EXAMES E PROVAS COMO FONTES PARA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO
A nova história da educação, a cultura escolar e o problema das fontes.


CONTINUAÇÃO (Parte 2):

Exames e provas dos alunos: documentos para a história da cultura escolar


Em meio aos documentos que compõem os arquivos das escolas, em geral, somente aqueles mais recentes apresentam-se organizados. Papéis antigos, documentação de várias décadas já passadas, nem mesmo lugar para guarda, muitas vezes têm. Como afirma Ribeiro (1993:54), apenas os prontuários dos alunos, por constituírem documentação probatória, representam exceção. As escolas têm necessidade e obrigação de manter o conjunto das pastas de documentos de cada aluno atual e de outros tempos, organizado, em ordem alfabética e pronto para ser consultado.

No interior desses dossiês de cada aluno é possível encontrar exames e provas, sempre que esses papéis pedagógicos tenham ganho status de documentos probatórios. Os exames de admissão constituem exemplo disso. Há também provas parciais e exames em dossiês de alunos que, por exemplo, foram transferidos de estabelecimento de ensino; em muito menor quantidade há, ainda, documentos que envolvem alguma querela sobre notas e avaliações,o que obrigou a guarda de exames e provas com o fim de constituição de processo administrativo. Assim, aqui e ali, contando com acasos e circunstâncias que resultaram na preservação de exames e provas, é possível compor conjuntos desses documentos para fins de estudo da cultura escolar.

O que podem informar os exames e provas? Como tomá-las como fontes de estudo para história da cultura escolar? Os exames e provas escolares são documentos valiosos para estudo da apropriação realizada pelo cotidiano escolar das reformas educacionais, por exemplo. Essa documentação cria a possibilidade, dentre tantas outras coisas, de análise dos conteúdos selecionados pelos professores como mais significativos de seu trabalho pedagógico com os alunos; os exames e provas podem revelar também a concepção de avaliação dominante num determinado contexto histórico; podem ainda, através da análise dos enunciados dos exercícios e questões, possibilitar a leitura que o cotidiano escolar realiza de uma determinada época histórica; da parte dos alunos, as provas são instrumentos importantes para análise de processos de resolução de exercícios e questões de um determinado conteúdo escolar, além de permitir, através de inventário das notas obtidas pelos alunos, o estudo do desempenho dos alunos de diferentes épocas escolares, numa dada disciplina. Em realidade, os exames e provas concentram sobre a forma de exercícios e questões todos os objetivos explícitos do processo de ensino/aprendizagem de uma determinada disciplina. Ou, dizendo como Chervel (1990), as provas poderão permitir uma leitura das finalidades reais do processo pedagógico, a partir das finalidades de objetivo.

Há uma distinção possível de ser feita entre exames e provas. Enquanto que as provas são instrumentos produzidos pelos professores, no contato direto com os alunos, reunindo elementos oriundos da prática pedagógica do professor; os exames são instrumentos com um grau de abstração maior dos alunos.

Assim, exames de admissão, exames vestibulares são produzidos para serem feitos para um público que ainda irá se tornar aluno caso seja bem sucedido no exame realizado. Como qualquer documentação que busca tornar-se fonte histórica, não será suficiente encontrar exames e provas de alunos realizados noutros tempos escolares para inferir diretamente práticas pedagógicas. Há a necessidade de contextualizar, enredar esses documentos em todo um conjunto de outros materiais que possibilitem construir significados.

Dentre esse conjunto de materiais e documentos, está presente a legislação escolar advinda, por exemplo, de reformas educacionais. Fica, então, através do cruzamento dessa documentação com os exames e provas, dada a possibilidade de melhor estudar historicamente, ingredientes fundamentais da cultura escolar.

O exame de admissão ao secundário Década de 1920. O secundário chama para si todo o centro dos debates sobre educação a que a década irá assistir. Esses debates prosseguirão também nas próximas três décadas. O secundário é o lugar para se discutir o modo de formação daselites, dos privilegiados que irão para o ensino superior.

São fundadas associações que deslocam o fórum dos debates do Congresso para os especialistas em educação, com destaque para a Associação Brasileira de Educação, criada em 1924; inquéritos, enquetes sobre a educação buscarão fórmulas para o melhor ensino; será desencadeada a discussão do que melhor constituirá a cultura geral escolar: ensino clássico-literário ou científico. Reformas educacionais ocorrerão com vistas à modernização, à introdução no país do escolanovismo.

A década de 1920 irá viver o clima do ‘entusiasmo pela educação’, cujo significado é a crença de que, pela multiplicação das instituições escolares, da disseminação da educação escolar, será possível incorporar grandes camadas da população no rumo do progresso nacional; e do ‘otimismo pedagógico’, representado pela crença de que o escolanovismo daria conta da verdadeira formação do novo homem brasileiro (Nagle, 1974: 99-100). Trata-se de tomar a educação como acelerador do processo de modernização, na passagem da civilização agrário-comercial para o modo urbano-industrial de viver. Modernizar será, então, romper com as estruturas oligárquicas agrárias, que mantêm o país no analfabetismo, na ignorância, e que não construíram um verdadeiro sistema escolar.

Anos 1930: Em tempos de Getúlio Vargas, reformas do ensino virão, desde logo, representar a construção do espírito nacional. Busca-se, em meio ao debate iniciado desde os anos 20, definir o ensino secundário em termos de suas ramificações de caráter clássico ou científico. Aos candidatos ao ensino secundário, uma exigência: o exame de admissão. Não que ele não tenha existido anteriormente em muitas escolas. Apenas não tinha caráter nacional. A Reforma “Francisco Campos”, através do Decreto no. 19.890 de 18 de abril de 1931, estabelecia, através seu Art. 18, que “o candidato à matrícula na 1ª série de estabelecimento de ensino secundário prestará exame de demissão na segunda quinzena de fevereiro”. Dentre outras disposições o exame de admissão seria composto de “provas escritas, uma de português (redação e ditado) e outra de aritmética (cálculo elementar), e de provas orais sobre elementos dessas disciplinas e mais sobre rudimentos de geografia, história do Brasil e ciências naturais” (Art. 22) (Bicudo,1942:12).

Através da Circular no. 13 de 3 de dezembro de 1940, da Divisão de Ensino Secundário, ficam melhor especificadas quais eram as orientações a serem seguidas relativamente aos exames: “Aos exames escritos, de caráter eliminatório, deve ser dada a maior importância, pois são de fato os que permitem aferição mais exata das condições reais do candidato ao curso secundário”. Sobre a prova escrita de Português, o texto legislativo indicava:

É necessário que o trecho escolhido para o dita- do tenha em vista este indispensável critério seletivo, e a redação não uma simples reprodução decorada. Será, pois, aconselhável que o inspetor escolha no momento a gravura a ser descrita, não convindo já seja ela conhecida do aluno. É importante apreciar o desembaraço caligráfico, devendo ser diminuída a nota das provas que assim não se apresentem.

Quanto ao exame escrito de Matemática, rezava a Circular:

A prova escrita de Matemática visa, de modo especial, apurar o domínio das operações fundamentais e o desembaraço no cálculo. Os problemas e exercícios propostos devem, portanto, verificar, real- mente estes dois pontos, evitando-se os de exposição intrincada e fácil resolução, como são geralmente os chamados ´quebra-cabeças´. (Bicudo, 1942:542)

Uma série de regulamentações viria a sofrer o exame de admissão desde 1931. Essa legislação sobre as provas de admissão ao secundário irá promover alterações quanto a sua forma, número de questões, cálculo da média do aluno, número e programas das diversas disciplinas, quantidade de professores que corrigiam as provas etc. No entanto, o caráter fundamental do exame mantém-se: é o da seleção, da restrição do acesso à continuidade dos estudos rumo ao ensino superior.

O exame de admissão constituiu por décadas a linha divisória entre o ensino primário e a escola secundária; funcionou como um verdadeiro rito de passagem no processo de seleção à continuidade dos estudos, representada pelo ingresso no ginásio acadêmico, que teve procura intensificada a partir dos anos 1930.

O Ginásio do Estado da Capital de São Paulo

Com a Proclamação da República segue o processo de construção da hegemonia paulista à frente de um pretenso federalismo, cujo objetivo era o afastamento da centralização representada pelo Império. O poder paulista, lastreado na riqueza cafeeira, busca a conquista da hegemonia política também pela oficialização do ensino em São Paulo (Nadai, 1987). Os ginásios da República em São Paulo são escolas privadas que funcionavam ao ritmo dos exames preparatórios. Junto deles, surgem os ginásios do Estado que reafirmam um ensino secundário extremamente elitista. O primeiro ginásio público em São Paulo, o Ginásio do Estado da Capital, inicia suas aulas no dia 19 de dezembro de 1894. Com 51 alunos matriculados na primeira série, o Ginásio reúne alunos oriundos da cidade de São Paulo (16), de Campinas (4), de Amparo (2), de Rio Claro (2) e de várias outras cidades do Estado de São Paulo, além de ingressantes de outros estados como Rio Grande do Norte (1), Maranhão (1), Espírito Santo (2), Rio Grande do Sul (4), Minas Gerais (1) e Rio de Janeiro (4) (Nadai, 1989:114).

Ao longo de sua história, vários nomes teve o estabelecimento: Gymnasio de São Paulo, Colégio de São Paulo, Colégio Estadual Franklin Delano Roosevelt, Colégio Estadual Presidente Roosevelt, Colégio Estadual de São Paulo, Escola Estadual de São Paulo, Escola Estadual de 2º Grau de São Paulo, Escola Estadual de São Paulo. Também vários foram os locais onde o primeiro ginásio oficial de São Paulo esteve instalado: Travessa da Glória no. 23, o endereço de sua inauguração, no governo de Bernardino de Campos, Presidente do Estado; Rua Boa Morte, hoje Rua do Carmo; Rua Conde do Pinhal; transferindo-se, em seguida para o Liceu de Artes e Ofício, no bairro da Luz; Parque D. Pedro II e Rua do Carmo, de 1933 a 1940; mudando-se em 1940 para a Rua Frederico Alvarenga, no. 121, onde permaneceu até 1960; finalmente deslocando-se para a Rua da Figueira, no. 500, onde hoje se encontra, em prédio construído por ex-aluno da escola, Prefeito Wladimir de Toledo Piza. Como o ex-prefeito, o colégio teve em seus bancos escolares alunos ilustres como Júlio Prestes, Armando Salles de Oliveira, Ranieri Mazzili, Carvalho Pinto, Cásper Líbero, Paulo Setúbal, José Carlos Macedo Soares, Orígenes Lessa, Carlos Pasquale, Benedito Castrucci, Eleazar de Carvalho, Euclides de Figueiredo entre tantos outros.

Os exames de admissão ao Ginásio do Estado da Capital de São Paulo. Em 15 de outubro de 1894, são realizados os exames de suficiência para admissão dos alunos no
recém-criado Ginásio do Estado da Capital de São Paulo. Perante uma banca de três membros, os alunos são avaliados de forma oral e escrita sobre Gramática e Leitura, Geografia, História, Aritmética e Geometria. Não se organizou nenhum programa sobre cada matéria para que se evitasse, na palavra do diretor, ‘o preparo precipitado dos examinandos e as mesas poderiam melhor avaliar da sua capacidade para encetarem os estudos do curso secundário’ (Nadai, 1987: 112). Desse modo, tem início no Ginásio o processo seletivo dos alunos que, ao terminarem o ensino primário, buscam a continuidade dosestudos.

Através de uma soma de contingências favoráveis, grande parte do arquivo escolar do Ginásio do Estado da Capital, hoje Escola Estadual de São Paulo, foi preservada. Como elemento integrante da documentação individual de cada aluno, incluem-se as provas dos exames de admissão ao antigo Ginásio. O exame de admissão ao secundário constitui parte da documentação probatória de cada aluno. Foram selecionados exames relativos ao período 1931-1969, que marca o início e término dos exames de admissão com caráter nacional. A amostra reúne em torno de 3000 provas que, em sua quase totalidade, versam sobre Matemática e Português. A amostra contém quantidades diferentes de exames para os vários anos em razão do que pôde ser preservado no arquivo da Escola e também por conta de, ao longo do tempo, o número de vagas aos ingressantes ser variável. Além disso, a partir dos anos 1950, optou-se por incluir, aleatoriamente, um número fixo de 25 exames anuais de Português; para as provas de Matemática, essa quantidade fixa foi tomada a partir de 1961, devido à limitação prevista do número de discos em CD-ROM. Para o ano de 1965, não foram encontradas provas no arquivo da Escola.

Finalmente, espera-se que este CD possa viabilizar a consulta das provas localizadas no enorme arquivo da Escola Estadual de São Paulo, possibilitando a pesquisa histórica da cultura escolar em tempos de rigorosa e elitista seleção dos candidatos ao ensino secundário.

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Paulo Alves de Lima

 

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