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Psiquiatria na prática médica  

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Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM

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O mito da cefaléia psicogênica
Tratamento farmacológico da depressão no idoso cardiopata

Terapia de reposição hormonal em mulheres na pós-menopausa
Jogo patológico: caracterização e tratamento

 

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A associação de doença cardiovascular e depressão é bastante comum no idoso. Algumas medicações antidepressivas prescritas para esse grupo específico de pacientes podem afetar a pressão arterial e o coração. Conhecer os possíveis efeitos colaterais cardiovasculares dos antidepressivos é de fundamental importância no tratamento do idoso cardiopata para se prevenir complicações que podem ser fatais.


Tratamento farmacológico da depressão no idoso cardiopata
Talel Salle

   


Talel Salle

 

Talel Salle
Médico cardiologista e geriatra da Santa Casa de Misericórdia de Dracena e do Instituto Cardiológico de Dracena

 

Correspondência
Talel Salle
Instituto Cardiológico de Dracena
Rua : Virgilio Pagnozzi, 825
17900-000 Dracena SP
Tel.: (0xx18) 5821-3195
E-mail :
sal36@uol.com.br

 

Depressão é a forma mais comum de problema de saúde mental do idoso. Trata-se de uma doença com importantes repercussões sociais e individuais por afetar não somente o convívio social, impossibilitando uma rotina de vida satisfatória, mas também pelo risco inerente de morbidade, cronicidade e aumento da mortalidade, em decorrência de suicídios ou de complicações de comorbidades, principalmente de doenças cardiovasculares.

É comum pacientes com doença coronariana sentirem depressão. A prevalência combinada de depressão maior ou menor nos pacientes pós-infartados é estimada em 45%. Depressão maior, isoladamente, afeta de 15% a 22% desses pacientes, mesmo quem não tenham história de IAM (infarto agudo do miocárdio). Já com doença coronariana comprovada, a associação com a depressão maior afeta ao redor de 18% dos pacientes.1

Estudo na literatura realizado em pacientes com doença coronariana estabelecida (N=1.250) e submetidos à avaliação para depressão pela SDS (Zung Self – Rating Depression Scale), foram seguidos para subseqüente mortalidade durante um período de 19 anos. Os pacientes com depressão moderada para severa apresentaram mortalidade por cardiopatia 29% maior em comparação aos não deprimidos. Comparados a estes, os primeiros tiveram um risco maior de mortalidade: 84% entre 5 a 10 anos, e 72% após 10 anos de seguimento.2

Estudos têm demonstrado ligações importantes entre doenças cardiovasculares e desordem afetiva, incluindo:

Esses achados devem alertar os médicos para que redobrem seus esforços na busca diagnóstica e no tratamento eficiente do idoso cardiopata com depressão.

Os mecanismos fisiopatológicos implicados na associação de depressão e cardiopatia incluem: 3

  1. aumento da atividade plaquetária em indivíduos deprimidos;
  2. hiperatividade simpática no deprimido, acarretando no aumento das arritmias cardíacas;
  3. diminuição da variabilidade da freqüência cardíaca no deprimido devido à diminuição do tônus vagal e predispondo ao desenvolvimento de fibrilação ventricular;
  4. disfunção do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal. Nos pacientes com depressão, o estado de estresse pode levar à hiperatividade do eixo HHA e acarretar em elevados níveis de cortisol plasmático. Esse aumento de cortisol pode provocar dislipidemias e hipertensão, aumentando substancialmente o risco cardiovascular;
  5. tratamento farmacológico e seus efeitos colaterais cardiovasculares.

Na Tabela estão relacionados os antidepressivos disponíveis para uso no Brasil e as doses sugeridas para os idosos.

Tabela – Antidepressivos

Classe/Droga

Nome comercial

Dose sugerida para o idoso

 

 

Inicial (mg/dia)

Máxima (mg/dia)

a) Tricíclicos

    Amitriptilina

Amitriptilina, Tryptanol Amitryl

10 a 25

200

    Imipramina

Tofranil, Imipra

10 a 25

200

    Clomipramina

Anafranil

10 a 25

200

    Nortriptilina

Pamelor

05 a 25

100

b) Tetracíclicos

    Maprotilina

Tofranil

05 a 25

100

c) Inibidores da MAO

    Tranilcipromina

Parnate,

10 a 20

80

    Moclobemida

Aurorix, Moclobemida

300 a 400

400 a 600

d) Inibidores da recaptação da serotonina

    Fluoxetina

Daforin, Deprax, Eufor, Nortec, Prozac, Psiquial, Verotina

10 a 20

60

    Sertralina

Novativ, Sercerin, Tolrest, Zoloft

25 a 50

100

    Paroxetina

Aropax, Pondera

10 a 20

40

    Citaprolan

Cipramil

10 a 20

40

    Fluvoxamina

Luvox

25 a 50

100

e) Inibidores da recaptação de seratonina e noradrenalina

    Venlafaxina

Efexor, Efexor XR

37,5

150

f) Inibidores seletivos da recaptura de noradrenalina

    Reboxetina

Prolift

2

6

g) Noradrenérgicos e serotonérgico específico

    Mirtazapina

Remeron

15

45

h) Inibidores de recaptura de serotonina/antagonistas 5HT2

    Trazodona

Donaren

25

100

    Nefazodona

Serzone

100

400

i) Bloqueadores da recaptura de noradrenalina e dopamina

    Bupropion

Zyban

 

