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Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM |
artigos originais |
Apresentação
clínica do transtorno do pânico: |
Apresentação clínica do transtorno do pânico: um estudo descritivo
Clinical presentation of panic disorder: a descriptive study
Roberta Mendesa, Rodrigo S Diasa,b, Sumaia
I Smairac e Albina R Torresc
aFaculdade de Medicina de Botucatu
(Unesp), bInstituto de Psiquiatria do HCFMUSP e cDepartamento de Neurologia e Psiquiatria da Faculdade
de Medicina de Botucatu (Unesp)
Resumo Objetivo Métodos Resultados Conclusão Descritores |
|
Abstract Objective Methods Results Conclusion Keywords |
Introdução
O transtorno do pânico (TP) caracteriza-se fundamentalmente pela ocorrência repetida, e pelo menos inicialmente inesperada, de crises ou ataques auto-limitados de pânico (episódios intensos de medo, com múltiplos sintomas físicos e psíquicos). Tais ataques não necessitam de estímulos desencadeantes diretos específicos, nem resultam de doença física. O curso do transtorno é crônico com altas taxas de recaída e tem como quadros comórbidos mais freqüentes a agorafobia,* a depressão, o uso nocivo de substâncias e os transtornos de ansiedade, que podem dificultar o tratamento e piorar o prognóstico (Tabela 1).
O TP é um quadro psiquiátrico bastante comum. Estudos recentes apontando uma prevalência de 3,5% a 3,8% ao longo da vida. Acometeria em média o dobro de mulheres em relação aos homens, mais adultos jovens, com o pico de prevalência entre 25 a 44 anos de idade.1 Alguns autores referem distribuição bimodal do TP, com o primeiro pico para ambos os sexos entre 15 e 24 anos e o segundo pico entre 45 e 54 anos.1,2
Tabela 1 - Sintomas mais freqüentes das crises de pânico
Sintomas físicos (Somáticos) |
Sintomas psiquiátricos |
Taquicardia,
ondas de frio e calor |
Medo
de morrer |
** Despersonalização refere-se à sensação de estranhamento de si mesmo (sentimento de perda ou transformação do eu) e desrealização ao estranhamento do ambiente (perda da relação de familiaridade com o mundo) |
Para Dick et al,3 o risco mórbido ao longo da vida seria de 3,7% para o sexo
feminino e de 1,7% para o masculino, sendo que os homens apresentariam idade
de início mais precoce.
A maioria dos portadores de TP teria seu primeiro contato com o sistema de saúde em serviços de atenção primária, sendo que apenas 22% deles seriam avaliados inicialmente por psiquiatras.4 Procurariam vários especialistas (principalmente cardiologistas, neurologistas, gastroenterologistas e otorrinolaringologistas), fariam uma série de exames, muitas vezes desnecessários, com altos custos pessoais ou para o sistema de saúde. Além disso, alguns acabariam se automedicando na tentativa de buscar alívio para os sintomas.
As condições médicas mais importantes a serem diferenciadas do TP são: cardiopatias, tireopatias, labirintopatias, epilepsias, anemias, hipoglicemia, feocromoci-toma e intoxicação ou abstinência de drogas.
Na última década, tem havido um crescente interesse em relação à fenomenologia do TP, com alguns autores sugerindo que não se trata de um transtorno homogêneo,5 com importantes diferenças em relação a sintomas predominantes e a transtornos comórbidos. Tal heterogeneidade clínica poderia ter importantes implicações quanto a etiologia, curso e tratamento.1
A semiologia quantitativa do TP tem sido menos estudada do que a de outros transtornos psiquiátricos, como esquizofrenia ou depressão maior, sendo, na verdade, relativamente raros na literatura os estudos puramente descritivos do TP.1,6 Para Segui et al,1 diferenças transculturais poderiam influenciar a apresentação clínica desse transtorno.
Assim, o TP é uma doença crônica e recorrente, que costuma gerar importante prejuízo funcional e ocupacional, com limitações dos papéis sociais e das atividades diárias, e que está relacionada a um maior uso dos serviços de saúde e a maior dependência financeira. Apenas 12% dos pacientes ficariam assintomáticos e sem recaídas, predominando a evolução apenas relativamente favorável, sendo necessário o tratamento de manutenção para muitos pacientes, devido a sintomas residuais.7-9
É uma questão preocupante a possibilidade do não reconhecimento do TP ou de erros diagnósticos também por parte de outros especialistas não-psiquiatras, que devem se familiarizar com as manifestações clínicas do TP. Assim, é importante que se publiquem trabalhos que enfatizem características clínicas do TP para que vários especialistas possam compartilhar do progresso no diagnóstico e no tratamento do TP nos últimos vinte anos.
Objetivos
O objetivo deste trabalho foi descrever a apresentação clínica de um grupo de pacientes portadores de TP acompanhados no ambulatório de Psiquiatria da FMB/ Unesp, comparando os achados com outros estudos descritivos da literatura. Objetivou também comparar a sintomatologia e os dados de história clínica entre homens e mulheres. Visa ainda contribuir para o aprimoramento do diagnóstico de casos de TP no Brasil, inclusive por médicos não-psiquiatras.
Métodos
Foram incluídos no estudo todos os pacientes consecutivamente encaminhados para tratamento no serviço, entre 1998 e 1999, que preencheram os critérios diagnósticos para TP do DSM-IV,10 e que livremente concordaram em participar da entrevista, após os devidos esclarecimentos.
Elaborou-se um questionário próprio, contendo dados sociodemográficos gerais e sobre diversos aspectos clínicos do TP, além de dados sobre antecedentes familiares. A aplicação da entrevista durou em torno de uma hora para cada paciente e foi feita por três dos autores (RM, RSD e ART). Para análise dos dados, utilizou-se o programa Epi-info 6,11 com nível de significância estatística de p<0,05.
Resultados
Neste estudo foram avaliados 35 pacientes,19 mulheres (54,3%) e 16 homens (45,7%), sendo 71,4% procedentes de Botucatu e região e 65,7% católicos. A maioria era de adultos jovens (42,9% entre 18 e 29 anos e apenas 5,7% com mais de 45 anos de idade). Quanto ao estado civil, 68,6% eram casados, 25,7% solteiros e 5,7% separados. Em relação à escolaridade, 57,2% tinham pelo menos o segundo grau completo, porém 22,9% não haviam concluído o primeiro grau. Tinham alguma ocupação 74,2% dos entrevistados, sendo que 20% eram de nível secundário ou técnico e apenas 8,6% de nível superior. A renda per capita foi de até 2 salários mínimos em 42,9% dos casos.
Vinham de famílias numerosas (6 a 14 irmãos) 28,8% dos pacientes, 22,9% eram primogênitos e 31,4% filhos caçulas. Houve apenas um caso de idade materna abaixo de 20 anos e quatro casos acima de 35 anos (máximo: 39 anos). Três pacientes relataram prematuridade, apenas dois tiveram algum outro problema perinatal (distócia, sangramento intenso), e somente um relatou discreto atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Ansiedade de separação esteve presente em 31,4% dos pacientes (7 mulheres e 4 homens), e 20,1% tinham pelo menos um parente de primeiro grau com provável TP. Não tinham filhos 25,7% dos entrevistados e, 68,5% tinham entre 1 e 3 filhos.
O início dos sintomas (Tabela 2) ocorreu até 20 anos de idade em 48,6% dos pacientes e até os 25 anos em 68,6% deles (78,9% das mulheres e 56,3% dos homens até os 25 anos). Em apenas três casos o início foi durante ou após a quinta década de vida (2 homens e 1 mulher).
Em relação à procura por atendimento médico, 82,8% dos pacientes (19 mulheres e 14 homens) foram atendidos em prontos-socorros, sendo que 45,8% pelo menos 15 vezes e 20% deles incontáveis vezes. Todos os pacientes consultaram clínicos e outros especialistas, sendo que 42,9% procuraram três ou mais médicos não-psiquiatras, principalmente clínicos, cardiologistas e neurologistas (Tabela 3). Exames subsidiários foram pedidos em 77,1% dos casos e o mais realizado foi o ECG (70,4% dos pacientes). A maioria (65,7%) dos pacientes levou pelo menos dois anos até iniciar tratamento psiquiátrico. automedicação ocorreu em 22,9% dos pacientes (5 mulheres e 3 homens), com 75% deles fazendo uso de benzodiazepínicos.
Tabela 2 - Sexo e idade de início dos sintomas do transtorno do pânico (TP)
|
Homens (n = 16) |
Mulheres (n = 19) |
Total (n = 35) |
|||
Idade de início do TP |
N |
% |
N |
% |
N |
% |
£ 20 |
5 |
31,3 |
12 |
63,1 |
17 |
48,6 |
21 a 25 |
4 |
25,0 |
3 |
15,8 |
7 |
20,0 |
26 a 30 |
- |
- |
- |
- |
- |
- |
31 a 35 |
3 |
18,7 |
1 |
5,3 |
4 |
11,4 |
36 a 40 |
2 |
12,7 |
2 |
10,5 |
4 |
11,4 |
41 a 45 |
1 |
6,2 |
1 |
5,3 |
2 |
5,7 |
> 45 |
1 |
6,2 |
- |
- |
1 |
2,9 |
Total |
16 |
100,0 |
19 |
100,0 |
35 |
100,0 |
Tabela 3 - Sexo e especialistas consultados por pacientes com transtorno do pânico (TP)
|
Homens |
Mulheres |
Total |
|||
Número de especialistas |
N |
% |
N |
% |
N |
% |
1 especialista |
4 |
25,0 |
7 |
36,8 |
11 |
31,4 |
2 especialistas |
3 |
18,8 |
6 |
31,6 |
9 |
25,7 |
³ 3 especialistas |
9 |
56,2 |
6 |
31,6 |
15 |
42,9 |
Total |
16 |
100,0 |
19 |
100,0 |
3 |
100,0 |
|
|
|
|
|
|
|
Especialistas procurados |
N |
% |
N |
% |
N |
% |
Clínico geral |
14 |
87,5 |
15 |
78,9 |
29 |
82,9 |
Cardiologista |
13 |
81,3 |
8 |
42,1 |
21 |
60,0 |
Neurologista |
6 |
37,5 |
8 |
42,1 |
14 |
40,0 |
Gastroenterologista |
7 |
43,8 |
5 |
26,3 |
12 |
34,3 |
Otorrinolaringologista |
5 |
31,3 |
1 |
5,3 |
6 |
17,1 |
Outros |
3 |
18,8 |
6 |
31,6 |
9 |
25,7 |
Os sintomas mais freqüentes relatados durante as crises estão descritos na Tabela 4. Foram relatados em média 9 sintomas (4 a 16 sintomas), sendo que as mulheres apresentaram maior número médio de sintomas (11 em relação a 8 dos homens). Além disso, as mulheres apresentaram significativamente mais parestesias, medo de enlouquecer, desrealização/despersonalização e diarréia durante as crises.
Tabela 4 - Sexo e sintomas relatados durante as crises de pânico
|
Homens (n = 16) |
Mulheres (n = 19) |
Total (n = 35) |
|||
Sintomas |
N |
% |
N |
% |
N |
% |
Medo
de morrer |
16 |
100,0 |
16 |
84,2 |
32 |
91,4 |
1 c2=
4,72; gl=1 p=0,0298674 |
Até o momento da entrevista, 57,1% dos pacientes tinham apresentado pelo menos 50 crises de pânico. Em 51,3% dos casos a duração média das crises foi de 10 a 20 minutos, sendo que em 7 casos (20%) menos de 10 minutos, e em 4 (11,5%) costumavam durar em torno de uma hora. Ideação suicida foi relatada por 28,6% dos pacientes (7 mulheres e 1 homem), mas apenas 11,4% (3 mulheres e 1 homem) chegaram a apresentar uma ou mais tentativas de suicídio.
Acontecimentos vitais relevantes antecederam o início do quadro em 91,4% dos casos, sendo 76% destes perda ou rompimento afetivos, relatados principalmente pelas mulheres. Entre os homens, dificuldades financeiras e uso anterior de álcool/drogas foram relatados por 37,4%.
Transtornos comórbidos ocorreram em 88,6% dos casos, estando descritos na Tabela 5. Agorafobia foi mais comum entre as mulheres, ocorrendo em 94,7% delas, assim como o TOC (26,3%). Dos pacientes com quadros depressivos, 66,7% eram mulheres. Dos pacientes que apresentaram ansiedade de separação (7 mulheres e 4 homens), 77,2% apresentaram agorafobia (6 mulheres e 2 homens).
