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Psiquiatria na prática médica  

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Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM

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O paciente violento: avaliação e medidas gerais
O paciente violento: intervenção e tratamento

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Clínica Médica

O clínico deve ter como princípios básicos frente ao paciente agitado a redução de riscos imediatos e avaliação do risco de recorrência e sua prevenção; o controle imediato da sintomatologia do paciente e o encaminhamento adequado para tratamento posterior; e o estabelecimento do diagnóstico psiquiátrico e de doenças associadas como aspecto fundamental para a instituição dos tratamentos adequados.


O paciente violento:
intervenção e tratamento
Angélica M Claudino, Antonio Carlos Correia e Mário DML Mateus

   


Angélica de Medeiros Claudino

 

Angélica de Medeiros Claudino
Departamento de Psiquiatria da Unifesp/EPM

 

Correspondência
Angélica de Medeiros Claudino
Proad
Rua dos Otonis, 887
04025-002
São Paulo, SP
Tel.: (0xx11) 5576-4472
E-mail:
aangelica@psiquiatria.epm.br

 

Nos casos em que outras medidas não se impõem pela gravidade dos sintomas, e respeitadas as condições de redução de riscos, a abordagem verbal deve ser sempre a primeira escolha com objetivo de colher informações, avaliar o estado mental e, nos casos indicados, será a única intervenção adotada.

Deixar que o paciente fale numa atmosfera de aceitação e tolerância, sem confrontação ou recomendações que possam ser sentidas como provocação, e manter uma atitude empática, geralmente favorecem um alívio da pressão dos impulsos e promovem maior colaboração do paciente. A abordagem verbal ou intervenção psicológica tem lugar nos casos em que transtornos de personalidade são considerados como diagnóstico mais provável e também nos casos de transtornos de ansiedade, desde que sintomas muito intensos não estejam presentes.

Contenção física

Pacientes extremamente agitados ou descontrolados podem precisar de contenção física com a finalidade de evitar danos à integridade física da equipe, de outros pacientes e de si próprios, além de danos materiais.

Em alguns casos, a contenção física promove por si só alívio na sintomatologia do paciente. Se a medida é inevitável, cinco pessoas da equipe devem se aproximar simultaneamente do paciente, uma para cada membro do corpo e uma para segurar a cabeça e proceder à contenção no leito com faixas e material apropriado. Cada membro é preso à maca ou à cama por ataduras protegidas por algodão ortopédico ou faixas especiais; um lençol pode ser torcido como uma corda e usado para restringir o tronco, se necessário, como alças de uma mochila (nunca sobre o peito, restringindo os movimentos respiratórios). Se o paciente estiver cuspindo um lençol sobre parte do rosto deverá ser o suficiente. A equipe deve ser treinada para a contenção, de modo a agir coordenadamente e da maneira mais calma e silenciosa possível. Apenas uma pessoa deve falar, explicando o procedimento ao paciente e pedindo sua colaboração, mesmo que esse aparente não estar compreendendo o que ocorre ou não queira colaborar.

O paciente contido deve ser observado continuamente pela equipe de enfermagem e reavaliado pelo médico num intervalo máximo de uma hora para se determinar a continuidade ou não da contenção. Caso esta se mostre necessária, visitas freqüentes devem verificar o estado geral do paciente, com especial atenção à sua perfusão periférica.

Além dos quadros de agitação extrema com alto risco de violência, a contenção física é de muita utilidade na abordagem inicial de pacientes com suspeita de transtornos mentais orgânicos, que não podem ser medicados e devem permanecer contidos para que se proceda à investigação diagnóstica criteriosa e ao tratamento da causa de base da agitação. O uso da medicação psicotrópica nesses casos pode prejudicar a sua avaliação e evolução, devendo, portanto, ser evitado sempre que possível.

Uso da medicação

Tranqüilização rápida

Pacientes agitados com transtornos psicóticos não costumam se aliviar com uma abordagem verbal exclusiva. A tranqüilização rápida é um procedimento que utiliza medicamentos com o objetivo de diminuir o grau de agitação e de ansiedade de pacientes com sintomas psicóticos como esquizofrênicos e maníacos. Pode ser usado para outros quadros de agitação nas situações de emergência, desde que se assegure que não há risco de complicação para o paciente (descartando-se, por exemplo, causas orgânicas).

A via de administração oral deve ser oferecida sempre que existir alguma possibilidade, mesmo precária, de diálogo com o paciente, pois a aplicação de injetáveis em pacientes agitados pode levar a acidentes, e a dor e o medo da injeção podem levar o paciente a exacerbar sua agitação. A efetividade da via oral (VO) é a mesma da intramuscular (IM), porém diversos autores sugerem a utilização de doses de 1,5 a 2 vezes mais altas do medicamento VO em relação a dose IM.

O procedimento-padrão consiste em administrar um neuroléptico de alta potência como o haloperidol, na dose de 5 mg a 10 mg por via intramuscular (IM) que tem rápida absorção e independe de colaboração do paciente. O procedimento pode ser repetido a cada 30 a 60 min, até o controle dos sintomas de hiperexcitação, hiperatividade ou agressividade. A maioria dos pacientes responde a uma dose de 10 mg a 20 mg e não se recomenda que se ultrapasse os 50 mg/dia. Em face dos riscos de efeitos colaterais extrapiramidais, deve-se usar a menor dose necessária. Os principais efeitos colaterais como acatisia e distonia aguda devem ser tratados com antiparkinsonianos como biperideno de 2 mg a 5 mg por VO ou IM.

Os neurolépticos de alta potência têm sido preferidos em relação aos de baixa, como a clorpromazina, para a tranqüilização rápida, em virtude de menor risco de efeitos adversos como a hipotensão. As associações, muito utilizadas no passado, de dois neurolépticos mais a prometazina, chamadas de "cocktail", são hoje desaconselhadas.

Um regime eficaz e cada vez mais usado em no Brasil consiste na associação do neuroléptico a um benzodiazepínico de ação rápida e potente, como por exemplo o midazolan, na dose de 5 mg a 15 mg por via IM, ou 15 mg por VO. A vantagem desse regime está na redução da dose necessária de neurolépticos para controle da crise, diminuindo-se a exposição do paciente aos seus efeitos colaterais.

Alguns pesquisadores preconizam o uso isolado de benzodiazepínicos com resultados semelhantes. O médico deve atentar para o risco de depressão respiratória decorrente do usode doses repetidas de benzodiazepínicos e estar preparado para manobras de reanimação caso se mostrem necessárias.

Outra consideração importante é que o diazepam tem absorção irregular pela via IM, devendo-se dar preferência para a administração VO. As administrações via endovenosa de neurolépticos ou benzodiazepínicos devem ser utilizadas com grande cautela e monitoração da pressão arterial e do padrão respiratório.

Outras intervenções com medicação

Para todas as categorias diagnósticas, nos casos em que a agitação é grave, o médico deve sempre considerar o uso de medicamentos como medida auxiliar de controle da sintomatologia.

Pacientes com transtornos psicóticos, que já utilizaram medicação neuroléptica tradicional em episódios anteriores, podem se beneficiar do acetato de zuclopentixol, um neuroléptico com ação sedante na forma de uma solução oleosa de liberação lenta, cuja ação inicia-se de duas a três horas após o início do tratamento e dura até três dias. Utiliza-se uma ampola de 50 mg/1 ml, intramuscular.

O comportamento agressivo de pacientes com transtornos de personalidade pode ser minorado com o uso de neurolépticos como a clorpromazina na dose de 25 mg, por via IM, numa situação de urgência, ao lado da intervenção psicológica.

Nos quadros de ansiedade intensos, bem como nas crises psicomotoras dissociativas "histéricas", o uso de um ansiolítico como o diazepam na dose de 10 mg, por VO, precedendo a entrevista, pode favorecer o contato posterior e o manejo verbal da situação.

Pacientes com ataque de pânico em geral necessitam ser medicados com ansiolíticos. Pode-se usar diazepam em dose de 10 mg por VO, repetido de hora em hora até a melhora dos sintomas.

Os casos de delirium, intoxicação por drogas e outros casos de base orgânica, se necessário, podem ser medicados com neurolépticos ou tranqüilizantes a critério do médico e sob rigorosa monitoração clínica.

Referências

  1. Dubin WR, Weiss KJ, Dória JM. Pharmacotherapy of Psychiatric Emergencies. J Clin Psychopharmacology 1986;6(suppl 4):210-22.
  2. Ellison JM, Hughes DH, White KA. An emergency Psychiatry Update. Hosp Commun Psychiatry 1989;40(Suppl 3):250-60.
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  4. Jobe TH, Winer JA. O paciente violento. In: Flaherty JA, Channon RA, Davis JM et al, eds. Psiquiatria, diagnóstico e tratamento. Porto Alegre: Artes Médicas; 1990.
  5. Solano OA, Sadow T, Ananth J. Rapid tranquilization: a reevaluation. Neuropsychobiology 1989;22:90-6.
  6. Tardiff KJ. Violência. In: Talbott JA, Hales RE, Yudofsky SC, eds. Tratado de Psiquiatria. Porto Alegre: Artes Médicas; 1992.

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Volume 33, número 3

jul · set 2000

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