 

j) Outros

    Amineptina

Survector

50

200

    Tianeptina

Stablon

12,5

37,5


a) Efeitos colaterais dos ADTs e IMAOs

Os antidepressivos tricíclicos (ADTs) são usados há mais de 30 anos. Esses medicamentos são capazes de produzir alterações na condução cardíaca, na contratilidade, na freqüência, no ritmo e na pressão arterial ortostática. O efeito adverso mais freqüente é a hipotensão postural, que aparece em 25% a 50% dos pacientes, e que pode precipitar em IAM e em AVC. A hipotensão postural é mais pronunciada nos pacientes com distúrbios de condução (especialmente bloqueio do ramo direito), e nos pacientes com insuficiência cardíaca.1

É interessante ressaltar que os idosos cardiopatas estão freqüentemente em uso de medicações anti-hipertensivas, que podem ter sua potência aumentada com o uso concomitante dos antidepressivos tricíclicos.

Os ADTs têm efeito antiarrítmico semelhante ao dos agentes da classe IA (bloqueadores dos canais de sódio), como a quinidina. Desse modo, os ADTs podem causar prolongamento dos intervalos QT, PR e QRS em pacientes com lesão miocárdica, levando a um efeito arritmogênico, ou podem exacerbar o grau de bloqueio de ramo em pacientes com distúrbios de condução.

Apesar desses efeitos colaterais, alguns pesquisadores têm argumentado que, com as devidas precauções, os ADTs podem ser usados na maioria dos pacientes cardiopatas deprimidos.1 Contudo, existe um consenso geral de que o tratamento com os ADTs durante os três primeiros meses pós-IAM deve ser evitado, já que os pacientes nessa fase de recuperação têm a mortalidade aumentada com o uso de antiarrítimicos da classe IA.4 E é justamente nesse período que a incidência de depressão é maior nesses pacientes.

Os IMAOs não-seletivos têm como efeito colateral bastante freqüente a hipotensão postural (60%). Com menor frequência, mas bastante temida, é o aparecimento de crise hipertensiva. Essa crise aparece quando os pacientes em uso de IMAO ingerem alimentos contendo tiramina, ou ainda com o uso concomitante de vários medicamentos, por exemplo, outros antidepressivos, meperidina, broncodilatadores, anti-gripais, anfetaminas e descongestionantes nasais.

Com o uso da moclobemida que é um IMAO seletivo de MAOB, os estudos na literatura não demonstraram efeitos colaterais cardiovasculares substanciais.5

Devido ao risco aumentado com o uso de ADTs e IMAOs não-seletivos no idoso cardiopata, os inibidores de recaptação da serotonina(ISRS) vêm se tornando um tratamento de primeira linha no idoso cardiopata.

b) Efeitos colaterais dos ISRSs

A sertralina foi utilizada em um estudo de pacientes deprimidos com menos de 30 dias pós-IAM e não mostrou alterações significativas na freqüência cardíaca, pressão arterial, condução cardíaca ou da fração de ejeção do VE. Mostrou até uma tendência na redução de atividade ectópica ventricular.6

Estudo realizado em idosos cardiopatas com depressão e em uso da fluoxetina demonstrou uma diminuição da freqüência cardíaca de 6%, um aumento da pressão sistólica supina de 2% e um aumento de 7% na fração de ejeção. Não demonstrou efeitos na condução cardíaca, aparecimento de arritmias ventriculares ou hipotensão ortostática.7 Raros casos de arritmia (fibrilação atrial e bradicardia) e síncope são relatados com overdose de fluoxetina.

Os ISRSs são potentes inibidores da isoenzima hepática P 450-2D6 e isso pode acarretar em alterações no clearence das drogas metabolizadas por essa enzima. Paroxetina é o mais potente inibidor, seguido pela fluoxetina, sertralina, citaprolan e fluvoxamina.8 Isso pode fazer com que drogas metalizadas por esta via, como antiarrítimicos do grupo IC, ADTs e fenotiazínicos tenham seus níveis aumentados, o que poderia levar a uma cardiotoxidade desses fármacos.

Outro mecanismo pelo qual os ISRSs poderiam levar a danos cardíacos em cardiopatas é pela vasoconstricção. Enquanto a serotonina apresenta um efeito vasodilatador em uma coronária normal, ela pode produzir vasoconstrição no endotélio lesado na coronariopatia, com conseqüente agregação plaquetária. Ë possível que os ISRSs possam amplificar esse processo, aumentando a disponibilidade de serotonina no local afetado.1

Apesar dessas possíveis alterações, a incidência de efeitos adversos cardiovasculares com o seu uso é ao redor de 0,0003%.

c) Efeitos colaterais dos antidepressivos atípicos (mecanismo de ação diferente dos ADTs ou ISRSs)

Com o uso da venlafaxina alguns pacientes podem apresentar elevação da pressão arterial dose-dependente. Na menor dose inicial recomendada, a taxa é de 13%. Existe caso relatado de taquicardia ventricular com o uso da trazodona.

Em relação aos outros antidepressivos (bupropion, mirtazapina, nefazodona, amineptina, tianeptina e reboxetina), os poucos estudos disponíveis na literatura não elatam efeitos adversos cardiovasculares significativos.

Relação risco/benefício

Levar em consideração essa relação é muito importante ao se prescrever antidepressivos para o idoso cardiopata, devido ao risco maior de efeitos adversos neste grupo. Além da preocupação com os efeitos colaterais, devemos levar em conta a efetividade do antidepressivo prescrito.

Em estudo comparativo entre nortriptilina e fluoxetina realizado em idosos deprimidos, a nortiptilina mostrou uma efetividade maior (67%) em relação à fluoxetina (23%).9 Porém, a maioria dos estudos tem demonstrado eficácia comparável entre os ISRSs e ADTs no tratamento do cardiopata deprimido. A incidência de efeitos colaterais é superior nos pacientes tratados com ADTs.10

Apesar da maior incidência de efeitos colaterais dos ADTs, não se afasta a possibilidade do seu uso como medicamento de primeira escolha no idoso cardiopata, desde que em casos selecionados. Ou ainda, como segunda opção de tratamento, quando houver falha terapêutica com os inibidores seletivos.

Quando necessário, deve ser levado em consideração o custo do medicamento (menor entre os ADTs), já que o idoso cardiopata freqüentemente tem o seu orçamento comprometido com o uso de outras medicações.

Conclusão

As evidências disponíveis mostram que praticamente todos os antidepressivos atuais são eficientes. O médico deve estar familiarizado com pelo menos um fármaco de cada grupo e conhecer o seu mecanismo de ação, o seu potencial para interações medicamentosas e seus efeitos adversos.

No caso especifico do idoso cardiopata, é aconselhável a escolha de um antidepressivo com menor incidência de efeitos cardiovasculares adversos, e iniciar o tratamento com uma baixa dose-teste. A finalidade da propensão a partir de doses menores, consiste em determinar a tolerância à droga e minimizar os efeitos colaterais iniciais. Com um tratamento efetivo e adequado para a depressão no idoso portador de cardiopatia podemos não só diminuir a mortalidade, mas também abolir o sofrimento imposto por tão terrível doença, que é a depressão.

Referências

  1. Shelline YI, Freedland KE, Carney RM. How safe are serotonin reuptake inhibitors for depression in pacients with coronary heart disease? Am J Med 1997;102:54-9.
  2. Barefoot JC, Helms MJ, Mark DB, Blumenthal JÁ, Califf RM, Haney TL, et al.Depression a long-term mortality risk in patients with coronary artery disease. Am J Cardiol 1996;78(6):613-7
  3. Manica ALL, Leães CGS, Frey BN, Jumena MF. Depressão e doença coronariana. Arq Bras Cardiol 1999;73:237-43.
  4. Roose SP,Glassman AH. Antidepressant choice in the patient with cardiac disease: lessons from the Cardiac Arrhythmia Suppression Trial (CAST) studies. J Clin Psychiatry 1994;55(A):83-7.
  5. Fulton B; Benfield P. Moclobemide. An update of its pharmacological properties and therapeutic use. Drugs 1996;52(3):450-74.
  6. Shapiro PA, Lesperance F, Frasure-Smith N, O’Connor CM, Baker B, Jiang JW, et al. An open-label preliminary trial of sertraline for treatment of major depression after acute myocardial infarction (the SADHAT Trial). Sertraline Anti-Depressant Heart Attack Trial. Am Heart J 1999;137(6):1100-6.
  7. Roose SP, Glassman AH, Attia E, Woodring S, Giardina EG, Bigger JT Jr. Cardiovascular effects of fluoxetine in depressed patients with heart disease. Am J Psychiatry 1998;155(5);660-5.
  8. Gury C, Cousin F. Pharmacokinetics of SSRI antidepressants: half-life and clinical applicability. Encephale 1999;25(5):470-6.
  9. Roose SP, Glassman AH, Attia E, Woodring S. Comparative efficacy of selective serotonin renptake inhibitors and tricyclics in the tratment of melancholia. Am J Psychiatry 1994;151:1735-9.
  10. Roose SP, Laghrissi-Thode F, Kennedy JS, Nelson VC, Bigger JT Jr, Pollock BG, et al. Comparison of paroxetine and nortriptyline in depressed patients with ischemic heart disease. JAMA 1998;279(4):287-91

capa

arrow22c.giftopo

Volume 34, número 1

jan ·mar 2001

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