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Psiquiatria na prática médica  

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Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM

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Geriatria

A co-morbidade com depressão, em pacientes com doenças crônicas (hipertensão, diabetes, cardiopatias), tem efeito adverso que afeta o nível de funcionamento e a qualidade de vida, e dificulta o controle das doenças. É essencial poder tratar com eficácia e segurança as depressões em pacientes hipertensos. Além das medicações antidepressivas, abordagens psicoterapêuticas e técnicas de relaxamento têm se mostrado úteis para esses pacientes. É recomendável que haja um controle mais atento da PA nos pacientes hipertensos em uso de antidepressivos.


Manejo da depressão em idosos hipertensos
Mônica Z Scalco

   


Mônica Z. Scalco

 

Mônica Zavaloni Scalco
Coordenadora do Ambulatório
da Terceira Idade do Instituto
de Psiquiatria do Hospital das
Clínicas da Faculdade de
Medicina da USP

 

Correspondência
Mônica Zavaloni Scalco
Ambulatório da Terceira Idade
Instituto de Psiquiatria do HCFMUSP
Rua Ovídio Pires de Campos, s/n,
3o andar
CEP 05403-010, São Paulo, SP
E-mail:
mscalco@nvcnet.com.br

 

Com uma prevalência durante a vida de aproximadamente 17% e com risco de recorrência maior que 50%,2 a depressão é uma doença associada a grande prejuízo psicossocial e físico e alto risco de suicídio1. A co-morbidade com depressão em pacientes com doenças crônicas (hipertensão, diabetes, cardiopatias) tem efeito adverso, afetando o nível de funcionamento e a qualidade de vida, e dificultando o controle das doenças.3 A depressão tem sido identificada como fator de risco para a coronariopatia, o infarto do miocárdio, o acidente vascular cerebral e a mortalidade cardíaca.4

Depressão em hipertensos

Há relativamente poucos estudos específicos de depressão na população de hipertensos. Depressão clínica foi diagnosticada em 4,8% de 4.508 idosos com hipertensão sistólica isolada5 no estudo “Systolic hypertension in the elderly” (SHEP). Simonsick et al6 observaram altos índices de sintomatologia depressiva em estudo epidemiológico: de 9,4% a 13,5% dos homens hipertensos e de 20,6% a 27,1% das mulheres hipertensas. No estudo “Alameda country study”, entre os 677 hipertensos, 173 (17,9%) tinham alta freqüência de sintomas depressivos.7

Impacto da depressão sobre o prognóstico da hipertensão arterial

A depressão pode interagir com o prognóstico da hipertensão arterial por meio de vários mecanismos. Inicialmente os clínicos podem não valorizar medidas de pressão arterial (PA) alta em pacientes com depressão evidente, e não diagnosticar a hipertensão arterial. Além disso, pacientes deprimidos colaboram menos com os tratamentos, pois, em virtude da falta de energia e de iniciativa, da desesperança e do déficit cognitivo associado à depressão, adotam menos as medicações e os exercícios.8 E assim como os anti-hipertensivos podem causar sintomas depressivos, que podem ser marcadores de hipertensões mais graves.

Em hipertensos, a presença de depressão foi associada a maior risco de acidentes vasculares cerebrais e à maior mortalidade por causas cardiovasculares.8-9 Há evidências de que a depressão exerça seus efeitos por meio de mecanismos comportamentais (estilos de vida não saudáveis, como fumar e não fazer exercícios) e também por efeito patofisiológico direto. Na depressão ocorrem hipercortisolemia, aumento da reatividade plaquetária e da liberação de produtos plaquetários – como fator 4 e betatromboglobulina –, redução da variabilidade da freqüência cardíaca e prejuízo do controle vagal da mesma. Essas alterações explicariam, então, um potencial arritmogênico e efeitos pró-aterogênicos da depressão, podendo elucidar também o aumento de mortalidade por causas cardiovasculares descrito em pacientes com doença afetiva.4

Tratamento: a escolha do antidepressivo

Serão abordados a seguir os diferentes grupos de antidepressivos e seus efeitos sobre a PA.

Antidepressivos tricíclicos

Os antidepressivos tricíclicos bloqueiam a recaptação de serotonina e noradrenalina pelos terminais pré-sinápticos. Além disso, incidem sobre outros receptores, podendo causar vários efeitos colaterais, que, no sistema cardiovascular, são os mais temidos e estudados: retardo de condução intraventricular, efeito antiarrítmico do tipo 1A, taquicardia e conseqüências na PA.

Sobre a PA em repouso, há vários relatos de tricíclicos que não causam alterações em pacientes deprimidos.13,14 Na mudança para posição ortostática, vários autores constataram a ocorrência de hipotensão com tricíclicos. Há relatos de quedas maiores que 30 mmHg na pressão sistólica e maiores que 20 mmHg na diastólica com imipramina e clomipramina. Considera-se que nortriptilina seja o tricíclico que menos causa hipotensão ortostática (HO).13 Esse problema tende a se agravar em pacientes com outros motivos para ter HO, como os que têm diabetes ou insuficiência cardíaca congestiva ou que usem outras medicações – por exemplo, vasodilatadores. Pacientes hipertensos estariam, assim, sob maior risco de desenvolverem HO com uso de tricíclicos. Em estudo realizado pelos autores deste artigo, avaliando o uso de nortriptilina em pacientes idosas deprimidas – 21 hipertensas controladas com diuréticos tiazídicos e 22 normotensas –, constatou-se aumento médio significativo de 9,07 mmHg na queda da pressão sistólica ao assumir a posição ortostática. Hipotensão ortostática ocorreu precocemente no tratamento, em doses subterapêuticas. Não houve diferença significativa entre as hipertensas e as normotensas, porém as pacientes com pressões sistólicas iniciais mais elevadas tiveram maior risco de HO. Provavelmente, o fato das hipertensas desse estudo estarem com a PA controlada contribuiu para não apresentarem maior HO que as normotensas.9

Inibidores da monoamino oxidase (IMAO)

Os IMAO causam hipotensão ortostática considerável e apresentam risco de desencadearem crises hipertensivas em interação com alimentos contendo tiramina ou simpatomiméticos.

Inibidores seletivos da recaptura de serotonina (ISRS)

São bloqueadores seletivos da recaptura de serotonina pelos terminais pré-sinápticos. Não apresentam efeitos sobre a estabilidade de membranas e têm pouca afinidade por receptores adrenérgicos, colinérgicos e histaminérgicos. Seus efeitos adversos devêm-se ao próprio bloqueio da recaptura de serotonina e são: náuseas, vômitos, anorexia, diarréia, insônia, ansiedade, tremores, inquietação, disfunção sexual e cefaléia.

Em estudo duplo-cego com 23 pacientes com depressão maior, a fluoxetina foi comparada a fluvoxamina e se constatou que não houve alteração nas pressões sistólica ou diastólica, na freqüência cardíaca (FC), na fração de ejeção esquerda e no eletrocardiograma com o uso dos antidepressivos.10 Avaliando um número maior de pacientes (n=796) que receberam 20 mg/dia de fluoxetina por 12 semanas, detectou-se redução modesta das pressões sistólica e diastólica. Pacientes com hipertensão arterial não tiveram alteração significativa da mesma e 1,7% desenvolveram hipertensão que se manteve por, no mínimo, 3 visitas.11 Há relatos de síncope, bradicardia e HO associados ao uso de fluoxetina em pacientes jovens sem história de cardiopatia.12

Novos antidepressivos

Entre os novos antidepressivos há, até o momento, evidências de existir efeitos sobre a PA com dois compostos: venlafaxina e nefazodona.

A venlafaxina é um inibidor de recaptura de serotonina e noradrenalina (IRSN). Ela não possui efeitos histaminérgicos, alfa-adrenérgicos ou anticolinérgicos. Os efeitos colaterais que mais levam a descontinuação do tratamento são as náuseas, a sonolência, a insônia e a tontura.

Em metanálise dos dados originais dos estudos comparativos randomizados e duplo-cegos com venlafaxina foram avaliados 3.744 pacientes com depressão maior: 2.817 receberam de 25 mg/dia a 375 mg/dia de venlafaxina, 607 receberam de 75 mg/dia a 225 mg/dia de imipramina e 320 receberam placebo. Venlafaxina e imipramina associaram-se a um pequeno, porém significativo, aumento na pressão diastólica em posição supina na fase aguda (6 semanas) do tratamento. Após a fase aguda, venlafaxina associou-se à maior freqüência de aumentos persistentes da pressão diastólica. Venlafaxina não teve efeitos adversos sobre o controle da PA nos pacientes que já faziam uso de anti-hipertensivos (n=140) ou que tinham pressão diastólica elevada no início do estudo (n=390). O efeito da venlafaxina sobre a PA foi dose dependente, sendo que aumentos de PA significativamente maiores que com placebo só ocorreram em dosagens acima de 300 mg/dia. Essa metanálise teve algumas limitações: (1) o número pequeno de pacientes que recebeu imipramina ou placebo e (2) o fato de que na seleção dos pacientes para o estudo foram excluídos os com doenças físicas ou que usassem outras medicações, o que pode ocasionar a não representação da população real que usa antidepressivos.15

A nefazodona é um inibidor da recaptura e um antagonista da serotonina-2 (IRAS). Não causa efeitos anticolinérgicos, nem disfunção sexual ou ganho de peso. As reações adversas mais comuns são a sonolência, a tontura, a fraqueza e as náuseas. Foi descrita redução assintomática da PA em 5% dos pacientes e da FC em 1,3%, além de causar inibição de enzimas hepáticas.16

Conclusões

Com relação aos deprimidos hipertensos, é interessante que haja um controle mais atento da PA (em repouso e na mudança para a posição ortostática). É essencial poder tratar com eficácia e com segurança as depressões em pacientes hipertensos. Além das medicações antidepressivas, abordagens psicoterapêuticas e técnicas de relaxamento têm se mostrado úteis para esses pacientes.

Referências

  1. Angst J. Major depression in 1998: are we providing optimal therapy?  J Clin Psychiatry 1999;60(Suppl 6):5S-9S.
  2. Kessler RC, McGonagle KA, Zhao S, Nelson CB, Hughes M, Eshleman S, et al.  Lifetime and 12-month prevalence of DSM-IIIR psychiatric disorders in the United States: results from the National comorbididty survey. Arch Gen Psychiatry 1994;51:8-15.
  3. Black AS. Increased health burden associated with comorbid depression in older diabetic Mexican Americans: results from the Hispanic estabilished population for the epidemiologic study of the elderly survey. Diabetes care 1999;22(1):56-64.
  4. Rosanski A, Blumenthal JA, Kaplan J. Impact of psychological factors on the pathogenesis of cardiovascular disease and implications for therapy. Circulation 1999;99:2192-217.
  5. Wassertheil-Smoller S, Applegate WB, Berge K, et al, for the SHEP Cooperative Research Group. Change in depression as a precursor of cardiovascular events. Arch Intern Med 1996;156:553-61.
  6. Simonsisck EM, Wallace RB, Blazer DG, Berkman LF. Depressive symptomatology and hypertension-associated morbidity and mortality in older adults. Psychosom Med 1995;57:427-35.
  7. Everson AS, Roberts RE, Goldberg DE, Kaplan GA. Depressive symptoms and increased risk of stroke mortality over a 29-year period. Arch Intern Med 1998;158:1133-8.
  8. Blumenthal JA, Williams RS, Wallace AG, Williams JR RB, Needles TL. Psychological variables predict compliance to prescribed exercise therapy in patients recovering from myocardial infarction. Psichosom Med 1982;44:519-27.
  9. Scalco MZ. Uso de nortriptilina em idosas deprimidas hipertensas e normotensas: estudo de hipotensão ortostática, tolerabilidade e eficácia terapêutica [dissertação]. São Paulo: Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo; 1998.
  10. Strik JJMH, Honig A, Lousberg R, Cheriex EC, Van Praag HM. Cardiac side-effects of two selective serotonin reuptake inhibitors in midle-aged and elderly depressed patients. International Clinical Psychopharmacology 1998;13(6):263-7.
  11. Amsterdam JD, Garcia Espana F, Fawcett J, Quitkin FM, Reimherr FW, Rosebaum JF, et al. Blood pressure changes during short-term fluoxetine treatment. J Clin Psychopharmacol 1999;19(1):9-14.
  12. Ellison J, Milofsky J, Ely E. Bradycardia and syncope induced by fluoxetine in two patients. J Clin Psychiatry 1990;51:385-6.
  13. Giardina EGV, Jonhson LL, Vita J, Bigger JT, Brem RF. Effect of imipramine and nortriptyline on left ventricular function and blood pressure in patients treated for arrhythmias. Am Heart J 1985;109(5):992-8.
  14. Neshkes RE, Gerner R, Jarvik LF, Mintz J, Joseph J, Linde S, et al. Ortyhostatic effect of imipramine and doxepin in depressed geriatric outpatients. J Clin Psychopharmacol 1985;5:102-6.
  15. Thase ME. Effects of venlafaxine on blood pressure: a meta-analysis of original data from 3744 depressed patients. J Clin Psychiatry 1998;59(10);502-8.
  16. Robinson DS, Roberts DL, Smith JM, Stringfellow JC, Kaplita MS, Seminara JA, et al. The safety profile of nefazodone. J Clin Psychiatry 1996;57(Suppl 2):31S-8S.

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