Tabela 5 - Sexo e transtornos comórbidos
|
Homens (n = 16) |
Mulheres (n = 19) |
Total (n = 35) |
|||
Comorbidades |
N |
% |
N |
% |
N |
% |
Agorafobia1 |
11 |
68,7 |
18 |
94,7 |
29 |
82,8 |
1 c2=4,13;
gl=1 p=0,0421413 |
Uso nocivo ou dependência de álcool ao longo da vida ocorreu em 8,6% dos pacientes (todos homens), e 65,7% relataram uso de tabaco (15 homens e 8 mulheres), sendo uso atual em 56,5% dos casos.
Em relação à doença física, 28,6% apresentaram doenças associadas ao TP (7 mulheres e 3 homens) e entre as mais comuns estavam asma e doenças cardíacas (30% e 20% respectivamente).
Houve perdas sociais importantes atribuídas ao TP em 88,6% dos casos (100% das mulheres e 75% dos homens),com predomínio de dependência de outras pessoas (74,2%), isolamento (64,5%) e problemas de relacionamento (32,2%).
Em relação aos tratamentos anteriores, 68,6% dos pacientes (13 mulheres e 11 homens) já haviam recebido psicofármacos, e 34,3% feito psicoterapia (8 mulheres e 4 homens).
Discussão
Apesar de se estimar que a prevalência do TP na população geral seja duas vezes maior entre as mulheres,1,3 observou-se quase o mesmo número de homens em tratamento. Uma explicação possível para esse achado seria que talvez portadores de TP do sexo masculino procurem tratamento com mais freqüência, pelo fato de os sintomas serem bastante incapacitantes e comprometerem o rendimento profissional (muitas mulheres ainda trabalham só em casa, situação que, de certa forma, as acomodaria mais aos sintomas).
Chama a atenção o fato de os pacientes serem em sua maioria adultos jovens, numa fase potencialmente muito produtiva da vida. Aparentemente não houve interferência na escolarização, uma vez que 57,2% tinham pelo menos segundo grau completo (nível até bem acima da média dos pacientes do ambulatório), nem na vida afetiva (68,6% casados, com 1 a 3 filhos). Porém, em 43% dos casos a renda per capita não passava de 2 salários mínimos, talvez um dado indicativo da interferência do transtorno na capacidade laborativa.
Dados de nascimento e desenvolvimento parecem pouco significativos nesta amostra. Por outro lado, quase 30% dos casos vinham de famílias numerosas, e 31,4% (7 mulheres e 4 homens) relataram ansiedade de separação na infância. Se gundo Aronson & Logue,6 a ansiedade de separação, mesmo não estando invariavelmente presente, teria um papel relevante em alguns casos.
A idade precoce de início dos sintomas encontrada está de acordo com a literatura.1-3 Note-se que em quase 70% dos casos o quadro começou antes dos 25 anos de idade. Entretanto, nesta amostra, as mulheres apresentaram início mais precoce (78,9% antes dos 25 anos, contra 56,3% dos homens), dado que difere dos de Dick et al,3 que observaram início mais precoce do quadro entre os homens.
Um aspecto notável, e que também confirma dados de literatura, é que os pacientes de fato experimentam um grande número de crises, procuram diversas vezes serviços de pronto-atendimento médico, diferentes especialistas e se submetem a vários exames subsidiários antes do encaminhamento para tratamento psiquiátrico.3,4,8,12,13 Essa etapa leva demasiado tempo, prolongando o sofrimento e as limitações geradas pelo TP, além dos consideráveis custos financeiros (para o paciente e/ou para o sistema de saúde). Observe-se ainda que quase a totalidade dos pacientes relatou importantes problemas sociais secundários, principalmente dependência de outras pessoas e isolamento.6
A automedicação com benzodiazepínicos não foi tão freqüente (menos que ¼ dos casos), ocorrendo mais entre as mulheres, enquanto os homens talvez acabem usando o álcool como auxiliar no enfrentamento de situações temidas ou na busca de alívio temporário dos sintomas (note-se que todos os casos de uso nocivo ou dependência _ 17% _ são do sexo masculino). Entretanto, 37,4% deles relataram uso de alguma substância já antes do início do quadro, fazendo relação principalmente com dificuldades financeiras.
É interessante também o achado de que na quase totalidade dos casos (91,4%) houve algum acontecimento vital relevante temporalmente relacionado ao início dos sintomas, principalmente perdas ou rompimentos afetivos _ 76% _, relatados mais pelas mulheres.13 Dick et al3 também destacam doenças, acidentes, perdas e uso de substâncias como freqüentemente antecedendo a instalação do quadro. Segundo Roy-Birne et al,14 pacientes com TP apresentariam mais eventos vitais antes do início do quadro, e esses eventos teriam maior impacto sobre esses indivíduos (seriam sentidos como mais indesejáveis e incontroláveis, gerando baixa auto-estima). Para Horesh et al,15 eventos vitais estressantes mesmo na infância e na adolescência poderiam contribuir para o desenvolvimento de TP na maioridade.
