EXAMES
E PROVAS COMO FONTES PARA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO A nova
história da educação, a cultura escolar e o problema das
fontes. CONTINUAÇÃO
(Parte 1): A
seguir, devemos verificar que os estudos relativos à história da
educação vêm enfatizando os processos de circulação
e apropriação culturais como elementos que constituem seu próprio
campo de pesquisa, tendo a escola como um dos lugares privilegiados de investigação.
Isso se contrapõe à história das idéias pedagógicas,
tema dominante nos estudos educacionais. Assim, por exemplo, no âmbito da
escrita da “história das práticas nas suas diferenças”,
a marca do tempo histórico, antes dada pelo pensamento pedagógico
de determinado autor, cede espaço para estudos sobre o uso que os atores
do processo educativo fizeram desse pensamento. Desse modo, adentra-se à
escola para se procurar as marcas deixadas pelos usos e apropriações
que ela fez de uma dada filosofia educacional, de uma legislação,
de um movimento político-social, de uma tendência didático-
pedagógica. O exemplo mencionado anteriormente nos leva a indagar
sobre as fontes a utilizar nas pesquisas culturais em história da educação.
Nunca é demais salientar, como destacam Carvalho e Nunes, que os historiadores
da educação dependem, em suas investigações, não
apenas de seus problemas de pesquisa, formulados dentro de certos referenciais
teóricos, mas também dos materiais históricos que devem utilizar.
Para a boa pesquisa histórica, frisam, é imprescindível,
que ocorra o embate com a empiria das fontes impressas e arquivísticas
que, em geral, apresentam-se lacunares, parcelares e residuais. Neste ponto,evidencia-se
a importância dos arquivo pois eles representamo lugar onde se pode encontrar
informaçõespreciosas, além de serem depositários de
dadosmuitas vezes inéditos, absolutamente necessários aocotejo e
crítica de informações do conhecimento jáexistente,
produzido a partir de outras fontes. As autorasconcluem que “sem a pesquisa
arquivística, essahistoriografia, no limite, inexiste. Sucumbe ao riscode
girar ao redor de idéias mal esclarecidas e deestereótipos cristalizados,
que se reproduzem em artigose livros” (1993:26). Em texto recente,
Dominique Julia, parecetratar ainda mais especificamente da problemática
dos estudos de história da educação e a questão dasfontes,
no âmbito da história cultural. Julia promove extensa reflexão
sobre o significado da “cultura escolar”como objeto histórico.
Desde logo, o autor buscacaracterizar a cultura escolar como “um conjunto
denormas que definem conhecimentos a ensinar e condutasa inculcar, e um conjunto
de práticas que permitema transmissão desses conhecimentos e a incorporaçãodesses
comportamentos” (2001:9). Interrogando-se sobre as fontes para a pesquisa
histórica dacultura escolar, o autor salienta que “a história
daspráticas culturais é, com efeito, a mais difícil de se
reconstruir porque ela não deixa traço”. “O que é
evidente em um dado momento tem necessidade de ser dito ou escrito?” indaga
o autor. Mesmo considerandoque a escola seja, tradicionalmente vista, comoo lugar
por excelência da escrita, Julia parece concordar com Chervel, quando afirma
que, com a necessidadede ganhar espaço, os estabelecimentos de ensino
jogam no lixo 99% das produções escolares. Assim, a busca
de fontes para estudo da cultura escolarapresenta-se como uma tarefa bastante
difícil, representandoum grande entrave, poder-se-ia dizer,para a prática
dessa nova história da educação, imersa nos estudos culturais.
