Órgão Oficial do |
Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM |
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Transtornos afetivos e tiroidopatia
Antonio Carlos Lopes
e José Alberto Del Porto*
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Antonio Carlos Lopes |
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Correspondência |
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É bem conhecida a associação de doenças da tiróide com quadros psiquiátricos, entre os quais as depressões, estados de ansiedade e disfunções cognitivas. Sabe-se atualmente que mesmo afecções leves, diagnosticadas apenas por meio de exames laboratoriais, podem ter repercussões sobre os estados afetivos e determinar alterações comportamentais. As complexas interações entre a tiróide e os estados depressivos podem ser evidenciadas, por exemplo, pelo fato de que pequenas doses de hormônios tiroideanos podem potencializar os efeitos de antidepressivos, sendo utilizadas no tratamento de depressões refratárias, mesmo quando os pacientes são eutiróideos.
Manifestações de sintomas do humor em tiroidopatias
Dentre as doenças tiroidianas, tanto o hipertiroidismo quanto o hipotiroidismo podem cursar com manifestações psiquiátricas, particularmente transtornos do humor.
O hipertiroidismo, por exemplo, possui manifestações clínicas as quais se sobrepõem, em parte, àquelas dos transtornos afetivos e de ansiedade, como queixas de "nervosismo" inespecífico, tremores, labilidade emocional, perda de peso (com aumento de apetite), fadiga, inquietude e palpitações. Em um subtipo especial de hipertiroidismo, denominado "hipertiroidismo apático", sintomas depressivos, apatia e emagrecimento associam-se a sinais de insuficiência cardíaca, com fibrilação atrial ou uma taquiarritmia supraventricular.1
No hipertiroidismo relata-se uma prevalência de depressão na ordem de 31% a 69% dos casos, de acordo com o estudo.2,3 Os pacientes com depressão associada ao hipertiroidismo tendem a apresentar sintomas semelhantes ao transtorno de ansiedade generalizada, em comorbidade, além de mais insônia e disforia. A ansiedade generalizada, isoladamente sem depressão, também é freqüente nesses indivíduos. Em idosos predominam características melancólicas mais típicas.4 Alterações cognitivas são bastante comuns.
O hipotiroidismo manifesto, por sua vez, freqüentemente cursa com sintomas de fraqueza, letargia, queixas cognitivas e aumento moderado de peso. Alguns pacientes, no entanto, desenvolvem a forma de hipotiroidismo subclínico, caracterizado por um aumento nos níveis séricos de TSH, mantendo T4 na faixa de normalidade, em indivíduos fisicamente assintomáticos.5,6 Diferentes estudos indicam uma maior prevalência de depressão em pacientes portadores do hipotiroidismo, especialmente em sua forma subclínica, variando entre 50% e 75% dos pacientes com essa afecção, contra cerca de 18% entre indivíduos com função tiroidiana normal.7,8 Na população idosa, essa associação é aparentemente mais expressiva.7
Manifestações do humor e importância da reposição hormonal
Em pacientes apresentando comorbidade de depressão e ansiedade com hipertiroidismo manifesto, a melhora do quadro psíquico é por vezes associada à introdução de beta-bloqueadores (propranolol, por exemplo) e de medicamentos antitiroidianos, como o propiltiouracil ou o 131I.9
Nos indivíduos com hipotiroismo, o início da reposição de hormônio tiroidiano, com ou sem o uso concomitante de um antidepressivo, é freqüentemente associado à melhora da depressão.10
Há divergências na literatura, porém, quanto à necessidade de reposição hormonal em pacientes com hipotiroidismo subclínico. Pies, 1997, propõe reposição obrigatória quando os níveis séricos de TSH forem superiores a 8 mU/ml. Em pacientes com TSH entre 4,6 mU/ml e 8,0 mU/ml, seria útil a reposição hormonal se demonstrados sintomas cognitivos/afetivos, ou quando existem alterações nos níveis de T3, T4 ou de anticorpos antitiroidianos (anticorpo antimicrossomal, anticorpo antitireoglobulina, anticorpo antiperoxidase). Naqueles pacientes com TSH variando entre 0,4 mU/ml e 4,5 mU/ml, mas com fatores de risco para desenvolvimento de doença tiroidiana auto-imune (história de doença auto-imune, mulheres com depressão pós-parto e/ou diabetes mellitus tipo I), sugere-se a obtenção de dosagens de anticorpos antitireoidianos. Sugere-se repetir periodicamente a cada 3 meses as dosagens (se títulos muito elevados), ou a cada 6 a 9 meses (caso níveis normais).5
*Este artigo é baseado no texto original de Del Porto JA, Lopes AC. Depressão em endocrinologia e doenças metabólicas: b. tireóide, hipertireoidismo, hipotireoidismo. In: Fraguas Jr. R, Figueiró JAB. Depressões secundárias: depressões associadas a condições médicas e medicamentos. São Paulo: Ed. Atheneu; 2000 (em fase de publicação).
Referências
Volume 33, número 3 |
jul · set 2000 |
Última atualização: