medicina no questionário “escalas de atitudes perante a doença”.
Escalas |
Turmas do Curso Médico |
H |
P |
||||||
|
|
1º ano |
2º ano |
3º ano |
4º ano |
5º ano |
6º ano |
|
|
Preocupação com o adoecer |
n |
94 |
99 |
95 |
93 |
84 |
90 |
4,49 |
N/S* |
Preocupação com a dor |
n |
94 |
99 |
95 |
93 |
84 |
90 |
23,07 |
<0,001 |
Hábitos de saúde |
n |
94 |
99 |
95 |
93 |
84 |
90 |
21,90 |
<0,001 |
Convicções hipocondríacas |
n |
94 |
99 |
95 |
93 |
84 |
90 |
21,78 |
<0,001 |
Tanatofobia |
n |
94 |
99 |
95 |
93 |
84 |
90 |
2,31 |
N/S* |
Medo de doença |
n |
94 |
99 |
95 |
93 |
84 |
90 |
2,15 |
N/S* |
Preocupações somáticas |
n |
94 |
99 |
95 |
93 |
84 |
90 |
25,88 |
<0,001 |
Experiências de tratamentos |
n |
94 |
99 |
95 |
93 |
84 |
90 |
20,70 |
<0,001 |
R: Soma de pontos na amostra *Não significante
Tabela 2 - Teste de comparações múltiplas entre as pontuações dos alunos do curso médico no questionário “escalas de atitude perante a doença”
|
Turmas do Curso Médico |
||||||
Escala |
1º vs 5º |
1º vs 6º |
2º vs 3º |
2º vs 4º |
2º vs 6º |
3º vs 5º |
3º vs 6º |
Preocupação com a dor |
3.64* |
3.48* |
0.29 |
0.78 |
2.59 |
3.01* |
2.85 |
Hábitos de saúde |
1.65 |
3.26* |
3.07* |
2.47 |
4.04* |
0.48 |
1.00 |
Convicções hipocondríacas |
2.74 |
3.80* |
1.15 |
0.39 |
2.55 |
2.58 |
3.65* |
Preocupações somáticas |
2.29 |
3.49* |
0.77 |
1.67 |
3.45* |
2.95* |
4.17* |
Experiências de tratamentos |
1.61 |
3.06* |
1.35 |
3.09* |
3.74* |
0.94 |
2.38 |
* p<0.05 (considerado para o valor crítico de Z=2,94)
Figura 1 - Diferenças entre as turmas de alunos do curso médico nas diversas escalas do questionário EAPD.
2º |
|||||
3º |
|||||
4º |
|||||
5º |
|||||
6º |
|||||
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1º |
2º |
3º |
4º |
5º |
Discussão
No início do curso, o aluno de medicina entra em contato com grande quantidade de novos conhecimentos e vivencia experiências que tornam necessário um redimensionamento da vida pessoal. Nos dois primeiros anos do curso médico da EPM, como em outras escolas médicas brasileiras, ocorre fundamentalmente a aquisição teórica do conhecimento. A exceção, nesse período, diz respeito a uma disciplina prática de anatomia e a algumas experiências de laboratório, além de pequeno estágio em enfermarias do hospital por meio de um curso de introdução hospitalar (curso de cuidados de enfermagem). No 3º ano médico, ao entrar em contato direto com os pacientes e suas patologias, o estudante sente sua inexperiência, a insuficiência dos conhecimentos que detém e a necessidade de aprender a interagir com a equipe de cuidados assistenciais. O 4º ano caracteriza-se pela freqüência a diversas enfermarias, o que pode se tornar um problema para o aluno que tem dificuldades emconciliar suas necessidades pessoais e aquelas relacionadas à formação profissional. O 5º e 6º anos, em regime de internato, são voltados para a prática clínica e levam o aluno a lidar diariamente com o sofrimento humano. Nesse cenário, discutir-se-á a seguir as diversas atitudes investigadas no presente estudo.
A preocupação do estudante de medicina com seu próprio adoecer apresentou-se durante todo o curso sem variações significativas entre as várias turmas. Tal resultado pode ser atribuído a um estado defensivo do aluno, que desenvolveria um sistema de controle onipotente de sua própria existência, encobrindo o temor de ser vulnerável às doenças e, principalmente, de ser mortal.2
Manente8 e Pedrosa9 assinalaram que alguns indivíduos, ao passarem por dificuldades ou situações infantis e dolorosas, podem ser levados a escolher a carreira médica pelo desejo inconsciente de se tratarem, que se expressaria por “curar o outro”.
A atenção deste estudo se restringiu à preocupação do aluno de medicina com a dor em si mesmo. A diminuição dessa preocupação ao longo do curso médico ocorre concomitantemente ao envolvimento progressivo do aluno com o sofrimento de outrem, ou seja, dos pacientes. Hoirish2 refere que o estudante de medicina, ao viver seu processo de profissionalização, coloca no paciente (o outro) sua própria vulnerabilidade, de certa forma, livrando-se dela.
As mesmas tendências que levam o aluno ao esfriamento afetivo, (desenvolvimento de atitudes céticas, vivências emocionais que decorrem do relacionamento com os pacientes), adicionadas à aquisição de informação, possibilitam-no perceber seus sintomas dolorosos transitórios decorrentes de possíveis distúrbios físicos ou mentais sem qualquer gravidade. Essa experiência pode explicar os resultados obtidos: nos alunos do internato foi observada uma menor preocupação com os sintomas dolorosos do que nos alunos no início do curso médico.
Hábitos de saúde
No que concerne às atitudes
quanto aos hábitos de saúde, o aluno inicia o curso com uma perspectiva
de cuidados com a própria saúde que pode estar sujeita a dois
tipos de forças. A primeira provém de possível patologia
expressa por meio da hipocondria e outra é oriunda da mídia, ou
seja, de propagandas contra o fumo, de informações sobre alimentos
contaminados por agrotóxicos ou sobre a poluição
etc. No decorrer do curso, juntam-se a essas forças outras duas, que
agirão em sentido contrário: o conhecimento científico
e a aquisição de uma convicção da invulnerabilidade
do médico a partir das equações doença = doente
e saúde = médico, já referida no trabalho de Hoirish.2 Os resultados
do presente estudo poderiam, provavelmente, serem vistos como conseqüência
do balanço dessa contraposição, fazendo com que se verifique
nos últimos anos do curso uma menor preocupação com os
hábitos de saúde, o que refletiria uma influência maior
dessas duas novas forças.
Convicções hipocondríacas
Diversos autores10-12 fazem referência às convicções hipocondríacas transitórias em estudantes de medicina, fenômeno que também é observado pelos professores de graduação e no serviço de atendimento à saúde mental dos alunos da EPM.
Alguns fatores podem ser aventados como responsáveis pelo desvelamento das convicções dos alunos, que pensam estar com uma doença grave durante a formação médica. No decorrer do curso, os graduandos vão adquirindo conhecimento científico que lhes possibilita aprofundar o nível de informação sobre as diversas patologias. Concomitantemente, a não concretização dos supostos medos adiciona-se à vivência da experiência clínica, o que leva à desmistificação dos autodiagnósticos imaginados na fase inicial do curso. Os alunos chegam ao final de sua formação com descrédito em suas supostas doenças e se sentindo fortalecidos pela aquisição de conhecimentos e pela própria prova da realidade e da experiência clínica.
Não se pode deixar de mencionar o fato de que a profissionalização médica cristaliza a divisão saúde-doença, sendo a doença no doente e a saúde no médico.2
Tanatofobia
Tendo em vista que um dos aspectos deste estudo foi avaliar o fenômeno do medo de morrer e pelo fato de não se ter encontrado diferenças significativas quanto a esse aspecto entre as diversas turmas do curso médico, este artigo pode se reportar ao “complexo tanatolítico” descrito por Simon.14 Segundo esse autor, o indivíduo idealiza-se como um ser onipotente que pode bloquear, postergar ou, até mesmo, anular a ameaça da morte no outro e, assim, assume compromissos onipotentes dentro de sua profissão médica. O aluno, para evitar a morte do outro, pode estabelecer identificação total com o ser tanatolítico, assegurando sua própria imortalidade.
Na experiência didática no curso de psicologia médica da EPM, várias vezes observaram-se os alunos conversando sobre a morte, mas desde que colocada no outro (o paciente). Tal situação se torna familiar no decorrer da graduação. Por exemplo, em uma troca de plantão durante o internato é possível que os próprios alunos expressem o desejo de que o paciente não morra durante aquele período ou manifestem alívio por nenhum paciente ter morrido naquele plantão.
Portanto, para eles é possível cogitar ou falar sobre a morte do outro e, por um mecanismo de cisão, negar toda e qualquer situação ligada à possibilidade da própria morte.
Medo de doença
As perguntas dessa escala referem-se a uma entidade nosológica pressupostamente definida (medo de câncer, de doença cardíaca ou de alguma outra doença grave). O medo da existência de doenças configuradas apresenta particularidades que têm a ver com o psiquismo do indivíduo, ligadas a uma cadeia associativa de conteúdo simbólico e vinculada à sua história de vida. Essa estrutura pode não ser modificada pela profissionalização médica, fato que poderia constituir a explicação para que esse medo permaneça imutável ao longo do curso médico, como verificado neste estudo.
