Órgão Oficial do |
Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM |
artigo original |
Sintomas depressivos nos estudantes de medicina da Universidade Estadual de Maringá |
Perfil epidemiológico de pacientes com transtornos do movimento |
Sintomas depressivos nos estudantes de medicina da Universidade Estadual de Maringá
Depressive symptoms among medical students of the State University of Maringá
Mauro Porcua, Cláudio
Vinícius Fritzenb e Cesar Helberb
aUniversidade
Estadual de Maringá (UEM). bUniversidade Federal de São Paulo/EPM
Resumo Objetivo Métodos Resultados Conclusão Descritores |
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Abstract Objective Methods Results Conclusion Keywords |
Introdução
Estudantes de medicina estão freqüentemente em estreito contato com pacientes portadores de todos os tipos de doenças ou de prognósticos ruins. Além disso, enfrentam um alto nível de cobrança por parte da instituição de ensinoe da sociedade em relação oa desempenho e responsabilidade profissional. Isso gera, no próprio estudante, um sentimento de auto-cobrança muito grande. Soma-se a isso a grande carga horária e o volume de matéria didática inerente ao curso de medicina. Nesse contexto, o presente estudo visa avaliar a epidemiologia da sintomatologia depressiva entre os alunos do curso de medicina da Universidade Estadual de Maringá (UEM).
Métodos
Aplicou-se um questionário padronizado, o Inventário
para Depressão de Beck (IDB). Quase a totalidade dos estudantes de medicina
da UEM responderam-no num período de 3 semanas.
O estudo foi baseado no modelo epidemiológico individuado-observacional seccional, utilizando o IDB como modelo de inquérito. O grupo foi subdividido em seis amostras independentes, correspondentes a cada uma das séries do curso. Antes dos estudantes serem submetidos à avaliação, eles foram inteirados e assinaram um “termo de consentimento e livre-esclarecimento”, para a realização da pesquisa.
O IDB é um questionário padronizado para avaliação do humor depressivo, bastante utilizado na literatura, apresentando a característica de ser auto-aplicativo. O mesmo possui quatro categorias, subdivididas pelo escore: 0-3 (nenhum ou mínimo); 4-7 (leve); 8-15 (moderado); 16 ou mais (grave).
A amostra obtida foi de 126 estudantes de medicina distribuídos nos seis anos do curso. O índice de participação foi de 97,7%. Os alunos que responderam o IDB fizeram-no naturalmente e os que não responderam, não se encontravam na instituição naquela ocasião. Os dados foram submetidos a análise de correlação e teste de significância entre dois percentuais.
Resultados
A distribuição entre homens e mulheres foi de 55,6%
e 44,4%, respectivamente. A idade variou, em média, entre 19 e 25 anos. Com
relação à religião, os católicos representaram 69,8%, os evangélicos/protestantes
7,1%, espíritas 5,6%, seisho-no-iê 0,8%, muçulmanos 0,8%, sem religião 1,6%
e 14,3 não responderam essa pergunta.
A análise de correlação mostrou
que as variáveis idade e série apresentaram um índice de correlação de 0,64
(p<0,05). As variáveis sexo, religião e grau de depressão não apresentaram
correlação significativa entre si e com as demais variáveis. A prevalência
dos sintomas depressivos foi de 49,2% entre a população estudada, sendo que
o grau da sintomatologia é mostrado na Figura 1. Na Figura 2 a estratificação
da população por série foi exposta, evidenciando um comportamento bem diferente
da sintomatologia depressiva entre as séries.