A duração média e os sintomas principais das crises não diferem de dados da literatura,3 mas tiveram-se alguns sintomas ocorrendo mais freqüentemente no sexo feminino: parestesias, diarréia, desrealização e medo de enlouquecer. Segui et al1 não encontraram diferenças entre os sexos na distribuição dos sintomas.
Para Starcevic et al,16 haveria sintomas de primeira ordem, mais freqüentes e mais graves, como palpitações, taquicardia, dispnéia, tonturas ou sensação de instabilidade e tremores; e sintomas de segunda ordem, geralmente mais leves e não freqüentes, como parestesias, choques, dores no peito, ondas de calor, despersonalização/desrealização e náusea. Dick et al3 também consideram os sintomas cardiovasculares e autonômicos como principais, enquanto os gastrintestinais e de desrealização seriam minoritários.
Outros autores sugeriram a subdivisão do TP em: TP com predomínio de sintomas cardiorrespiratórios, vestibulares, gastrointestinais, de despersonalização e ou desrealização e sem sentimentos subjetivos de medo;1 este último seria o assim chamado "non-fearful panic disorder".17,18 Em apenas um dos casos deste estudo, o medo não esteve presente nas crises, os sintomas sendo exclusivamente físicos, enquanto Kushner & Beitman18 falam entre 15% e 40% os casos com essa apresentação. Beitman et al,17 por exemplo, encontraram 32% de 38 pacientes estudados sem sintomas de medo, porém que não se diferenciaram dos demais em relação a outros parâmetros clínicos.
Briggs et al19 sugerem uma subdivisão em dois grupos, de acordo com a presença ou ausência de sintomas respiratórios. O primeiro grupo teria ataques de pânico (AP) espontâneos e responderia melhor a imipramina, e o segundo mais AP situacionais e responderia mais a alprazolam. Para Segui et al,1 por exemplo, medo de morrer estaria mais associado a sintomas cardiorrespiratórios, enquanto medo de enlouquecer/perder o controle se associaria mais a tonturas e sensação de desmaio. Cassano et al20 encontraram relação entre desrealização/despersonalização e palpitações, sensação de desmaio, medo de morrer e enlouquecer, sendo considerados pelos autores como fatores preditivos de pior evolução clínica. Para Lelliot & Bass,5 pacientes com predomínio de sintomas cardiorrespiratórios seriam mais graves se comparados com aqueles com mais sintomas gastrintestinais.
Outros autores, entretanto, questionam essas subdivisões, uma vez que haveria uma alta correlação entre todos esses diferentes grupos sintomatológicos.6
No presente estudo, da mesma forma que no de Dick et al,3 o número médio de sintomas foi maior entre as mulheres, assim como a ocorrência de agorafobia secundária e de tentativas de suicídio. Note-se, entretanto, que quase 1/3 da amostra relatou ideação suicida em algum momento da evolução, um possível indicador do alto grau de sofrimento que envolve esse transtorno. Hirschfeld12 cita dois estudos epidemiológicos feitos nos EUA em que 20% dos pacientes com TP apresentaram tentativas de suicídio. O risco de suicídio, entretanto, estaria relacionado à comorbidade com outros transtornos psiquiátricos.9,21-23 Assim, a presença de outros transtornos psiquiátricos comórbidos (depressão maior, uso nocivo de substâncias, transtornos da personalidade) influenciaria a ocorrência de tentativas de suicídio no TP21,23 e estaria relacionada com pior prognóstico.9
Em relação a associação de TP e agorafobia, para Starcevic et al,16 esses pacientes, se comparados àqueles sem agorafobia, teriam mais sintomas e estes, por sua vez, seriam mais freqüentes e graves. A evitação agorafóbica poderia ser resultado do julgamento dos sintomas como sendo muito graves e do intenso medo antecipatório relacionado às conseqüências dos AP. Maior ocorrência de agorafobia nas mulheres também foi relatada por Aronson & Logue6 e Yonkers et al.24 A ocorrência de agorafobia associou-se à ansiedade de separação na infância em 76% dos casos.
Seria também alta a comorbidade do TP com depressão maior, e esses pacientes apresentariam quadro de maior gravidade (pior prognóstico e funcionamento), início mais precoce, maior freqüência de outros transtornos mentais, maior risco de suicídio e pior resposta a tratamento agudo.25 Pelo menos 30% dos indivíduos com TP desenvolveriam depressão durante a vida.22 Kessler et al26 descrevem 16,9% dos pacientes com TP tendo depressão maior concomitante e 55% ao longo da vida. No entanto, Albus et al27 não encontraram diferenças no prognóstico desses pacientes em longo prazo.
Em relação ao abuso de álcool e substâncias no TP, Reich & Chaudry28 relatam que 28% dos portadores de TP têm história de alcoolismo, 80% dos alcoolistas têm AP na abstinência, e 64% dos que usam cocaína têm AP.29 Seria importante identificar o que é primário nesses quadros, para orientar a abordagem terapêutica, pois, conforme ressaltaram Dick et al,3 se em alguns pacientes o uso nocivo ou dependência são uma complicação, outros desenvolvem o quadro secundariamente, como foi visto neste trabalho.
A alta taxa de comorbidade encontrada neste trabalho, principalmente de agorafobia, quadros depressivos e uso nocivo ou dependência de substâncias também confirma achados de literatura,3 com predomínio dos dois primeiros no sexo feminino e do último no masculino. Assim, segundo Yonkers et al,24 durante o curso do TP, as mulheres teriam uma tendência a apresentar com mais freqüência agorafobia, maior número de sintomas, maior taxa de recorrência dos sintomas, utilizariam mais os serviços médicos, teriam pior curso clínico, aspectos relacionados a fatores biológicos e psicossociais. Por sua vez, os homens apresentariam mais uso nocivo/dependência de álcool como comorbidade, mas a remissão dos sintomas com o tratamento seria semelhante para ambos os sexos. Oposto aos achados do presente trabalho, tais autores24 encontraram significativamente mais TOC entre os homens, porém após a remissão dos sintomas de pânico.
Doenças físicas estiveram presentes em 28,6% dos casos, o que significa que não são diagnósticos mutuamente excludentes, mas que pacientes principalmente com problemas respiratórios (ex.: asma) ou cardiovasculares (ex.: hipertensão arterial, prolapso de valva mitral, coronariopatias, arritmias) podem apresentar TP associado. Portanto, é uma hipótese diagnóstica a ser considerada por médicos não-psiquiatras diante de quadros com apresentação semelhante à descrita neste trabalho, após avaliação clínica global e cuidadosa (incluindo exames laboratoriais) que exclua, ou não, outras doenças clínicas.
Tipicamente esses pacientes minimizam sintomas emocionais e focam suas queixas principalmente em sintomas cardiovasculares, neurológicos e gastrintestinais.13 Em um trabalho de 1994, Stein et al,30 por exemplo, estudando 87 casos encaminhados a uma clínica para tratamento de problemas vestibulares, encontraram 14,9% com TP e/ou agorafobia, sendo tais casos igualmente prevalentes entre aqueles com e sem doença vestibular (ou seja, o TP pode ser um quadro associado). Favarelli et al8 destacam as maiores taxas de morbidade geral (inclusive doenças cardiovasculares e respiratórias) nesses pacientes.
A demora até o início do tratamento adequado foi um fator preditivo de má resposta ao tratamento.8 Assim, quanto mais rápidos forem a identificação e o encaminhamento dos casos para tratamento adequado, menor o ônus global gerado pelo TP a seus portadores e familiares, uma vez que as limitações e prejuízos podem ser até maiores que de doenças físicas graves.9
* Agorafobia consiste no medo de estar em locais ou situações em que possa ser difícil ou embaraçoso sair em caso de mal-estar ou crise de pânico. O medo de não receber o socorro adequado em caso de necessidade gera uma série de comportamentos de evitação, em geral muito limitantes.
Referências
Correspondência:
Albina Rodrigues Torres
Departamento de Neurologia e Psiquiatria
Faculdade de Medicina de Botucatu (Unesp) Campus de Botucatu
Rubião Jr., s/nº
18.618-970 Cx. Postal 540
Tel.: (0xx14) 820-6260/6089
E-mail: atorres@openlink.com.br
Volume 33, número 3 |
jul · set 2000 |
Última atualização: