Órgão Oficial do |
Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM |
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O mito da cefaléia psicogênica |
Terapia de reposição hormonal
em mulheres na pós-menopausa |
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O mito da cefaléia psicogênica
Deusvenir de Souza
Carvalho
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Deusvenir de Souza Carvalho |
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Correspondência |
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Dor é um sintoma freqüentemente experimentado pelos seres humanos desde tempos remotos. Alguns dos últimos achados arqueológicos atestam um grande número de fraturas nos esqueletos humanos, algumas mal consolidadas, implicando intenso desconforto para aqueles indivíduos nômades e caçadores, ao longo de sua vida.1
Cefaléia ou dor de cabeça também é um sintoma freqüente, com registros indicativos de acompanhar a existência do ser humano neste planeta. Foram evidenciadas trepanações em crânios neolíticos datando de 7000 a.C., indicativas de procedimentos neurocirúrgicos dolorosos.2 Esses procedimentos, além de serem para o alívio da cefaléia, podem ter sido feitos para livrar o indivíduo do demônio e de maus espíritos.2
Estudos epidemiológicos recentes apontam para a prevalência do sintoma da cefaléia, ao longo da vida, para 69% a 93% de indivíduos do sexo masculino e 94% a 99%, do feminino.3
Referências a dores de cabeça podem ser encontradas desde 3000 anos a.C.,4 acreditando-se que a mais antiga possa ser a lida em um poema épico sumeriano, como sugere Edmeads.5 O papirus de Ebens, do Egito antigo, uma prescrição para aliviar enxaqueca, neuvralgias e cefaléias pós-trauma, data de 1200 a.C. Os egípcios acreditavam que os deuses poderiam curar a dor de cabeça e a orientação do papirus incluía relaxamento, massagem e compressas quentes ou frias.6 As cefaléias são explicitadas na literatura de Platão, Timothy Bright, Shakespeare, Hildegarde. Na literatura médica, são encontradas descrições desde os tempos de Hipócrates (400 a.C.), Celsus e Galeno (200 a.C.), Thomas Willis (1683), Tissot (1783), Gowers (1888), até o século passado, com Deyl e Spitzer e, no atual, com Stephen King.6
Em 1660, William Harvey recomendou trepanação para um paciente com enxaqueca intratável.7 Ainda hoje, como no Egito antigo, o relaxamento,massagens e compressas podem ser utilizadas para obtenção de alívio do sintoma.8,9 Isso pode, aparentemente, indicar fatores causais psíquicos. No entanto, a evolução do conhecimento científico não tem admitido o fator etiopatogênico psíquico para cefaléia. Indubitavelmente, aspectos psíquicos normais ou anormais podem ser acompanhantes, agravantes, desencadeantes, perpetuantes e mesmo amenizantes das cefaléias.
As dores de cabeça, como se entende na neurologia e cefaliatria atual, precisam de base física para se manifestarem. No nível central (córtex e tronco cerebral), mecanismos neuroquímicos levam a queda do limiar e, no nível periférico, (n. trigêmeo e raízes cervicais) o incremento de estímulos pode levar a percepção nociceptiva de cefaléia10 (Figura).
Figura - Ilustração de como a interação dos mecanismos centrais e periféricos pode levar ao aparecimento da cefaléia tipo tensão episódica e à transformação progressiva em cefaléia tipo tensão crônica (adaptação da figura de Olesen & Schoenen10). |
Na literatura especializada, o termo cefaléia psicogênica aparece
na classificação de 1962 para definir a cefaléia de pacientes
em que aspectos psicológicos anormais eram proeminentes.11 Essa classificação
foi substituída, em 1988, por uma classificação e critérios
diagnósticos das cefaléias neuralgias cranianas e dor facial,12 um verdadeiro
tratado de bom senso, tendo como base a clínica, a etiopatogenia e a
fisiopatologia das dores do segmento cefálico (Tabela). Enumera o grupo
das cefaléias primárias nos itens de 1 a 4 e o das cefaléias
secundárias ou sintomáticas, nos de 5 a 11, as neuralgias no item
12, restando o item 13 para as cefaléias não-classificáveis.
Conceituando esses grupos, as cefaléias primárias são aquelas
onde o sintoma “cefaléia” é o principal na doença ou síndrome
e, no caso das secundárias ou sintomáticas, a doença ou
síndrome é outra, onde uma das manifestações é
o sintoma “cefaléia”.
Tabela - Principais itens e subitens da cefaléia tipo tensão, da Classificação da “International Headache Society” de 1988.12
Cefaléias primárias: 1 – Enxaqueca (ou migrânea) 2 – Cefaléia tipo tensão 2.1 – Cefaléia tipo tensão episódica 2.1.1 – Cefaléia tipo tensão episódica associada a distúrbio muscular pericraniano 2.1.2 – Cefaléia tipo tensão episódica não associada a distúrbio muscular pericraniano 2.2 – Cefaléia tipo tensão crônica 2.2.1 – Cefaléia tipo tensão crônica não associada a distúrbio muscular pericraniano 2.2.2 – Cefaléia tipo tensão crônica não associada a distúrbio muscular pericraniano 3 – Cefaléias em salvas e hemicrânia paroxística crônica 4 – Cefaléias diversas não associadas a lesões estruturais Cefaléias secundárias ou sintomáticas: 5 – Cefaléia associada a trauma de crânio 6 – Cefaléia associada a doenças vasculares 7 – Cefaléia associada a outros distúrbios intracranianos não-vasculares 8 – Cefaléia associada a substâncias ou a sua retirada 9 – Cefaléia associada à infecção não cefálica 10– Cefaléia associada a distúrbio metabólico 11– Cefaléia ou dor facial associada a distúrbio do crânio, pescoço, olhos, orelhas, seios paranasais, dentes ou a outras estruturas faciais ou cranianas Neuralgias 12 – Neuralgias cranianas, dor de tronco nervoso e dor de deaferentação 13 – Cefaléia não-classificável |
A nomenclatura cefaléia psicogênica e toda a sua sinonímia,
tais como cefaléia de contração muscular, cefaléia
de tensão, cefaléia psicomiogênica, cefaléia do estresse,
cefaléia comum, cefaléia essencial, cefaléia idiopática
e mesmo aquela que os pacientes referem-se como “cefaléia normal”, tornou-se
obsoleta e essas devem enquadrar-se no título mostrado no item 2, da
Tabela.
Essa classificação foi precedida de uma preliminar proposta de classificação e critério diagnóstico para as desordens de cefaléia, neuvralgias cranianas e dor facial, em 1987. Nesta proposta, estavam enumerados 14 itens dos principais grupos de cefaléias. Destes, foi retirado somente o item 13 e seus sub-itens 13.1 e 13.2, que se referiam, respectivamente: cefaléia psicogênica, cefalalgia conversiva e cefaléia paranóide
Essa classificação foi apresentada no III Congresso da Sociedade Internacional de Cefaléia, que aconteceu em Florença, na Itália, em 1987. Foi proposta pelos membros do comitê, chefiados por Jes Olesen, neurologista dinamarquês, e o item 13 foi retirado por não resistir às críticas feitas por mais de duas centenas de eminentes cefaliatras internacionais presentes.
Referências
Volume 34, número 1 |
jan ·mar 2001 |
Última atualização: