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Psiquiatria na prática médica  

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Psiquiatria

Os autores revisam os sintomas da interrupção dos antidepressivos clássicos. Sintomas de interrupção dos inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS) são apresentados e discutidos, incluindo alterações do equilíbrio, perturbações gastrintestinais, sintomas do tipo gripal, sensoriais e do sono, e têm sido associados com maior freqüência aos ISRS de meia-vida curta.


Uso de antidepressivos e sintomas de interrupção
Saulo Castel, Maria Laura N Pires e Helena Maria Calil

   


Saulo Castel

 

Saulo Castel
Médico assistente do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo

 

Correspondência
Saulo Castel
Departamento de Psicobiologia da Unifesp/EPM
Rua Napoleão de Barros, 925
04024-000 São Paulo, SP
Tel.: (0xx11) 5539-0155
E-mail:
saulo@psicobio.epm.br

 

Há algumas décadas foi reconhecido que uma interrupção abrupta ou mesmo gradual dos antidepressivos clássicos provoca o aparecimento de sintomas somáticos e psicológicos.1 Além disso, nos últimos anos também têm sido descritos sintomas de interrupção do tratamento com a nova classe de antidepressivos, os ISRS.

Os critérios para uma suposta síndrome de interrupção incluem: (1) os sintomas não são atribuíveis a outras causas; (2) aparecem após a interrupção abrupta, falhas na ingestão e, mais raramente, após a redução da dose; (3) geralmente são leves e de curta duração, embora possam causar preocupação; (4) podem ser revertidos com a reintrodução do medicamento original ou outro fármaco similar; (5) podem ser minimizados com a redução gradual da medicação ou administração de ISRS de meia-vida longa.2

Sintomas de interrupção do tratamento com antidepressivos clássicos

Podem ser divididos em cinco grupos:

A freqüência desses sintomas de interrupção, dependendo do tipo de antidepressivo, pode variar entre 16% e 100%, tendendo a ser transitória e raramente necessita de tratamento. O melhor parece ser a reintrodução do agente, seguida de sua suspensão gradual.Vários relatos descrevem sintomas de interrupção de maior gravidade após a suspensão de Inibidores de Monoaminoxidase (IMAO): agitação, agressividade, irritabilidade, discurso acelerado ou lentificado, insônia ou hipersonia, deterioração cognitiva, instabilidade afetiva, alucinações, delírios paranóides e transtornos motores.

A venlafaxina também induz sintomas de interrupção, como astenia, tonturas, cefaléia, insônia, náuseas, nervosismo e síndrome do tipo gripal, com uma incidência de 5%.3

Sintomas de interrupção (SI) dos ISRS

Os estudos clínicos precedendo a comercialização de um composto geralmente não identificam SI por sua curta duração, falta de acompanhamento dos pacientes após a suspensão do tratamento, ausência de pesquisa sistemática desses sintomas e exclusão dos pacientes que freqüentemente pulam doses. Em geral, as primeiras descrições provêm de relatos de casos, que são seguidos por dados de farmacovigilância e, finalmente, estudos especificamente desenhados para investigar esse fenômeno. Esses permitem identificar o perfil dos sintomas, a sua prevalência e os fatores de risco.

Estudos de relatos de casos com quatro ISRS (fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina e sertralina) na Grã-Bretanha indicaram que a paroxetina teve a maior prevalência de SI, seguida pela fluvoxamina.4

Numa revisão de 171 casos de pacientes ambulatoriais que tinham sido supervisionados durante o período de redução e suspensão da dose de clomipramina, fluoxetina, fluvoxamina, paroxetina e sertralina, a freqüência desses sintomas foi: clomipramina (30,8%), paroxetina (20%) e fluvoxamina (14%), sertralina (2,2%) e fluoxetina (0%). Esses sintomas geralmente começaram entre 2 e 3 diasapós a última dose e desapareceram em 24h com a retomada da paroxetina, enquanto que naqueles em que este medicamento não foi administrado novamente, persistiram até 21 dias.5

A síndrome de interrupção dos ISRS tem os seguintes sintomas: (1) transtornos do equilíbrio (p. ex., tonturas, vertigem, ataxia); (2) transtornos gastrintestinais; (3) gripais como cansaço, letargia, mialgia, calafrios; (4) transtornos sensitivos ou sensoriais (p. ex., parestesia, sensação de choque elétrico); e (5) transtornos do sono (p. ex., insônia, sonhos vívidos). Os sintomas psicológicos têm sido, por ordem de freqüência, ansiedade/agitação, crises de choro e irritabilidade, hiperatividade, despersonalização, desânimo, problemas de memória, confusão e diminuição da concentração e/ou lentidão do pensamento. Todos os sintomas são de intensidade de leve a moderada e podem ser observados mesmo após a diminuição da dose ou omissão de algumas doses.6 Seu tratamento está descrito na Tabela 1.7

Tabela 1 - Estratégias para o manejo dos sintomas de interrupção do tratamento


  • Explicar ao paciente que os sintomas provavelmente serão leves e de breve duração.
  • Em caso de sintomas agudos graves, restabelecer o esquema de dosagem e diminuir a dose gradualmente, ou introduzir um ISRS de meia-vida mais longa.
  • Reduzir gradualmente todos os inibidores da recaptação de serotonina, exceto a fluoxetina.


A hipótese melhor fundamentada do mecanismo da síndrome de interrupção de ISRS é a diminuição da serotonina disponível na sinapse em conseqüência da diminuição de receptores serotoninérgicos (5-HT2 e/ou 5-HTA).8

Seria interessante destacar que a paroxetina, mais freqüentemente associada com a síndrome de interrupção, é o inibidor mais potente da recaptação da serotonina e o ISRS de meia-vida mais curta. Ao contrário, a fluoxetina (maior meia-vida) não parece causar problemas durante a suspensão abrupta.9

As diferenças entre início, freqüência, intensidade e duração da síndrome de interrupção entre os ISRS poderia ser explicada também pelo padrão farmacocinético de cada composto,10 principalmente meia-vida e presença ou ausência de metabólito ativo (Tabela 2). Entretanto, esses parâmetros isoladamente não explicam completamente as diferenças entre ISRS, principalmente em relação à freqüência.

Tabela 2 - Parâmetros farmacocinéticos dos ISRS

Droga

Meia-vida (horas)

Metabólito ativo e sua meia-vida

Fluoxetina

144

norfluoxetina (7-15 dias)

Sertralina

26

n-desmetilsertralina (66 h)

Citalopram

33

nenhum

Paroxetina

21

nenhum

Fluvoxamina

15

nenhum

 

Discussão

Os sintomas de interrupção dos ISRS são semelhantes aos descritos após a suspensão dos antidepressivos tricíclicos e dos IMAO. Entretanto, as alterações sensitivas parecem ocorrer apenas após a suspensão da administração de ISRS.

Muitos relatos de casos têm-se referido à síndrome de interrupção de ISRS como "sintomas de abstinência", embora esses sejam diferentes da síndrome de abstinência clássica associada a substâncias psicoativas. Os antidepressivos não têm sido associados à tolerância, dependência ou busca ativa do medicamento. Esses são alguns dos motivos pelos quais se tem escolhido a denominação de sintomas de abstinência ou mesmo síndrome de interrupção.

Esses sintomas não devem ser considerados como uma recaída da depressão, uma vez que ocorrem também em pacientes com outras patologias. Na prática clínica, um aspecto que ajuda a diferenciar os sintomas de interrupção de uma recaída é que esses aparecem antes. A prevalência reduzida dos sintomas de interrupção do tratamento com ISRS não deve limitar sua utilidade clínica.

Referências

  1. Dilsaver NJ. Heterocyclic antidepressant, monoamine oxidase inhibitor and neuroleptic withdrawal phenomena. Progress Neuropsychopharmachol Biolog Psychiatry 1990;14:137-61.
  2. Schatzberg AF, Haddad P, Kaplan EM, Lejoyeux M, Rosenbaum JF, Young AH, Zaje et al. Serotonin reuptake inhibitor discontinuation syndrome: a hypothetical definition. J Clin Psychiatry 1997;58(suppl 7):5-10.
  3. Lejoyeux M, Ades J. Antidepressant discontinuation: a review of the literature. J Clin Psychiatry 1997;58(suppl 7):11-5.
  4. Price JS, Waller PC, Wood SM et al. A comparison of the post-marketing safety of our selective serotonin re-uptake inhibitors including the investigation of symptoms occuring on withdrawal. Br J Clin Pharmacol 1996;42:757-63.
  5. Coupland NJ, Bell CJ, Potokar JP. Serotonin reuptake inhibitor withdrawal. J Clin Psychopharmacol 1996;16:356-62.
  6. Goldstein BJ, Goodnick PJ. Selective serotonin reuptake inhibitors in the treatment of affective disorders _ III. Tolerability, safety and pharmacoeconomics. J Psychopharmacol 1998;12(suppl 3):S55-S87.
  7. Rosenbaum JF, Zajecka J. Clinical management of antidepressant discontinuation. J Clin Psychiatry 1997;58(suppl 7):37-40.
  8. Schatzberg AF, Haddad P, Kaplan EM, Lejoyeux M, Rosenbaum JF, Young AH, et al. Possible biological mechanisms of the serotonin reuptake inhibitor discontinuation syndrome. J Clin Psychiatry 1997;58(suppl 7):23-7.
  9. Zajecka J, Fawcett J, Amsterdam J, Quitkin F, Reimherr F, Rosenbaum J, et al. Safety of abrupt dicontinuation of fluoxetine: a randomized, placebo-controlled study. J Clin Psychopharmacol 1998;18:193-7.
  10. Michelson D, Fava M, Amsterdam J, Apter J, Londborg P, Tamura R, et al. Interruption of selective serotonin reuptake. Double-blind, placebo-controlled trial. Brit J Psychiatry 2000;176:363-8

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Volume 33, número 3

jul · set 2000

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