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Psiquiatria na prática médica  

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Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM

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Tratamento da dependência da nicotina
O uso de ansiolíticos e antidepressivos em cardiologia
Delirium no paciente idoso

Abordagem diagnóstica na neurocirticercose
Aspectos psicopatológicos relacionados à coréia de Sydenham
Uso de psicoestimulantes no Brasil: um problema ainda sem solução 

 

Psiquiatria

O tabagismo é a maior causa preveniente de morbidade e de mortalidade em muitos países. O presente artigo tem como objetivo fazer uma revisão dos principais métodos de tratamento da dependência da nicotina, passando pelo uso dos adesivos, chicletes, inaladores e sprays nasais de nicotina, até a utilização de antidepressivos como a bupropiona e a nortriptilina.


Tratamento da dependência da nicotina

Ronaldo Laranjeira e Analice Gigliotti

   


Ronaldo Laranjeira

 

Ronaldo Laranjeira
Uniad (Unidade de Pesquisa em Álcool e Drogas), Hospital São Paulo , Unifesp-EPM

 

Correspondência
Ronaldo Laranjeira
Rua Borges Lagoa, 564 conj. 44
04038-000, São Paulo, SP
Tel./fax: (0xx11) 5579-0640
E-mail:
laranjeira@psiquiatria.epm.br

 

De acordo com a Organização Mundial da Saúde, três milhões de fumantes morrem por ano de doenças relacionadas com o tabaco.

O tabagismo é a maior causa preveniente de morbidade e de mortalidade em muitos países. Mas a dependência da nicotina é um comportamento tão virulento que embora 70% dos fumantes desejem parar de fumar, apenas 5 % destes conseguem fazê-lo por si mesmos. Isso ocorre porque o comportamento do fumar não apenas causa doenças mas é, ele mesmo, uma doença: a dependência da nicotina.

A visão do comportamento do fumar como dependência de droga causou uma verdadeira revolução nas formas de entendimento e tratamento dos fumantes. Isso foi precipitado pela publicação, em 1988, do Relatório do Cirurgião Geral Koop. Nesse, concluiu-se que o cigarro e outras formas de tabaco geram dependência; que a droga que causa dependência no tabaco é a nicotina; e que os processos farmacológicos e comportamentais que determinam a dependência ao tabaco são similares àqueles que determinam a dependência de outras drogas como a heroína e a cocaína. Dessa forma, a dependência do cigarro passou a não ser mais vista apenas como um “vício psicológico” mas como uma dependência física que deveria ser tratada como uma doença médica, nos mesmos moldes do tratamento de outras substâncias que causam dependência.1 Desde então, todo um arsenal terapêutico foi desenvolvido com o objetivo de aliviar os sintomas da síndrome de abstinência da nicotina ou a diminuir a fissura pela mesma.

O presente artigo tem como objetivo fazer uma revisão dos principais métodos de tratamento da dependência da nicotina, passando pelo uso dos adesivos, chicletes, inaladores e sprays nasais de nicotina, até a utilização de antidepressivos como a bupropiona e a nortriptilina. Descreveremos a possibilidade do uso conjunto ou isolado de cada um desses medicamentos, ressaltando que a terapia cognitivo-comportamental de suporte costuma aumentar as taxas de abstinência.

A dependência da nicotina

O 4o Manual Diagnóstico Estatístico da Associação Psiquiátrica Americana oferece sete critérios para dependência de substâncias psicoativas, que são aplicáveis à nicotina:2

  1. usar a substância em quantidades maiores ou por um período de tempo maior do que o pretendido;
  2. tentativas ou desejo persistente em reduzir ou parar de usar a substância;
  3. gastar muito tempo para obtenção da substância;
  4. prejuízo das atividades sociais, ocupacionais ou recreacionais por causa do uso da substância;
  5. persistência no uso da substância a despeito do conhecimento de que está causando prejuízo físico ou psicológico;
  6. desenvolvimento de tolerância, o que significa que a mesma dose torna-se menos eficaz com o uso continuado;

presença de sintomas de abstinência. No caso da nicotina: irritabilidade, ansiedade, depressão, diminuição da concentração, inquietação, insônia ou hipersônia, aumento de apetite ou de peso, diminuição dos batimentos cardíacos e diminuição da pressão arterial.

Na verdade muitos fumantes parecem usar o tabaco de acordo com um modelo cíclico clássico de dependência de drogas em que inicialmente se busca os efeitos benéficos da nicotina mas o que mantém o indivíduo fumando é o alívio dos sintomas de abstinência.

Outros determinantes da dependência
Não é apenas a dependência da nicotina que determina a persistência no seu uso e esse não é o único fator relevante para o tratamento. Como no caso de uso de qualquer outra droga, o desejo de consumo pode ser desencadeado por estímulos ambientais relativamente independentes do estado ou da necessidade fisiológica. Por isso o indivíduo pode ter uma “fissura” (“craving”) para fumar mesmo muitos anos após o término da síndrome de abstinência (que em média dura um mês). Assim sendo, para o tratamento da dependência da nicotina deve-se também ter em conta o cortejo comportamental do uso da substância, as “situações-gatilho”. Como exemplo dessas situações temos os estados emocionais negativos (irritabilidade, depressão, ansiedade etc.), o uso de bebidas alcoólicas, ver alguém fumando, entre outras. Nesses casos o indivíduo estaria desejando fumar não para aliviar os sintomas da abstinência mas sim na expectativa do “reforço positivo” no uso da nicotina – a diminuição da ansiedade e o aumento do prazer, por exemplo. Os relatos do Surgeon General de 88 e 89 vêem a dependência do tabaco como determinada por processos biológicos, biocomportamentais, psicológicos e socioculturais.

O processo de parar de fumar: estágios de mudança
Parar de fumar não se trata de uma simples decisão súbita em transformar-se de um “fumante regular” em um “não fumante”. Até que um indivíduo realmente resolva parar de fumar, ele percorre um caminho sutil, cheio de idas e vindas. São os chamados “estágios de mudança”, que foram assim descritos por Prochaska e Di Clemente:

  1. Estágio pré-contemplativo: nesse estágio o indivíduo não pretende parar de fumar nos próximos seis meses. São aqueles pacientes que vêem mais prós do que contras em fumar, que negam os malefícios do tabaco à saúde;
  2. Estágio contemplativo: pretende seriamente parar de fumar nos próximos seis meses mas, na verdade, está ambivalente. Encontra um pouco mais contras do que prós em fumar mas, em caso de dúvida, não pára;
  3. Preparação para ação: Pretende seriamente parar no curso do próximo mês. Já começa intuitivamente a usar técnicas comportamentais para livrar-se do fumo. Adia o primeiro cigarro do dia, diminui o número de cigarros fumados etc. Fez pelo menos uma tentativa de parar de fumar no último ano;
  4. Ação: O indivíduo parou de fumar;
  5. Manutenção: Até seis meses após o indivíduo ter abandonado o tabaco. Esse período não ocorre passivamente, apenas deixando as coisas como estão. O indivíduo utiliza mecanismos comportamentais de adaptação ao meio sem cigarro, podendo até mesmo alterar seus hábitos rotineiros (como passar a não tomar mais café, por exemplo).

A conceituação dessas fases é importante tendo em vista o tratamento, uma vez que, de acordo com os autores, a intensidade, a duração e o tipo de intervenção devem se adequar ao estágio de mudança do paciente. Indivíduos num estágio mais tardio devem se beneficiar de tipos de intervenção mais intensas e orientadas para a ação. Indivíduos num processo inicial de mudança (pré-contemplativos, por exemplo) devem precisar de tipos de programas menos intensivos e mais extensivos, para que se possa acompanhá-los através do ciclo de parar de fumar e movê-los com sucesso até o estágio de ação (Figura 1).

Figura 1 - Estágios de mudança

Figura 1 - Estágios de mudança3

Tipos de tratamento
Seja qual for o tipo de tratamento, seu objetivo deve ser o de fazer o indivíduo mover-se de um estágio de mudança para outro, no sentido da ação (parar de fumar). Por isso podemos dizer que existem métodos diretos e indiretos de parar de fumar.

Métodos indiretos
São aqueles que influenciam o fumante a abandonar o cigarro sem que haja um contato direto com ele. Aqui a ênfase se desloca do tratamento clínico, individual, para a saúde pública. Temos como exemplo a realização de campanhas educacionais anti-fumo; elaboração de normas sociais como a proibição do fumo em restaurantes, teatros e cinemas; e a aplicação de altos impostos sobre o cigarro. Essas intervenções têm como foco a comunidade, são menos custosas e produzem taxas de abstinência mais baixas. Como conseguem atingir um número maior de fumantes, produzem taxas populacionais de abstinência mais altas e reduzem mais a morbidade e a mortalidade.

Métodos diretos
Apesar de mais custosos, têm também grande impacto em saúde pública, proporcionando redução na prevalência de fumantes (e, conseqüentemente, de sua morbidade e mortalidade). Envolvem utilização de fármacos e realização de psicoterapia ou somente aconselhamento por um profissional de saúde a respeito da maneira mais adequada de deixar de fumar.

A maioria dos fumantes prefere não procurar programas de suspensão do tabagismo e parar de fumar sozinho. Por isso, esses programas são usados aquém de suas possibilidades, por poucos daqueles indivíduos que não conseguiram parar por si mesmos.

Conselho médico
Como vimos acima, apenas uma pequena porção dos fumantes se envolve em tratamentos para deixar de fumar. Por outro lado, grande parte dos mesmos faz visitas regulares a seus clínicos, e a relação médico-paciente oferece um contexto “único e poderoso” para o tratamento da dependência da nicotina. As preocupações dos pacientes com sua saúde fazem de sua consulta o momento mais adequado para algumas “orientações”. No consultório médico (público ou privado) unem-se as perspectivas de saúde pública e a clínica, ao se oferecer assistência personalizada a grandes populações de fumantes.

Em 1989, Glynn and Manley3 elaboraram um manual com o título “Como ajudar seus pacientes a parar de fumar”. Ao final desses estudos elaboraram técnicas simples cujo uso recomendam aos clínicos, as quais podem ser usadas sem interferir em sua rotina: argüir se o paciente fuma sempre que possível; aconselhar todos os fumantes a parar; ajudar o paciente a parar, usando materiais de auto-ajuda e medicamentos quando necessário; e acompanhar o paciente, marcando futuras visitas. Para seu auxílio, o clínico pode usar todo o “staff ”de profissionais de saúde, incluindo enfermeiras, terapeutas respiratórios etc. Por trás dessas técnicas está a idéia de associar à farmacoterapia alguma “dose” (a disponível) de psicoterapia.

Caso o fumante não queira deixar de fumar, o clínico deve apenas ouvi-lo quanto às suas motivações para continuar fumando; entregar-lhe folhetos sobre fumo; e marcar outra consulta para daí a aproximadamente seis meses. Quando o fumante desejar parar, pode-se explorar alguns pontos-chave em apenas cinco a dez minutos: marcar uma data para deixar de fumar; rever experiências passadas e determinar o que ajudou e o que falhou nas tentativas anteriores; identificar problemas futuros e fazer um plano para lidar com eles; solicitar o suporte de familiares e amigos; planejar o que fazer a respeito do consumo de álcool; e prescrever medicamentos (que serão descritos posteriormente).4

Um dos maiores efeitos do aconselhamento breve acima descrito é o de motivar os pacientes a parar, mais do que aumentar as taxas de abstinência. Entretanto, dentre os métodos diretos de suspensão do fumar existentes no Brasil, esse é o que oferece menor relação custo/eficácia.

Existem ainda, entretanto, algumas barreiras a serem transpostas para que essas técnicas sejam utilizadas em larga escala. Entre elas temos: a alegação por parte dos clínicos de que não são suficientemente ressarcidos financeiramente para gastar seu tempo com isso; a falta de treinamento dos mesmos nas técnicas supracitadas; e o pessimismo em relação às habilidades dos pacientes em parar de fumar.

Em qualquer tipo de tratamento, marcar consultas de acompanhamento é importantíssimo. Quanto maior a intensidade, freqüência e duração do contato, melhor será o resultado. Por isso a disponibilidade de tempo por parte do clínico ou outro profissional de saúde é fundamental.

Vários fumantes são incapazes de deixar de fumar sem um auxílio mais intensivo, e freqüentemente esses serão fumantes pesados, que por isso mesmo estão sob maior risco de acometimento de doenças relacionadas ao tabaco. Esses fumantes devem ser encaminhados para clínicas especializadas. Nessas, o tratamento costuma ser feito por uma equipe interdisciplinar composta de clínicos, psiquiatras, psicólogos, enfermeiros e/ou conselheiros em dependência de drogas (não necessariamente todas essas especialidades precisam estar envolvidas). Aí, serão preferencialmente tratados em grupo, terão mais suporte para suas dificuldades em obter a abstinência e serão acompanhados mais de perto para prevenir recaídas.

Um cronograma das atividades que podem ser desenvolvidas pelo profissional de saúde está descrito na Figura 2.

Figura 2 - Cronograma das atividades

Figura 2 - Cronograma das atividades

Tratamentos Farmacológicos

Terapia de reposição de nicotina (TRN)
Conceito de TRN
O uso desse tipo de terapia baseia-se na necessidade de reduzir o sofrimento do fumante com os sintomas da abstinência. Mas, embora a maioria das pessoas fume primariamente para obter nicotina, ela é apenas uma entre as mais de 4.000 substâncias químicas do cigarro e um dos seus constituintes menos tóxicos. Segundo a conclusão de 1990 do Relatório do Cirurgião Geral dos Estados Unidos, os efeitos maléficos do tabagismo são largamente atribuíveis ao alcatrão, ao monóxido de carbono e a outros constituintes tóxicos da fumaça do cigarro.

Sozinha, uma medicação que distribua nicotina no organismo do indivíduo não constitui uma terapia de cessação de fumar completa. Vários pesquisadores concordam que é “fundamental que haja alguma forma de intervenção comportamental em todas as terapias para dependência de drogas”.5 A terapia de reposição de nicotina é definida como “a aplicação sistemática de medicações que distribuem nicotina e princípios comportamentais para estabelecer e manter a abstinência ao tabaco”.

De acordo com o recém-publicado “Manual para Cessação de Fumar na Prática Clínica” do Agency for Health Care Policy and Research (AHCPR), a TRN é o tratamento de primeira linha para a dependência ao tabaco, exceto em circunstâncias especiais que serão abordadas posteriormente. 2 Neste manual, através da metanálise de 42 ensaios clínicos controlados com as diversas formas de reposição de nicotina, Fiore e seus colegas concluíram que a TRN é eficaz, seja utilizada isoladamente ou em conjunto com outros abordagens terapêuticas. Embora as taxas de abstinência variem de acordo com o contexto, esta terapia costuma dobrar as chances de sucesso na cessação de fumar.3

Tipos de TRN e sua forma de utilização
Chicletes: A nicotina só começou a ser utilizada na forma de chicletes no final da década de 80 e foi em 1996 que houve sua liberação para venda OTC (sem prescrição médica) nos EUA. Eles podem ser encontrados nas doses de 2mg e 4mg. Nos EUA recebem o nome de Nicorette. No momento não se encontram à venda no Brasil mas serão lançados em breve no mercado. O FDA recomenda seu uso acompanhado de um programa comportamental. Essa terapêutica parece atingir maiores índices de abstinência a longo prazo se feita em regime fixo de administração (a cada hora enquanto acordado) ao invés de ad libtum.

Um fator importante para obtenção de eficácia no uso desses chicletes é sua técnica de utilização. Não devem ser mastigados como um chiclete comum. (Recomenda-se que o chiclete seja mastigado algumas vezes até que o sabor da nicotina torne-se aparente. Após isso, deve-se depositar o chiclete entre a gengiva e a bochecha até que o gosto desapareça. A partir de então o mesmo ciclo de mastigar e depositar o chiclete deve ser repetido até que se completem 30 minutos de uso do mesmo, quando deve ser desprezado). Além disso, o uso de bebidas durante seu processo de utilização pode “lavar” a nicotina bucal, tornando o produto ineficaz.

Se o chiclete é utilizado como única terapia farmacológica, deve-se encorajar o uso da dose de 4mg para fumantes pesados (mais de 20 cigarros/dia). A maioria dos pacientes costuma ter que mascar de 10 a 15 gomas por dia para alcançar a abstinência.8

Adesivos: Com o objetivo de aumentar ainda mais as taxas de abstinência ao tabaco, outra forma de administração da nicotina foi desenvolvida: os adesivos de nicotina transdérmica, cujo uso é fácil. Devem ser trocados a cada 24 horas e não impedem que o indivíduo faça esporte. Têm como efeito colateral mais comum a presença de irritações de pele que podem impedir a continuidade do tratamento. A maioria dos estudos com nicotina transdérmica foi realizada em clínicas especializadas, com alguma espécie de suporte comportamental.

O tempo ideal de tratamento ainda não foi totalmente esclarecido, assim como a dose ideal para se iniciar o tratamento. No Brasil, o único disponível por enquanto é o “Nicotinel TTS”. Tipicamente aplica-se um adesivo de 30 mg durante quatro semanas, seguidas de mais quatro semanas com os adesivos de 20 mg e mais quatro com os de 10 mg. Dessa forma, faz-se uma redução gradual da nicotina sérica. Alguns pacientes podem precisar de menos tempo de terapia e outros podem fazer uso dos adesivos por um ano ou mais, dependendo do seu grau de tolerância aos efeitos colaterais.

A experiência da Universidade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina tem sido a de usar o adesivo de 30 mg por quatro semanas. Já na Santa Casa de Misericórdia do Rio de Janeiro, utiliza-se o adesivo da seguinte maneira: 30 mg por 10 dias; por mais 10 dias alterna-se, um dia com um adesivo de 30 mg, outro com meio adesivo de 30 mg; e finalmente meio adesivo de 30 mg nos últimos 10 dias. Em ambos os casos utiliza-se apenas uma caixa de 30 mg dos adesivos

A questão das doses
Fumantes pesados (mais de 30 cigarros/dia) são diferentes dos fumantes leves. Os primeiros têm maior dificuldades de parar, se ressentem mais dos sintomas da abstinência e têm mais episódios de “fissura” para fumar. Há evidência de que as taxas de abstinência possam ser mais altas quanto maiores as doses iniciais dos adesivos. Hurt et al, num estudo realizado com fumantes altamente dependentes de nicotina, verificou que aqueles indivíduos que mais se queixavam de sintomas da abstinência enquanto se tratavam com os emplastros estavam “sub-dosados”, isso é, não estavam recebendo uma dose de nicotina que equivalesse à que mantinham fumando. Foi proposto então o controle da dose dos adesivos de acordo com medidas biológicas ou com o alívio dos sintomas da abstinência. Atualmente sabe-se que o número de cigarros por dia (cpd) pode ser usado para estimar a dose de reposição de nicotina necessária. No Brasil, um adesivo de 30 mg equivale a 20 cigarros. Fumantes de mais de dois maços por dia devem utilizar dois adesivos de 30 mg. Um monitoramento cuidadoso e freqüente e o ajuste das doses pode ser necessário para se adquirir alívio adequado dos sintomas da abstinência.
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Uso combinado dos chicletes e adesivos de nicotina
Num estudo realizado por Fargeström et al, os indivíduos que receberam tratamento combinado de adesivo e chiclete de nicotina obtiveram maior alívio dos sintomas de abstinência que aqueles usando cada um dos dois isoladamente. Nesse estudo, os autores utilizaram um adesivo de liberação de nicotina por 16 horas e prescreveram chicletes de 2mg de nicotina ad libtum, sendo usados no mínimo 4 e no máximo 20 vezes ao dia.
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Outros métodos de reposição da nicotina
Tanto os adesivos quanto os chicletes são formas de liberação lenta da nicotina que não simulam os efeitos rápidos dessa droga no SNC obtidos quando se fuma um cigarro e por isso são pouco eficazes na redução de “fissura” para fumar. Pensando nisso foram desenvolvidas formulações de liberação rápida de nicotina, como o spray nasal ou inalantes em aerosol. Esses métodos podem ser usados isoladamente ou em conjunto com as formulações de liberação lenta e sua maior desvantagem é que apresentam maior probabilidade de desenvolvimento de dependência pelo paciente. O potencial de abuso desses produtos, entretanto, parece ser significativamente menor do que o de cigarros em fumantes. Esses produtos ainda não são comercializados no Brasil.

O spray nasal de nicotina também já foi aprovado pelo Food and Drug Administration, mas não há estudos comparativos com os chicletes ou com os adesivos. Também aconselha-se que sejam usados junto com a terapia cognitivo-comportamental. Seus efeitos colaterais mais comuns são lacrimejamento, aumento da secreção nasal, irritação nasal e da garganta. Raramente esses efeitos colaterais justificam a suspensão do tratamento. Deve-se iniciar com uma ou duas doses por hora, mas não exceder cinco doses por hora ou 40 doses por dia. Cada dose significa um “spray” em cada narina.10,11 A maioria dos pacientes usa em média 15 doses por dia, fazendo um decréscimo gradual no número de doses com o passar do tempo.12

Uma forma interessante de reposição de nicotina é o “nicotine inhaler” (inalante em aerosol). Apresenta um dispositivo com formato similar a um cigarro, onde a nicotina é inalada em forma de vapor através de um tubo de plástico. Alguns pacientes sentem-se confortáveis usando esse medicamento, uma vez que ele pode simular todo o ritual comportamental envolvido na dependência da nicotina.13 Também pode ser benéfico seu uso em conjunto com outras formas de reposição de nicotina e bupropiona. Na verdade, esse produto não é exatamente um “inalador”. Não é necessário que se inale a nicotina pois ela não é absorvida pelos pulmões mas sim pela mucosa bucal e pela faringe posterior. São necessários aproximadamente 80 “baforadas” durante 20 minutos para que se obtenha 2 mg de nicotina (metade da quantidade máxima contida em cada cápsula). A dose inicial recomendada é entre 6 e 16 cápsulas por dia.13

Segurança da TRN
Grande parte do temor na utilização da TRN deve-se aos seguintes fatores:

  1. a nicotina está associada a doenças cardiovasculares. Atualmente já se sabe que em pacientes com doença coronariana a nicotina pode causar vasoconstrição coronária, arritmias e aumentar a demanda cardíaca. Esse potencial, entretanto, só é verdadeiro para formas de liberação da nicotina “em bolo”, como nos cigarros. Nas doses tipicamente administradas pelos adesivos e chicletes, de liberação mais lenta, isso não parece se confirmar. Ao contrário, o envolvimento do tabagismo na maior incidência de infarto agudo do miocárdio parece estar mais relacionado à aspiração de monóxido de carbono e à conseqüente menor oxigenação do miocárdio. Como um todo, a TRN é muito mais segura que continuar fumando, mesmo em pacientes com doença cardiovascular;14
  2. a nicotina (e portanto a TRN) pode levar a dependência. Esse potencial não se confirma nas formas de chiclete e adesivo. Na experiência pessoal dos autores, que já trataram aproximadamente 800 pacientes com esse tipo de medicação, houve apenas um relato de dependência de chicletes de nicotina.