Figura 1 - Distribuição dos sintomas depressivos nos estudantes de medicina da UEM/Maringá (PR) |
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Figura 2 - Distribuição dos sintomas depressivos nos estudantes de medicina da UEM/Maringá (PR) |
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Fonte: inventário de Beck (IDB) aplicado aos alunos de medicina da UEM/Maringá (PR) |
No trabalho de Chan foram
avaliados 335 estudantes de medicina chineses, da Chinese University of Hong
Kong, usando o IDB como inquérito.1 O autor utilizou escore de
corte 9/10 e 29/30, sendo que 50% estavam deprimidos e 2% estavam com grau
grave de depressão. Utilizando estes escores de corte, neste trabalho, a taxa
foi de 18,3% entre 10 e 30 e 0% acima de 30. Aplicando-se o teste de significância
entre dois percentuais, houve diferença significativa (p<0,05) entre os
escores de 10 a 30, mas não apresentou diferença acima de 30 (p=0,1105).
No artigo de Clark foram analisados os alunos de medicina da Rush-Presbyterian-St Lukes Medical Center em Chicago, EUA.2 Os autores utilizaram um escore de corte para o IDB de 14, obtendo 12% de alunos com sintomas depressivos durante os três primeiros anos do curso contra 9% desta população no mesmo período, usando o mesmo valor de corte, não apresentando diferença significativa (p>0,05). O maior porcentual de sintomas depressivos (25%) foi encontrado no final do segundo ano e na metade do terceiro ano (19%).
Discussão
Os alunos de medicina da UEM recebem, nos dois
primeiros anos, um ensino eminentemente teórico nas disciplinas básicas, que
são complementadas por práticas em laboratório, com destaque para anatomia
humana. É na disciplina “Semiologia e procedimentos técnicos” que os alunos
começam a entrar em contato com os pacientes.
No terceiro ano, eles iniciam as disciplinas clínicas e têm maior contato com os pacientes, através de estágios em postos de saúde, no Centro Integrado de Saúde Mental e enfermarias do Hospital Universitário de Maringá. No quarto ano, retornam às aulas teóricas, sem mais contato com pacientes. O quinto e o sexto ano são de internato médico, quando voltam-se para a prática clínica.
Os dados deste trabalho mostram um equilíbrio entre o percentual de homens e mulheres. Nota-se também o predomínio da religião católica seguida de longe por espíritas e evangélicos/protestantes. A análise aponta somente correlação significativa entre idade e série, pelo fato das mesmas aumentarem seu valor conforme o tempo. Não evidenciou correlação significativa em relação ao sexo feminino e maior grau de depressão conforme se apresenta na população geral (Kaplan3 e Soares4). Este fato também foi relatado no trabalho de Clark.2
O IDB utilizado neste trabalho tem a finalidade, segundo Silveira,5 de detectar a sintomatologia depressiva e não a presença ou ausência de um episódio depressivo, podendo apresentar muitos falsos positivos. Com isso, um segundo instrumento diagnóstico poderia ter sido utilizado, como fez o estudo multicêntrico de Almeida Filho,6 que usou psiquiatras treinados para o diagnóstico do episódio depressivo nos casos positivos. Mesmo assim, o nível de prevalência de 49,2% encontrado pelo IDB foi bastante significante.
O estudo multicêntrico de Almeida Filho mostrou também que a prevalência do transtorno depressivo na população metropolitana de São Paulo, Brasília e Porto Alegre variou de 2,8% a 10,2%.6 Na população americana, estes dados variaram entre 7,8% e 15%, podendo chegar a 25% em mulheres (Kaplan3 e Prado7). Desta maneira, a prevalência de sintomas depressivos nos estudantes de medicina é cerca de 4 vezes maior, em média, do que na população geral americana e mais do que 7 vezes a população brasileira.
Os dados deste trabalho foram comparados com o estudo de Clark,2 obtendo-se valores semelhantes a outros estudos americanos, como de Supe,8 Helmers,9 Rosal,10 estudo na Polônia de Foltyn11 e o estudo no Reino Unido de Stewart.12 Todos mostraram que a prevalência da depressão entre os estudantes de medicina nestes países também é maior do que na população geral. Comparado ao estudo chinês, os resultados indicaram uma taxa bem maior de depressão nos estudantes chineses, mas não em relação ao nível grave de depressão. Com isto, a formação médica nos moldes atuais comporta-se como fator de risco para o aumento da incidência da doença depressiva na população em estudo.
