Órgão Oficial do |
Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM |
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O uso de ansiolíticos e antidepressivos em cardiologia
Marco AD Silva
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Marco A.D. Silva |
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Correspondência |
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A profunda vinculação que há entre os transtornos afetivos e os sintomas e doenças cardiológicas tem feito do cardiologista o profissional que mais prescreve psicofármacos, depois do próprio psiquiatra. As manifestações físicas da ansiedade quase sempre repercutem sobre o coração, e o significado simbólico de que se reveste o órgão explica a hipervalorização de tais manifestações por parte dos pacientes. Recorde-se ainda que o transtorno do pânico – ou talvez mais adequadamente denominado, os quadros de ansiedade paroxística episódica – com grande freqüência conduzem seus portadores a pronto-socorros cardiológicos ou consultórios de cardiologistas.
A depressão, por outro lado, é reconhecida hoje como importante fator de risco para a ocorrência de doença arterial coronária (DAC), mesmo quando controlados os fatores de risco clássicos, como hipertensão arterial, fumo e hipercolesterolemia.1-3 Além disso, costuma ser manifestação freqüente e importante em pessoas que sofreram infarto do miocárdio (IM) ou submeteram-se a revascularização miocárdica. Segundo Carney e cols,4 quadros de depressão maior – situação depressiva de relativa gravidade – afetam 16 a 22% das pessoas que sofreram IM recente. Tal quadro também é comum em quem nunca sofreu infarto ou qualquer outro evento coronariano significativo mas que é portador de DAC comprovada por cinecoronariografia. A prevalência, nesses casos, é estimada em 18% contra cerca de 5% na população geral de características semelhantes.4
A associação entre síndromes depressivas e cardiopatias merece atenção não apenas pelas considerações acima, ligadas ao seu papel como fator de risco para a ocorrência de DAC e sua maior prevalência entre os que dela se sabem portadores. Relevante é também sua influência sobre o prognóstico, visto que duplica o risco de evolução fatal de cardiopatas com idade entre 40 e 60 anos.5 No caso de portadores de DAC, a presença de sintomas depressivos mais intensos é importante preditor de mortalidade entre osque sofreram IM e pode ter influência maior no estado funcional desses pacientes do que o número de artérias comprometidas.3,6
Destarte, compreensível é que a prescrição de psicofármacos, principalmente ansiolíticos e antidepressivos, seja freqüente no receituário do cardiologista. Nem sempre, no entanto, acha-se esse profissional familiarizado com o emprego dessas drogas, tanto do ponto de vista de posologia adequada como dos efeitos colaterais e das interações possíveis com os outros fármacos comumente utilizados em cardiologia. Isso é particularmente verdadeiro no caso dos antidepressivos, com os quais o cardiologista freqüentemente se perde entre o receio de não prescrevê-los e a prescrição inadequada.
Ansiolíticos
As drogas tidas como ansiolíticas são, em sua quase totalidade,
pertencentes à classe dos benzodiazepínicos (Tabela 1).
Recentemente incluíram-se entre elas a buspirona e os betabloqueadores. Todos os benzodiazepínicos, além de ansiolíticos, são também sedativos e hipnóticos. Essas duas últimas propriedades exigem o emprego de doses mais elevadas do que as usualmente utilizadas. Há, portanto, grande margem de segurança no seu uso clínico. Seu grande inconveniente é o risco de dependência.
A buspirona, de introdução mais recente, tem ação específica sobre os sistemas serotonérgicos e dopaminérgicos. Possui a grande vantagem de não ter ação sedativa e não provocar dependência. Sua ação ansiolítica plena surge após cerca de 15 dias de uso e os seus efeitos colaterais incluem tonturas, cefaléia e diarréia. Recomenda-se o uso de doses iniciais baixas (5 a 10 mg/dia) até o máximo de 20 a 30 mg/dia.7
Os betabloqueadores, por seu turno, são eficazes no controle dos sintomas autonômicos da ansiedade, como tremores, sudoreses e palpitações. Tal como a buspirona, têm a vantagem de não provocar dependência.
Tabela 1 - Benzodiazepínicos
Nome |
Nome comercial |
Apresentação |
Diazepam |
Ansilive, Calmociteno, Diazepan, Dienpax, Kiatrium, Noan,
Somaplus, |
Compr. 5 e 10 mg |
Clordiazepóxido |
Psicosedin |
Compr.
10 e 25 mg |
Clorazepato |
Tranxilene |
Cap. 5, 10 e 15 mg |
Flurazepam* |
Dalmadorm |
Compr. 30 mg |
Clonazepam** |
Rivotril |
Compr. 0,5 e 2 mg |
Lorazepam |
Lorax, Lorium, Max-Pax, Mesmerin |
Compr. 1 e 2 mg |
Alprazolam |
Frontal |
Compr. 0,25, 0,5 e 1 mg |
Midazolam* |
Dormonid |
Compr.
15 mg |
Bromazepam |
Bromazepan, Brozepax, Deptran, Lexotan, Nervium, Neurilan,
Novazepan, |
Compr. 3 e 6 mg |
*Hipnóticos
** mais usado como anti-convulsivante e, mais recentemente, como estabilizador
do humor
Cap = cápsula
Compr = comprimido
Amp = ampola
Uso de benzodiazepínicos
Embora encerre grande margem de segurança, o emprego de benzodiazepínicos
tem o grande inconveniente da dependência e, também, da tolerância.
A possibilidade de desenvolver-se dependência depende da interação
entre cinco fatores: dose, duração do tratamento, regularidade
do uso, droga utilizada e o perfil psicológico do paciente. Desses, os
três primeiros parecem ter maior importância. Em geral, o uso regular
de doses altas por tempo longo tende a gerar dependência. É muito
comum em nosso meio que se prescrevam ansiolíticos sem maiores critérios
de seleção e avaliação e sigam-se renovando as receitas
por mero comodismo ou desconhecimento. Tal prática favorece a criação
de uma grande população de toxicômanos – legais, mas ainda
assim toxicômanos – que seguirão carregando ao longo da vida a
necessidade de doses cada vez maiores da droga para obter o efeito desejado.
As seguintes normas devem, em princípio, ser observadas ao se prescrever benzodiazepínicos, no sentido de evitar-se a dependência:8
Seleção
dos pacientes
Aqueles cujo quadro de ansiedade é de início recente ou que estão
ansiosos devido a uma situação específica, devem, a princípio,
ser tratados sem emprego de drogas, por meio de técnicas que os encorajem
e permitam a discussão dos seus problemas. Além disso, deve-se
atentar para o fato de que pacientes com histórico de dependência
ao álcool ou outras drogas apresentam tendência maior para desenvolver
dependência com benzodiazepínicos.
Monitorização
e seguimento
Tomada a decisão de prescrever o ansiolítico – a qual deve ser
criteriosa – a prescrição inicia-se pela menor dose eficaz, com
duração limitada a 2-3 semanas. Ao término desse prazo,
deve ser o paciente reavaliado e, se julgado necessário, a prescrição
deve ser renovada por mais 2-4 semanas, com ou sem incremento na dose. Ao término
do prazo, deve a droga ser gradualmente reduzida até ser suspensa por
completo. O uso contínuo de benzodiazepínicos por prazo superior
a 4 a 6 meses tende a causar dependência. Em casos de ansiedade crônica,
nos quais se faça necessário tratamento de longo prazo, deve-se
optar pelo uso intermitente de doses irregulares. Isso é, não
se mantém sempre a mesma dose.
Associação
de betabloqueadores e ansiolíticos
Nos casos nos quais as manifestações autonômicas (físicas)
da ansiedade predominam, o que é freqüente nos portadores de prolapso
da valva mitral, por exemplo, o uso isolado de betabloqueadores costuma ser
eficaz. Quando não o for, ou mesmo quando, ao lado dos sintomas autonômicos,
houver as manifestações outras do quadro de ansiedade, podem os
betabloqueadores associarem-se a ansiolíticos. A preferência, nesse
caso, deve ser pela buspirona, que não provoca dependência. Não
sendo eficaz, cabe a associação com benzodiazepínicos,
respeitadas as normas acima elencadas.
Antidepressivos
Na Tabela 2 relacionam-se, divididos por classes, os primeiros antidepressivos
disponíveis para uso no Brasil.
Tabela 2 - Antidepressivos
Classe/droga |
Nome comercial |
Apresentação |
Tricíclicos |
||
Amitriptilina |
Amitriptilina, Tryptanol, Amytril |
Compr. 25 e 75 mg |
Imipramina |
Tofranil |
Compr. 10 e 25 mg |
Clomipramina |
Anafranil |
Comp. 10 e 25 mg |
Nortriptilina |
Pamelor |
Cap. 10, 25, 50 e 75 mg |
Tetracíclicos |
||
Maprotilina |
Ludiomil |
Compr. 25 e 75 mg |
Inibidores da MAO |
||
Moclobenida |
Aurorix |
Compr. 100, 150 e 300 mg |
Carbonato de Lítio |
Neurolithium |
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Inibidores da recaptação da serotonina |
||
Fluoxetina |
Daforin, Deprax, |
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Paroxetina |
Aropax, Pondera |
Compr. 200 mg |
Sertralina |
Novativ, Sercerin, |
|
Fluvoxamina |
Luvox |
Compr. 100 mg |
Outros |
||
Amineptina |
Survector |
Compr. 100 mg |
Mirtazapina |
Remeron |
Compr. 30 e 45 mg |
Nefazodona |
Serzone |
Compr. 100 e 150 mg |
Tianeptina |
Stablon |
Compr. 12,5 mg |
Trazodona |
Donaren |
Compr. 50 mg |
Compr.: Comprimido
Cap.: Cápsula
Amp.: Ampola
Os antidepressivos tricíclicos (ATC) são sabidamente cardiotóxicos, razão pela qual, embora não formalmente contra-indicados, não são a classe de primeira escolha para emprego em cardiopatas. Um dos seus principais inconvenientes é a ocorrência de hipotensão postural.3,7 Tal inconveniente é particularmente preocupante em coronarianos e em idosos, mormente se cardiopatas. Além disso, encerram propriedades semelhantes aos anti-arrítmicos do grupo IA. Por essa razão o seu emprego em portadores de bloqueios de ramo e distúrbios na condução deve ser evitado.4 Da mesma forma, é possível que exerçam também ação depressiva sobre o miocárdio, o que os contra-indica em pacientes com insuficiência cardíaca.9 As mesmas observações valem, em linhas gerais, para os tetracíclicos.
Os inibidores da monoamino oxidase (IMAO) estiveram por algum tempo em desuso, porém vêm sendo reabilitados. Nos últimos anos, tem sido preconizado seu emprego nos transtornos da ansiedade, inclusive o transtorno do pânico e também como alternativa aos ATC, quando a depressão persiste após o uso de dois deles.7 Tal como os ATC, apresentam risco grande de hipotensão postural (40 a 60%), particularmente em idosos. Há ainda a possibilidade da eclosão de crises hipertensivas, em face da interação com alimentos contendo tiramina e agentes simpaticomiméticos em geral. Todas são razões que não os fazem a opção preferencial do cardiologista.
O carbonato de lítio tem
sua indicação mais precisa no transtorno bipolar. Pode ser causa
de miocardiopatia por ação tóxica do íon. Em vista
disso, seu emprego em portadores de disfunção ventricular de qualquer
etiologia deve, em princípio, ser evitado. Caso se opte pelo seu uso,
mesmo em não cardiopatas, deve-se avaliar periodicamente a função
ventricular e se monitorar a litemia, a qual deve ser mantida entre 0,6 e 1,2
mEq/L7.
Os inibidores da recaptação da serotonina são drogas mais
recentes e, por apresentarem menos efeitos adversos sobre o aparelho cardiovascular
e maior comodidade posológica, são de mais fácil manejo
pelo cardiologista. A possibilidade de reações adversas ligadas
ao coração são de 0,0003%, porém há possibilidade
de interações medicamentosas com dicumarínicos (aumenta
o efeito anticoagulante) e com o propranolol (aumenta a concentração
plasmática).3,10
Há ainda uma classe de antidepressivos cujo mecanismo de ação não permite enquadrá-los em nenhuma das classes discutidas.3 Incluem-se entre eles: bupropiona, venlafaxina, mirtazapina, nefazodona, trazodona, amineptina e tianeptina. Todos são de uso recente em nosso meio, porém não há descrição de efeitos colaterais adversos para o sistema cardiovascular.
Cabe por fim o lembrete, válido de modo geral para todos os antidepressivos, que os seus efeitos benéficos geralmente somente se fazem notar a partir da quarta ou oitava semana de uso, ao contrário dos efeitos adversos, que são precoces. Isto leva a grande percentual de abandono do tratamento, razão pela qual o paciente já deve ser orientado a respeito quando da prescrição.
Referências
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