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Uso de psicoestimulantes no Brasil: um problema ainda sem solução 

 

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O uso abusivo de psicoestimulantes tem aumentado nos últimos anos em todo o mundo. Essas drogas são capazes de causar dependência e se associam a uma série de danos à saúde. No Brasil, o problema com relação a psicoestimulantes é relacionado ao uso instrumental, ou seja, aquele no qual os usuários buscam melhorar a performance.


Uso de psicoestimulantes no Brasil: um problema ainda sem solução
Maurício S Lima e Ingrid P Novo

   


Maurício S. Lima

 

Maurício Silva de Lima
Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas

 

Correspondência:
Maurício Silva de Lima
Departamento de Saúde Mental
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Pelotas
Av. Duque de Caxias, 250
Pelotas, RS

 

Existe ampla documentação na literatura sobre os efeitos indesejáveis a curto e a longo prazo do uso de anfetaminas e derivados. Os psicoestimulantes são drogas capazes de causar dependência e se associam a uma série de danos à saúde. Freqüentemente subestimada, a psicose anfetamínica é um evento com sérias conseqüências e cuja ocorrência é conhecida há várias décadas.1-4

O uso abusivo de psicoestimulantes tem aumentado nos últimos anos, representando uma séria ameaça à saúde de indivíduos, comunidades e nações. O primeiro encontro promovido pela Organização Mundial da Saúde sobre o abuso dessas substâncias teve lugar em Genebra, em novembro de 1996, e resultou na elaboração de um documento contendo uma revisão ampla da epidemiologia, da farmacologia, dos danos à saúde e de outras conseqüências do uso dessas drogas.

De 22 a 26 de novembro de 1999, em Bangkok, Tailândia, a OMS promoveu um encontro de especialistas para discutir a questão do uso de anfetaminas, ecstasy e outros psicoestimulantes em todo o mundo e planejar uma intervenção para diminuir o uso e os riscos associados. Nesse encontro foram apresentados dados referentes ao consumo em vários países, incluindo o Brasil.

Na Tailândia, o uso excede o de heroína desde o começo dos anos 90, principalmente entre estudantes e trabalhadores. O consumo também tem aumentado na Austrália desde 1988, chegando atualmente a ser a segunda droga mais consumida.

O uso de psicoestimulantes entre os estudantes é de particular importância. No Canadá, apesar dessas drogas serem classificadas como substâncias controladas, o uso também tem aumentado, particularmente entre jovens. Em países como o Japão, o uso de psicoestimulantes chega a ser a principal preocupação com o uso de drogas entre jovens. O Japão enfrenta, desde 1990, uma terceira epidemia de uso de meta-anfetamina, especialmente nessa faixa etária.

No Reino Unido, o uso de meta-anfetamina atualmente é raro. No entanto, o uso de ecstasy, como também em vários outros países, é altamente prevalente entre freqüentadores de clubes noturnos e danceterias: um dos estudos de prevalência chegou a relatar que cerca de 87% dos jovens havia consumido ecstasy antes ou durante a noite. Na Ucrânia o panorama é semelhante, sendo o uso também verificado principalmente em danceterias, com o agravante de que os jovens com freqüência evoluem para o uso endovenoso. Mais recentemente, esse mesmo padrão de uso vem ocorrendo nas grandes cidades da Polônia e da Rússia, apesar de já existirem mudanças na legislação visando diminuir o consumo. Dados obtidos na China indicam que o número de problemas e a criminalidade relacionados ao uso de ecstasy tem aumentado desde 1994, principalmente em adolescentes. Nesse país os psicoestimulantes anfetamínicos são ainda usados no tratamento da narcolepsia, para melhorar a performance escolar e entre trabalhadores da indústria do sexo (ecstasy).

O uso instrumental de derivados anfetamínicos predomina em alguns países como a Nigéria, onde seu uso atingiu proporções epidêmicas nas décadas de 60 e 70. Os principais usuários são estudantes que querem permanecer alerta, motoristas de caminhão e trabalhadores ocasionais, que usam essas drogas buscando maior energia, a fim de enfrentar um trabalho tedioso por horas. Nos Estados Unidos da América o uso instrumental também era verificado entre atletas, motoristas de caminhão, pessoas fazendo dietas e estudantes. Atualmente os maiores usuários nos EUA são homossexuais, motociclistas, prostitutas e estudantes. O ecstasy tem sido amplamente consumido em danceterias, especialmente entre mulheres, afro-americanos, hispânicos, asiáticos, fazendeiros e trabalhadores urbanos.

Na Suíça, apesar do consumo ser inferior ao verificado para outras drogas, como heroína, o uso de anfetaminas e suas conseqüências constitui-se um problema de saúde pública.

A situação no Brasil
No Brasil, o problema com relação a psicoestimulantes é relacionado ao uso instrumental, ou seja, aquele no qual os usuários buscam melhorar a performance, como por exemplo os motoristas profissionais, ou a objetivos médicos específicos, como perder peso ou melhorar a atenção. A situação brasileira assume contornos que dificultam a compreensão do fenômeno e mesmo a comparação com outros países em desenvolvimento. O Brasil é o maior importador de dietilpropriona e fenproporex do mundo inteiro.
5 Dados de base populacional sugerem que mais de 1% da população usou algum derivado anfetamínico nas duas últimas semanas, sendo o uso de anoréticos maior entre mulheres oriundas de grupos com alta escolaridade e renda.6 A prescrição desses medicamentos em regimes de emagrecimento segue sendo uma prática comum entre os médicos brasileiros,7-8 apesar das tentativas legais visando coibir o seu uso. O potencial para abuso e dependência, além da falta de evidência de eficácia na manutenção do peso ponderal a longo prazo,9 não parecem ser razões suficientes para convencer os médicos brasileiros a abandonar essa prática. E o que é mais sério: basta apreciar o panorama mundial para perceber que esse é um problema que já não afeta mais outros países, como os EUA e alguns países europeus. Na verdade, parece que o uso de anoréticos ainda é um problema apenas no Brasil e na Argentina.

Em nosso país não existem dados confiáveis sobre o uso entre motoristas de caminhão, mas o consumo pode ser elevado e possivelmente relacionado às longas jornadas de trabalho e à alta taxa de acidentes nas estradas brasileiras. O uso de ecstasy ainda é limitado a cidades como Rio de Janeiro e São Paulo, mas a magnitude desse problema ainda não foi sistematicamente avaliada.

Em síntese, no Brasil ainda não existem recursos específicos para atender as pessoas que abusam de psicoestimulantes. Os dados existentes indicam que são necessárias intervenções para diminuir o consumo entre escolares que utilizam essas drogas como estimulantes do SNC e entre mulheres que objetivam a inibição do apetite. A resolução do uso abusivo de anorexígenos passa necessariamente pela educação do médico, que é o agentes prescritor. De forma similar, existe um uso cada vez maior de anfetamínicos por adultos com déficit de atenção, uma condição cuja validade diagnóstica ainda é discutível. Ainda que esse transtorno seja adequadamente identificado, resta a questão da suposta eficácia do medicamento para esse transtorno.

A magnitude do problema do consumo de psicoestimulantes entre motoristas de longa distância precisa ainda ser avaliada, para que estratégias de prevenção e intervenção específicas possam ser aplicadas.

Referências

  1. Brooke D, Kerwin R, Lloyd K. Diethylpropion hydrochloride-induced psychosis. Br J Psychiatry 1998;152:572-3.
  2. Carney MWP, Harris M. Psychiatric disorder and diethylproprion hydrochloride. Practitioner 1979; 223:549-52.
  3. Dare GL, Goldney RD. Fenfluramine abuse. Med J Aust 1976;2:537-40.
  4. Hoffman BF. Diet Pill Psychosis. Can Med Assoc J 1997;116:351-5.
  5. Bayer I. Psychotropic substances in Europe: trends in licit use. New York: International Narcotics Control Board. United Nations Publications; 1990 ST/INCB/1
  6. Lima MS, Béria JU, Tomasi E, Mari JJ. Use Of Amphetamine-Like Appetite Suppressants: A Cross- Sectional Survey In Southern Brazil. Subst Use and Misuse 1998; 33(8):1711-9.
  7. Nappo SA. Consumo de anorexígenos tipo-anfetamina (dietilpropiona, fenproporex, mazindol) e de fenfluramina no Brasil: prejuízo ou benefício para a saúde. J Bras Psiquiatria 1992;41(8):417-21.
  8. Nappo SA, Oliveira EM, Morosini S. A prescrição por médicos brasileiros de fórmulas magistrais para emagrecer: uma duvidosa prática para a saúde dos pacientes. Arq Bras Méd 1994;68(1):15-20.
  9. Consumer’s Association. Managing obesity successfully. Drug Ther Bull 1989;27(9):33-6.

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