Preocupações somáticas
Segundo Jeammet et al,15 uma das motivações inconscientes da escolha da profissão médica seria o desejo de ver, que estaria ligado ao intuito de obter conhecimento sobre temas como morte e sexo, questões geralmente vividas como “tabus” na vida familiar e, portanto, muitas vezes veladas ao conhecimento do homem comum. O médico detém autoridade para revelar tais temas, podendo “ver” o que está oculto: o corpo, o sexo e mesmo a intimidade do indivíduo ou inclusive presenciar a morte e lidar com ela. Portanto, os desejos de ver e de saber os enigmas da vida e da morte alcançam algumas realizações na carreira médica.
Para o estudante de medicina, o corpo que estava ao seu alcance até o início da faculdade era o seu próprio. Com o decorrer do curso, outras fontes e corpos lhe são oferecidos. Essa situação, associada à aquisição do conhecimento científico, favorece que, no decorrer de sua formação, o aluno diminua o interesse pelo próprio corpo. Como se constatou, o estudante passa a dirigir sua atenção para o conhecimento do corpo do outro (o paciente), diminuindo as preocupações somáticas localizadas em si mesmo.
Experiências de tratamento
Muitas vezes o indivíduo
procura a medicina com a finalidade de se preparar para “dar vida” e “cuidar
da doença do outro”. Segundo Hoirish,2 “na escolha da profissão, o médico procura
meios para se defender da morte, simbolizada pela enfermidade e personificada
nos pacientes. O enfermo, seu par complementar, é vivenciado como antítese
do que o médico passa a representar: saúde e vida. Por essa razão,
o desempenho do papel se transforma em uma constante, cujo objetivo é
ser jovem, sadio, enfim, eternamente vivo, em oposição ao outro,
o paciente envelhecido, enfermo e mortal”.
No decorrer do curso, o aluno, ao adquirir o papel de médico, tende a cristalizar um sentimento de invulnerabilidade a partir das equações doença = doente e saúde = médico, levando-se a uma menor procura por tratamentos.
Observa-se que, na maioria das escalas pesquisadas, os alunos do 1º ano apresentaram maior preocupação com seus sintomas dolorosos e mais convicções hipocondríacas, tomaram mais precauções com a saúde, expressaram mais freqüentemente preocupações com seus sintomas somáticos e procuraram com maior freqüência profissionais da área de saúde do que os aluno do 6º ano do curso médico. Esses achados, de certa forma, contrapõem-se ao fato de que os alunos estão mais expostos ao sofrimento humano e à morte ao final do curso médico.
Embora os estudantes vivam essas
situações na relação com os pacientes, não
têm percepção clara das mudanças que ocorrem em seus
próprios sentimentos. Algumas hipóteses podem ser levantadas para
a compreensão de tal fato.
Constatou-se, à semelhança de outros autores,1,5-7 que os alunos desenvolvem ao longo do curso uma caracteropatia profissional que se expressa por esfriamento afetivo e atitudes céticas quanto aos relacionamentos humanos que necessitam estabelecer, particularmente com os pacientes.
Para se tentar compreender o aparecimento desse ceticismo, outra possibilidade que existe é cogitar que ele faz parte do desenvolvimento emocional esperado para quaisquer populações na mesma faixa etária. No entanto, alguns trabalhos5,7 apontaram que tal atitude se desenvolveu mais em estudantes de medicina do que em alunos de outras carreiras profissionais.
O fato deste estudo ter seguido uma metodologia de corte transversal com amostras independentes, também permite supor que as mudanças de atitudes detectadas poderiam representar um achado determinado pela técnica empregada, e não uma realidade que seria observada nos mesmos alunos ao longo do curso. Essa hipótese poderia ser verificada somente por meio de um estudo prospectivo com amostras dependentes.
O presente trabalho confirma os relatos de diversos autores,1,5-7,16 sugerindo que o curso médico produz uma relativa mudança de atitudes nos estudantes, pois a formação médica mantém permanentemente ativada duas preocupações que caracterizam a vulnerabilidade do ser humano: o sofrimento e a morte.
Face ao constatado, parece que, na ideologia dos responsáveis pelo ensino médico, deveria haver uma maior preocupação pela obtenção de um melhor equilíbrio entre aspectos informativos e formativos, que ocorrem durante o curso, com a finalidade de maior humanização na formação médica.
Referências
Apêndice |
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Correspondência
Maria Adelaide Tavares de Oliva Avancine
Departamento de Psiquiatria Unifesp/EPM
R. Botucatu, 740, 3º andar
CEP 04023-900 São Paulo, SP
Tel.: (0xx11) 570-2828/ 3064-0528
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