No presente trabalho foram categorizados os diferentes graus de depressão segundo sua distribuição pelas séries, de acordo com a categorização padrão do IDB. Estes dados são apresentados na Figura 2 e mostra diferentes comportamentos em relação à prevalência e ao grau de depressão em cada série.
Considerando-se que este estudo é seccional e avaliou cada série (subpopulação) em separado, uma avaliação longitudinal onde a mesma turma fosse avaliada conforme passa pelas séries seria mais fidedigna. Porém, mesmo sendo subpopulações diferentes, o comportamento entre as séries foi muito diferente.
Do primeiro para o segundo ano, a prevalência de sintomas depressivos aumenta de 20% para 61,8%. Do segundo para o terceiro ano, o número de casos graves salta de 4,8% para 19%, em detrimento dos casos moderados do segundo ano. Este comportamento também foi encontrado no estudo de Helmers,9 que relatou um aumento da prevalência de sintomas depressivos na transição entre a ciência básica e o treinamento clínico, tal como ocorreu neste trabalho. Do terceiro para o quarto ano há uma nítida melhora, ocorrendo uma queda do nível grave de 19% para 0%, assim como a diminuição da taxa de prevalência de 66,6% para 47,4%. Isso possivelmente acontece devido a dois fatores: o primeiro seria a melhor adaptação ao treinamento clínico, por já terem ultrapassado a transição básico/clínico; o segundo seria o fato da disciplina de psiquiatria ser ministrada no terceiro ano, levando os alunos a um auto-reconhecimento de que estão tendo problemas de humor e fazendo-os procurar tratamento médico especializado, havendo melhora do deprimido até o próximo ano. Do quarto para o quinto ano a prevalência se estabiliza, mas há um novo aumento no nível grave de 0% para 4,5%, em detrimento dos moderados do quarto ano. Isto se deve, possivelmente, à entrada do aluno na prática clínica e de lidar diariamente com o sofrimento humano.13 Do quinto ao sexto ano, há um grande aumento do grau moderado, de 13,6% para 33,3% e o desaparecimento do grau grave. Este fato poderia ser explicado pela expectativa de se formar e entrar no mercado de trabalho, ficando responsáveis pelo próprios atos, sem a retaguarda da escola. Outra possibilidade seria a pressão para serem aprovados nas provas de residência médica.
O estudo de Rosal10 concluiu que, pelo fato das taxas de depressão manterem-se elevadas durante todo o curso de medicina e não se comportarem de maneira episódica, o curso em si é um fator de estresse crônico sobre seus alunos.
Conclusão
O presente trabalho mostrou que os alunos de medicina
da UEM apresentaram uma prevalência de sintomas depressivos tal qual a encontrada
em outros estudos, sendo a taxa de depressão não alterada por outras variáveis
como série, religião, idade e sexo.
O aumento da prevalência de sintomas
depressivos na transição das disciplinas básicas para as clínicas, bem como
o aumento da gravidade dos sintomas depressivos no terceiro ano, também foi
evidenciada tanto neste estudo como na literatura.
Estes fatos inferem que o curso de medicina, da maneira como está estruturado atualmente, age como fator de risco para o aumento da prevalência de sintomas depressivos nos seus alunos. Assim, medidas preventivas como um programa implementado pela própria instituição de ensino para identificar os pontos que causam maior estresse sobre o aluno e modificando-os de maneira mais adequada, devem ser empregadas, por exemplo, na transição básico/clínico. Deste modo, agindo na diminuição do estresse, poderá haver uma diminuição significativa da prevalência sintomatologia depressiva nos estudantes de medicina.
Referências
Correspondência:
Mauro Porcu
Universidade Estadual de Maringá
Departamento de Medicina
Av. Mandacaru,
1590
Maringá, PR, Brasil
E-mail: MP@Wnet.com.br
Volume 34, número 1 |
jan ·mar 2001 |
Última atualização: