Órgão Oficial do |
Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM |
Aspectos
clínicos e nutricionais dos transtornos alimentares |
Comorbidade:
depressão e fobia social |
|
Abordagem clínica sobre mães
de crianças autistas
Cristiane Duarte,
Isabel Bordin e Peter Jensen
|
|
|
|
Cristiane
Duarte |
|
Correspondência |
|
O autismo é um transtorno do desenvolvimento cujos sintomas, que aparecem antes da criança completar três anos de idade, incluem prejuízo severo do relacionamento social, da comunicação e da imaginação, esta última associada a um padrão rígido e repetitivo de comportamento. O diagnóstico é feito com base apenas na observação do comportamento; portanto, não há exames físicos que detectem o autismo. Atualmente, o autismo é classificado como uma subcategoria dos transtornos pervasivos do desenvolvimento,1,2 nomenclatura que claramente enfatiza a ampla gama de prejuízos e a persistência da condição por toda a vida. O autismo é um distúrbio relativamente raro; as taxas de prevalência variam entre duas a cinco em cada 10.000 crianças.3 Hoje em dia parece haver um aumento do número de crianças autistas.4,5 Possíveis razões são o uso de critérios diagnósticos mais abrangentes, maior conhecimento da patologia ou uma mudança de fato da incidência. Meninos são afetados três a quatro vezes mais do que meninas.
Uma criança autista requer cuidados por toda a vida, os quais são freqüentemente fornecidos por suas mães, principalmente quando serviços especializados são escassos. Essa é uma das principais razões por que mães de crianças autistas merecem atenção especial dos profissionais de saúde.
Mães das crianças autistas: primeiras abordagens
Embora se saiba que as mães das crianças autistas são fundamentais para o tratamento de seus filhos, as teorias existentes sobre o papel materno no autismo não as têm ajudado a desempenhar tarefa de tamanha complexidade. A maior parte dessas teorias teve origem a partir das formulações iniciais de Kanner, que observou que os pais das crianças autistas eram pessoas altamente intelectualizadas e pouco propensas a expressar emoções. Kanner chegou mesmo a referir-se a eles como “pais-geladeira”,6 o que levou a atribuírem aos pais, principalmente às mães de crianças autistas, um papel determinante na etiologia do autismo. Principalmente nos anos 60 e 70, essa visão foi muito popular e, como resultado, a culpabilidade costumava dominar o relacionamento entre mães de crianças autistas e profissionais de saúde mental.
Dados empíricos sobre as mães de crianças autistas
Teorias como as expostas anteriormente foram sustentadas por muito tempo sem terem sido testadas de modo objetivo e sistemático. Quando evidências empíricas surgiram, não foram identificadas características específicas das mães de crianças autistas no que diz respeito à classe social, à inteligência ou à linguagem. Inclusive considerando-se certos aspectos, como interação com a criança, as mães de crianças autistas apresentaram comportamento em direção oposta àquela anteriormente suposta, pois mostraram-se mais ativas no contato com seus filhos do que outras mães, talvez como uma tentativa de compensar o retraimento social da criança.
Conforme o esperado, a característica mais importante das mães de crianças autistas é a elevação do estresse.7 O que é menos óbvio é ser esse estresse maior do que aquele experimentado por mães de crianças com outras doenças crônicas, físicas ou mentais.8 Mães de crianças autistas também parecem ser mais propensas a apresentar estados depressivos, mas não está claro em que medida esses estados seriam uma conseqüência do estresse. O suporte social informal e o engajamento no tratamento da criança parecem ser um importante amenizador do estresse em mães de crianças autistas.9
O interesse pelas mães de crianças autistas foi retomado recentemente devido a achados genéticos sobre o autismo. Atualmente, o autismo é um dos distúrbios psiquiátricos para os quais existe a mais forte evidência sobre a participação de um fator genético na etiologia.
Com base em uma abordagem genética, pesquisadores têm investigado a hipótese de que parentes de crianças autistas apresentariam um “fenótipo autista ampliado”, ou seja, prejuízos semelhantes àqueles das crianças autistas, mas de forma mais leve.10 De acordo com esses estudos, parentes de crianças autistas possuem traços associados a dificuldades sociais, a problemas com a função executiva no domínio cognitivo e a déficits na pragmática da linguagem. É possível que haja alguma sobreposição entre o que as teorias iniciais chamavam de dificuldades afetivas maternas e os prejuízos sociais que têm sido identificados nos dias de hoje. No entanto, a explicação sobre como esses problemas estariam relacionados à gênese do autismo é muito diferente.
Implicações clínicas de uma nova abordagem sobre as mães de crianças autistas
Embora a visão inicial que preconizava serem as mães de crianças autistas a causa dos problemas de seus filhos não se sustentar mais, os efeitos dessa visão ainda podem ser observados em conceitos e práticas de profissionais de saúde mental e das próprias mães. As mudanças que ocorreram nos últimos anos, no modo como o papel materno tem sido conceitualizado no autismo, devem-se basicamente ao fato de que, no campo da etiologia, explicações genéticas mostraram-se mais sólidas do que as psicossociais.
Desse modo, a abordagem contemporânea das mães de crianças autistas deve privilegiar a informação de que as dificuldades provenientes dos cuidados com crianças autistas têm importante impacto em suas mães. Assim, é essencial que profissionais da área de saúde estejam a par dos problemas mais comuns enfrentados pelas mães de crianças autistas, para que possam assisti-las quanto ao sofrimento que experimentam, bem como aquele de seus filhos e de suas famílias.
Finalmente, é evidente que uma das melhores maneiras deajudar as mães de crianças autistas é oferecer o melhor tratamento para seus filhos. Atualmente há considerável evidência de que tratamentos comportamentais intensivos podem auxiliar consideravelmente crianças autistas. No caso do Brasil, é de especial relevância o fato de que a residência da criança pode ser o local onde esse tratamento é realizado.11 Além disso, sabe-se que intervenções farmacológicas podem auxiliar o manejo de alguns sintomas freqüentes em crianças autistas.12
Em resumo, para melhor auxiliar as mães de crianças autistas é importante que o clínico não assuma que as mães são a causa da condição de seus filhos e que tenha em mente que elas constituem uma população propensa a experimentar estresse e depressão. É importante também que a identificação e a implementação do melhor tratamento possível para as crianças autistas, e talvez para as próprias mães, sejam objetivos do atendimento oferecido.
Referências
Volume 34, número 2 |
abr ·jun 2001 |