Ainda assim, sempre háa possibilidade de trabalho com o pouquíssimo
materialr emanescente do costumeiro expurgo das produções escolares. Os
arquivos escolares como fontes para a história da educação
Um dos lugares onde é possível encontrar documentos para fins
de estudo histórico da cultura escolar está localizado na própria
escola: é o seu arquivo. No entanto, como ressalta Ribeiro (1993:48):
“ainda se desconhece que os arquivos das escolas, como os demais arquivos,
são ‘celeiros da história’ e depósitos da memória
coletiva, podendo, por isso, tornar-se um lugar especial para a pesquisa histórica
(...)”. Assim, os arquivos escolares podem constituirse num local apropriado
para a busca de documentos que venham a tornar-se fontes para a história
da educação, para história da cultura escolar mais especificamente. O
mesmo autor acena com dados positivos relativamente ao crescente interesse que
as escolas vêm demonstrando pela preservação de sua memória,depois
de realizar um estudo diagnóstico em escolas do Rio de Janeiro. O que poderemos
encontrar nos arquivos escolares? Que tipo de papéis, documentos? O cotidiano
escolar cerca-se de uma enorme quantidade de papéis. Nas mãos dos
professores estão os diários de classe, as provas dos alunos, os
planejamentos de ensino, as apostilas para uso aula, os livros didáticos
que irão referenciar o trabalho pedagógico, os trabalhos dos alunos,
os cadernos e anotações de cada mestre, dentre vários outros
materiais didáticopedagógicos. Com os alunos estão
suas apostilas, seus livros didáticos, seus cadernos, seus trabalhos escolares,
suas provas corrigidas, seus resumos de aulas, seus rascunhos etc. Na secretaria
escolar encontram- se os vários livros de que a burocracia oficial necessita
para a organização do estabelecimento. Mais recentemente, a informatização
vem transformando as formas de registro da vida escolar, substituindo muitos dos
livros manuscritos existentes outrora, por arquivos de dados gerenciados por programas
específicos. De todo modo, uma das fontes de memória do cotidiano
escolar está representada pelos livrosde ponto dos professores, livro de
ocorrências, livro de atas de reuniões pedagógicas, livro
de termo de visita de inspetores, livros contábeis etc. A secretaria é
também o depositário dos prontuários dos alunos. Para cada
aluno, uma pasta. Neste caso, nem mesmo a informatização substituiu
a guarda física de documentos legais de cada aluno. Nessas pastas está
a documentação pessoal do aluno: histórico escolar, certidão
de nascimento, guia de transferência, pedido de matrícula, de re-matrícula,
entre outros. Com o passar do tempo, a maioria dos papéis que integram
o funcionamento do dia-a-dia escolar desaparece. De um ano letivo para outro elimina-se
grande parte da papelada do ano anterior para a construção de um
novo conjunto de papéis. Os professores jogam fora as provas e trabalhos
de alunos que tenham ficado em seu poder; os diários de classe do ano que
passou irão repousar por um tempo na secretaria da escola. Os livros
didáticos e apostilas, materiais para aulas, exercícios tendem a
permanecer com cada professor para referenciar trabalho pedagógico de um
novo ano letivo que começa. Porém, quando o professor muda de escola,
quando passa a dar aulas em outras séries, quando troca de nível
de ensino ou quando a aposentadoria chega, quase nada permanece dos tempos de
trabalho já realizado. Quanto aos alunos, raros são os cadernos,
trabalhos e provas, e mesmo livros didáticos, que sobrevivem ao ano seguinte.
Para o aluno, o novo ano letivo irá revestir-se de papéis, cadernos,
livros completamente novos. O que resta, então, da memória das escolas,
das práticas pedagógicas, de cotidianos escolares vividos noutros
tempos? Dentre a enorme quantidade de documentos que o cotidiano escolar produz,
a legislação vem priorizando aqueles considerados probatórios.
Cópias de certidões de nascimento, documentos que comprovam matrícula
ou transferência, fichas de notas e freqüência etc. dos alunos,
têm sido os papéis que devem ser preservados. Outros documentos
como diários de classe, os boletins de trabalhos, os atestados, as provas
mensais podem ser incinerados depois de certo tempo (Ribeiro, 1993:58). Desse
modo, para as escolas, de uma forma gral, os papéis diretamente ligados
à prática pedagógica, como provas, diários, trabalhos
de alunos, vêm tendo pouquíssima chance de permanecerem nos arquivos
escolares. É inegável que se o historiador da educação
tivesse acesso não somente aos documentos probatórios, mas também
àqueles papéis produzidos no interior das salas-de-aula, por professores
e alunos, haveria uma possibilidade mais ampla de pesquisa sobre as práticas
pedagógicas de outros tempos; sobre como vem sendo traçado o percurso
histórico da cultura escolar. Diários de classe, provas, trabalhos
de alunos, livros didáticos adotados para o ensino, têm um inequívoco
valor como documentos para a história da educação em tempos
de interesse por estudos culturais. Segue...
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