Restrições à utilização
São basicamente duas:

A segurança na utilização dessas medicações e sua eficácia comprovada levou até mesmo à liberação dos chicletes e adesivos de nicotina para venda sem prescrição médica nos Estados Unidos e na Europa.

Novas intervenções farmacológicas
Bupropiona
Originalmente um antidepressivo atípico, com ações noradrenérgica e dopaminérgica, essa medicação foi recentemente aprovada pelo Food and Drug Administration para tratamento do tabagismo. Seu efeito antitabágico começou a ser aventado uma vez que, durante os ensaios clínicos para verificação de sua eficácia antidepressiva, os pacientes fumantes “queixavam-se” de diminuição do desejo de fumar. Uma vez aprovada para tratamento antidepressivo, foram iniciados estudos científicos com a bupropiona para comprovar se o uso da mesma auxiliaria fumantes a obterem a abstinência.

Sua preparação em forma de liberação lenta tornou-se disponível no mercado americano para tratamento de fumantes em 1998. Esse tratamento seria mais adequado para fumantes que fracassaram ao usar uma TRN ou que não desejam utilizá-la. Essa medicação mostrou-se eficaz como monoterapia na dose total diária de 300 mg.15

O tratamento deve ser iniciado com 150 mg (um comprimido) pela manhã por três a quatro dias. Se bem tolerado, passar para 150 mg duas vezes ao dia. O intervalo entre as doses deve ser de no mínimo oito horas. Devido à freqüência de insônia como efeito colateral, recomenda-se que a segunda dose seja tomada ao final da tarde ou início da noite. Diferentemente das TRN, os fumantes devem iniciar o uso da bupropiona uma semana antes da abstinência, até que atinja níveis plasmáticos constantes.

Os efeitos colaterais mais comuns são insônia, boca seca e cefaléia, sendo cefaléia, rash cutâneo e urticária as razões mais freqüentes para suspensão do tratamento.

Os pacientes devem continuar a utilizar a bupropiona na dose de 300 mg/dia por três a quatro meses. Costuma-se freqüentemente utilizar a sua combinação com as TRN, especialmente em fumantes que recaíram ou que não conseguiram alcançar a abstinência com as medicações de reposição de nicotina. Recentemente foi publicado um estudo, comparando quatro grupos de pacientes: bupropiona isoladamente; bupropiona mais adesivos de nicotina; adesivos isoladamente e placebo. Nesse estudo, a bupropiona mostrou-se mais eficaz, tanto isoladamente quanto em combinação, que o adesivo isolado e que o placebo.16

Um outro benefício potencial da bupropiona é seu efeito no ganho de peso que freqüentemente é associado a deixar de fumar. No estudo de Hurt et al,16 ao término de sete semanas os pacientes tomando placebo ganharam três quilos, em comparação com 1,5 quilos nos pacientes tomando a medicação ativa. Embora a diferença não seja muito grande, pode ser relevante para aqueles pacientes especialmente assustados em ganhar peso (o que é muito comum em mulheres).

O mecanismo fisiológico de ação da bupropiona parece estar ligado a sua ação inibidora da recaptação da dopamina e noradrenalina. Como já foi dito, a nicotina eleva os níveis de dopamina cerebral em áreas associadas ao efeito reforçador de drogas como a anfetamina, cocaína e opiácios. Acredita-se que a ação dopaminérgica do fármaco reduziria a propriedade reforçadora da droga (nicotina no caso) e sua atividade noradrenérgica no locus ceruleos reduziria os sintomas de abstinência.

A possibilidade da ocorrência de convulsões com o uso dessa medicação torna necessário o rastreamento dos seguintes fatores, que colocam os pacientes em especial risco: 9

Nortriptilina
Estudos recentes parecem indicar a eficácia desse antidepressivo noradrenérgico no tratamento do tabagismo. Foram utilizadas doses de 50 a 100 mg da medicação em pacientes querendo deixar de fumar (dependendo da tolerância aos efeitos colaterais). O tratamento deve ser iniciado com um comprimido de 25 mg e a dose deve ser aumentada em 25 mg a cada dois dias. Aguardar quatro semanas até que se atinjam níveis plasmáticos constantes. Só então deve-se parar de fumar. Nesse ensaio, observou-se um aumento das taxas de abstinência, independentemente da presença de história pregressa de depressão maior.
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A seguir apresentamos uma tabela, com vantagens e desvantagens de cada um dos tratamentos farmacológicos acima descritos.

Tabela - Tratamentos farmacológicos para deixar de fumar

 

Vantagens

Desvantagens

Adesivo de nicotina 

Dose única diária

Não há alívio em situações de emergência

Chiclete de nicotina

Alívio em situações de emergência

Técnica de utilização inadequada reduz a eficácia

Spray nasal de nicotina

Nicotina mais rápida, em níveis mais elevados

Efeitos colaterais desprazeirosos

Inalador de nicotina

Simula o ritual comportamental

Baixos níveis de nicotina

Chiclete + adesivo

Aumenta “compliance” + alívio em emergência

Preço

Nortriptilina

Sem nicotina

Não aprovado pelo FDA

Bupropiona

Sem nicotina. Pode ser utilizado com o adesivo

Deve-se fazer screening para convulsões – maior perfil de efeitos colaterais

Selecionando o melhor tipo de tratamento para seu paciente
Fumantes diferentes fumam por razões diferentes, consomem quantidades diferentes de nicotina, experimentam sintomas de abstinência diferentes e são diferentes em outros aspectos como idade, presença de comorbidades clínicas ou psiquiátricas, educação, classe socioeconômica etc. Não seria de se espantar que necessitassem de tratamentos individualizados.

Antes de tudo, para que se possa obter melhores resultados no tratamento de um fumante, os médicos devem saber prescrever e monitorar corretamente as várias opções farmacológicas acima descritas. Depois, alguns questionamentos devem ser feitos antes de escolher um método:

O fumante deve ser corretamente instruído no uso apropriado da opção escolhida e as doses devem ser ajustadas de acordo com a percepção do paciente de alívio dos sintomas da abstinência e com o perfil de efeitos colaterais. O conforto do paciente deve orientar também a duração do uso da medicação.

Deve-se solicitar que o paciente retorne duas semanas após a primeira consulta para reajuste da medicação. Caso isso não seja possível, solicite que o mesmo lhe telefone.

Caso a abstinência não tenha sido atingida ao término dessas duas semanas, deve-se investigar a motivação do paciente e o regime medicamentoso. Pode-se ter que aumentar a dose da TRN ou adicionar outra TRN. Caso não se tenha atingido a abstinência após quatro semanas, deve-se suspender a medicação e reavaliar o tratamento. Nesse caso pode-se encaminhar o paciente para uma clínica especializada.

Pacientes com história atual de depressão maior talvez se beneficiem mais da bupropiona, por ser ela mesma um antidepressivo. Também pacientes com história pregressa de depressão maior podem necessitar de tratamentos mais prolongados com os TRN.

Conclusão
O tabagismo é uma dependência de droga mantida por uma variedade de processos, que vão desde a fisiologia e o condicionamento comportamental até políticas internacionais. Portanto, os clínicos podem da mesma forma encorajar a suspensão do mesmo através de uma ampla gama de atividades, desde o simples aconselhamento ou encaminhamento a clínicas de tratamento formal até o engajamento na defesa da causa antitabágica. Embora isoladamente nenhuma dessas atividades atinja um sucesso estrondoso, juntas elas podem levar a sérias mudanças em um comportamento de risco com poucos paralelos na história da saúde pública.
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Referências

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