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Psiquiatria na prática médica  

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Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM

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Tratamento da dependência da nicotina
O uso de ansiolíticos e antidepressivos em cardiologia
Delirium no paciente idoso

Abordagem diagnóstica na neurocirticercose
Aspectos psicopatológicos relacionados à coréia de Sydenham
Uso de psicoestimulantes no Brasil: um problema ainda sem solução 

 

Cardiologia

A profunda vinculação entre os transtornos afetivos e os sintomas e doenças cardiológicas tem feito do cardiologista o profissional que mais prescreve psicofármacos, depois do psiquiatra. Nem sempre, no entanto, o cardiologista se acha familiarizado com o emprego dessas drogas, tanto do ponto de vista de posologia adequada como dos efeitos colaterais e das interações possíveis com os outros fármacos comumente utilizados em cardiologia.


O uso de ansiolíticos e antidepressivos em cardiologia

Marco AD Silva

   


Marco A.D. Silva

 

Marco A.D. Silva
Chefe do Setor de Miocardiopatia do Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

 

Correspondência
Marco A. D. da Silva
R. Adalívia de Toledo, 182, Real Parque
05383-000 São Paulo, SP

 

A profunda vinculação que há entre os transtornos afetivos e os sintomas e doenças cardiológicas tem feito do cardiologista o profissional que mais prescreve psicofármacos, depois do próprio psiquiatra. As manifestações físicas da ansiedade quase sempre repercutem sobre o coração, e o significado simbólico de que se reveste o órgão explica a hipervalorização de tais manifestações por parte dos pacientes. Recorde-se ainda que o transtorno do pânico – ou talvez mais adequadamente denominado, os quadros de ansiedade paroxística episódica – com grande freqüência conduzem seus portadores a pronto-socorros cardiológicos ou consultórios de cardiologistas.

A depressão, por outro lado, é reconhecida hoje como importante fator de risco para a ocorrência de doença arterial coronária (DAC), mesmo quando controlados os fatores de risco clássicos, como hipertensão arterial, fumo e hipercolesterolemia.1-3 Além disso, costuma ser manifestação freqüente e importante em pessoas que sofreram infarto do miocárdio (IM) ou submeteram-se a revascularização miocárdica. Segundo Carney e cols,4 quadros de depressão maior – situação depressiva de relativa gravidade – afetam 16 a 22% das pessoas que sofreram IM recente. Tal quadro também é comum em quem nunca sofreu infarto ou qualquer outro evento coronariano significativo mas que é portador de DAC comprovada por cinecoronariografia. A prevalência, nesses casos, é estimada em 18% contra cerca de 5% na população geral de características semelhantes.4

A associação entre síndromes depressivas e cardiopatias merece atenção não apenas pelas considerações acima, ligadas ao seu papel como fator de risco para a ocorrência de DAC e sua maior prevalência entre os que dela se sabem portadores. Relevante é também sua influência sobre o prognóstico, visto que duplica o risco de evolução fatal de cardiopatas com idade entre 40 e 60 anos.5 No caso de portadores de DAC, a presença de sintomas depressivos mais intensos é importante preditor de mortalidade entre osque sofreram IM e pode ter influência maior no estado funcional desses pacientes do que o número de artérias comprometidas.3,6

Destarte, compreensível é que a prescrição de psicofármacos, principalmente ansiolíticos e antidepressivos, seja freqüente no receituário do cardiologista. Nem sempre, no entanto, acha-se esse profissional familiarizado com o emprego dessas drogas, tanto do ponto de vista de posologia adequada como dos efeitos colaterais e das interações possíveis com os outros fármacos comumente utilizados em cardiologia. Isso é particularmente verdadeiro no caso dos antidepressivos, com os quais o cardiologista freqüentemente se perde entre o receio de não prescrevê-los e a prescrição inadequada.

Ansiolíticos
As drogas tidas como ansiolíticas são, em sua quase totalidade, pertencentes à classe dos benzodiazepínicos (
Tabela 1).

Recentemente incluíram-se entre elas a buspirona e os betabloqueadores. Todos os benzodiazepínicos, além de ansiolíticos, são também sedativos e hipnóticos. Essas duas últimas propriedades exigem o emprego de doses mais elevadas do que as usualmente utilizadas. Há, portanto, grande margem de segurança no seu uso clínico. Seu grande inconveniente é o risco de dependência.

A buspirona, de introdução mais recente, tem ação específica sobre os sistemas serotonérgicos e dopaminérgicos. Possui a grande vantagem de não ter ação sedativa e não provocar dependência. Sua ação ansiolítica plena surge após cerca de 15 dias de uso e os seus efeitos colaterais incluem tonturas, cefaléia e diarréia. Recomenda-se o uso de doses iniciais baixas (5 a 10 mg/dia) até o máximo de 20 a 30 mg/dia.7

Os betabloqueadores, por seu turno, são eficazes no controle dos sintomas autonômicos da ansiedade, como tremores, sudoreses e palpitações. Tal como a buspirona, têm a vantagem de não provocar dependência.

Tabela 1 - Benzodiazepínicos

Nome

Nome comercial

Apresentação

Diazepam

Ansilive, Calmociteno, Diazepan, Dienpax, Kiatrium, Noan, Somaplus,
Valium

Compr. 5 e 10 mg

Amp. 10 mg 

Clordiazepóxido

Psicosedin

Compr. 10 e 25 mg
Amp. 10 mg

Clorazepato

Tranxilene

Cap. 5, 10 e 15 mg

Flurazepam*

Dalmadorm

Compr. 30 mg

Clonazepam**

Rivotril

Compr. 0,5 e 2 mg

Lorazepam

Lorax, Lorium, Max-Pax, Mesmerin

Compr. 1 e 2 mg

Alprazolam

Frontal

Compr. 0,25, 0,5 e 1 mg

Midazolam*

Dormonid

Compr. 15 mg
Amp. 5,15 e 50 mg

Bromazepam

Bromazepan, Brozepax, Deptran, Lexotan, Nervium, Neurilan, Novazepan,
Somalium

Compr. 3 e 6 mg

*Hipnóticos
** mais usado como anti-convulsivante e, mais recentemente, como estabilizador do humor
Cap = cápsula
Compr = comprimido
Amp = ampola

Uso de benzodiazepínicos
Embora encerre grande margem de segurança, o emprego de benzodiazepínicos tem o grande inconveniente da dependência e, também, da tolerância. A possibilidade de desenvolver-se dependência depende da interação entre cinco fatores: dose, duração do tratamento, regularidade do uso, droga utilizada e o perfil psicológico do paciente. Desses, os três primeiros parecem ter maior importância. Em geral, o uso regular de doses altas por tempo longo tende a gerar dependência. É muito comum em nosso meio que se prescrevam ansiolíticos sem maiores critérios de seleção e avaliação e sigam-se renovando as receitas por mero comodismo ou desconhecimento. Tal prática favorece a criação de uma grande população de toxicômanos – legais, mas ainda assim toxicômanos – que seguirão carregando ao longo da vida a necessidade de doses cada vez maiores da droga para obter o efeito desejado.

As seguintes normas devem, em princípio, ser observadas ao se prescrever benzodiazepínicos, no sentido de evitar-se a dependência:8

Seleção dos pacientes
Aqueles cujo quadro de ansiedade é de início recente ou que estão ansiosos devido a uma situação específica, devem, a princípio, ser tratados sem emprego de drogas, por meio de técnicas que os encorajem e permitam a discussão dos seus problemas. Além disso, deve-se atentar para o fato de que pacientes com histórico de dependência ao álcool ou outras drogas apresentam tendência maior para desenvolver dependência com benzodiazepínicos.

Monitorização e seguimento
Tomada a decisão de prescrever o ansiolítico – a qual deve ser criteriosa – a prescrição inicia-se pela menor dose eficaz, com duração limitada a 2-3 semanas. Ao término desse prazo, deve ser o paciente reavaliado e, se julgado necessário, a prescrição deve ser renovada por mais 2-4 semanas, com ou sem incremento na dose. Ao término do prazo, deve a droga ser gradualmente reduzida até ser suspensa por completo. O uso contínuo de benzodiazepínicos por prazo superior a 4 a 6 meses tende a causar dependência. Em casos de ansiedade crônica, nos quais se faça necessário tratamento de longo prazo, deve-se optar pelo uso intermitente de doses irregulares. Isso é, não se mantém sempre a mesma dose.

Associação de betabloqueadores e ansiolíticos
Nos casos nos quais as manifestações autonômicas (físicas) da ansiedade predominam, o que é freqüente nos portadores de prolapso da valva mitral, por exemplo, o uso isolado de betabloqueadores costuma ser eficaz. Quando não o for, ou mesmo quando, ao lado dos sintomas autonômicos, houver as manifestações outras do quadro de ansiedade, podem os betabloqueadores associarem-se a ansiolíticos. A preferência, nesse caso, deve ser pela buspirona, que não provoca dependência. Não sendo eficaz, cabe a associação com benzodiazepínicos, respeitadas as normas acima elencadas.

Antidepressivos
Na Tabela 2 relacionam-se, divididos por classes, os primeiros antidepressivos disponíveis para uso no Brasil.

Tabela 2 - Antidepressivos

Classe/droga

Nome comercial

Apresentação

Tricíclicos

Amitriptilina

Amitriptilina, Tryptanol, Amytril 

Compr. 25 e 75 mg

Imipramina

Tofranil

Compr. 10 e 25 mg

Clomipramina

Anafranil

Anafranil SR

Comp. 10 e 25 mg
Amp. 25 mg
Compr. 75 mg 

Nortriptilina

Pamelor

Cap. 10, 25, 50 e 75 mg

Tetracíclicos

Maprotilina

Ludiomil

Compr. 25 e 75 mg
Amp. 25 mg

Inibidores da MAO

Moclobenida

Aurorix

Compr. 100, 150 e 300 mg

Carbonato de Lítio

Neurolithium
Carbolitium,
Carbolitium CR
Litiocar


Compr. 300 mg
Compr. 450 mg
Compr. 300 mg

Inibidores da recaptação da serotonina

Fluoxetina

Daforin, Deprax,
Eufor, Fluxene,
Nortec, Prozac,
Psiquial, Verotina 



Cap. 20 mg
Líquido: 20 mg/5 ml

Paroxetina

Aropax, Pondera

Compr. 200 mg

Sertralina

Novativ, Sercerin,
Tolrest, Zoloft


Compr. 50 e 100 mg

Fluvoxamina

Luvox

Compr. 100 mg

Outros

Amineptina

Survector

Compr. 100 mg

Mirtazapina

Remeron

Compr. 30 e 45 mg

Nefazodona

Serzone

Compr. 100 e 150 mg

Tianeptina

Stablon

Compr. 12,5 mg

Trazodona

Donaren

Compr. 50 mg

Compr.: Comprimido
Cap.: Cápsula
Amp.: Ampola

Os antidepressivos tricíclicos (ATC) são sabidamente cardiotóxicos, razão pela qual, embora não formalmente contra-indicados, não são a classe de primeira escolha para emprego em cardiopatas. Um dos seus principais inconvenientes é a ocorrência de hipotensão postural.3,7 Tal inconveniente é particularmente preocupante em coronarianos e em idosos, mormente se cardiopatas. Além disso, encerram propriedades semelhantes aos anti-arrítmicos do grupo IA. Por essa razão o seu emprego em portadores de bloqueios de ramo e distúrbios na condução deve ser evitado.4 Da mesma forma, é possível que exerçam também ação depressiva sobre o miocárdio, o que os contra-indica em pacientes com insuficiência cardíaca.9 As mesmas observações valem, em linhas gerais, para os tetracíclicos.

Os inibidores da monoamino oxidase (IMAO) estiveram por algum tempo em desuso, porém vêm sendo reabilitados. Nos últimos anos, tem sido preconizado seu emprego nos transtornos da ansiedade, inclusive o transtorno do pânico e também como alternativa aos ATC, quando a depressão persiste após o uso de dois deles.7 Tal como os ATC, apresentam risco grande de hipotensão postural (40 a 60%), particularmente em idosos. Há ainda a possibilidade da eclosão de crises hipertensivas, em face da interação com alimentos contendo tiramina e agentes simpaticomiméticos em geral. Todas são razões que não os fazem a opção preferencial do cardiologista.

O carbonato de lítio tem sua indicação mais precisa no transtorno bipolar. Pode ser causa de miocardiopatia por ação tóxica do íon. Em vista disso, seu emprego em portadores de disfunção ventricular de qualquer etiologia deve, em princípio, ser evitado. Caso se opte pelo seu uso, mesmo em não cardiopatas, deve-se avaliar periodicamente a função ventricular e se monitorar a litemia, a qual deve ser mantida entre 0,6 e 1,2 mEq/L7.
Os inibidores da recaptação da serotonina são drogas mais recentes e, por apresentarem menos efeitos adversos sobre o aparelho cardiovascular e maior comodidade posológica, são de mais fácil manejo pelo cardiologista. A possibilidade de reações adversas ligadas ao coração são de 0,0003%, porém há possibilidade de interações medicamentosas com dicumarínicos (aumenta o efeito anticoagulante) e com o propranolol (aumenta a concentração plasmática).
3,10

Há ainda uma classe de antidepressivos cujo mecanismo de ação não permite enquadrá-los em nenhuma das classes discutidas.3 Incluem-se entre eles: bupropiona, venlafaxina, mirtazapina, nefazodona, trazodona, amineptina e tianeptina. Todos são de uso recente em nosso meio, porém não há descrição de efeitos colaterais adversos para o sistema cardiovascular.

Cabe por fim o lembrete, válido de modo geral para todos os antidepressivos, que os seus efeitos benéficos geralmente somente se fazem notar a partir da quarta ou oitava semana de uso, ao contrário dos efeitos adversos, que são precoces. Isto leva a grande percentual de abandono do tratamento, razão pela qual o paciente já deve ser orientado a respeito quando da prescrição.

Referências

  1. Ford DE, Mead LA, Chang PP, et al. Depression predictis cardiovascular disease in men: the precursors study. Circulation 1994;90(Suppl I):614.
  2. Hippisley-Cox J, Fielding K, Pringle M. Depression as risk factors for ischaemic heart disease in men: population based case-control study. Br Med J 1998;316:1714-9.
  3. Menica ALL, Leães CGS, Frey BN, Jumena MF. O papel da depressão na doença coronária. Arq Bras Cardiol 1999;73:237-43.
  4. Carney RM, Freedland KE, Sheline YI, Weiss ES. Depression and Coronary Heart Disease: A Review for Cardiologists. Clin Cardiol 1997;20:196-200.
  5. Aromaa A, Raitasalo R, Ruinanen A, et al. Depression and cardiovascular disease. Acta Psychiatr Scand 1999;377:77-82.
  6. Dwight MM, Stondemine A. Effects of depressive disorders on coronary artery disease: A review. Har Rev Psychiatry 1997;5:115-22.
  7. Ramos RT, Cordás TA. Tratamentos biológicos em psiquiatria. In: Louzã Neto MR, Motta J, Wang YP, Elkis H, organizadores. Psiquiatria Básica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995.
  8. Wosser WW, editor. Benzodiazepínicos e Ansiedade: perguntas e respostas. Wyeth-Ayerst International Inc., 1998.
  9. Glassman AH. The newer antidepresant drugs and their cardiovascular effects. Psychopharm Bull 1984;20:272-9.
  10. Edwards JG, Anderson I. Revisão sistemática dos inibidores seletivos da recaptação da serotonina e guia de seleção. Drugs 1999;57(4):507-33.

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