Órgão Oficial do |
Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM |
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Comorbidade: depressão e fobia
social
Antonio E Nardi
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Antonio
E Nardi |
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Correspondência |
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Aansiedade social é uma sensação difusa e desagradável de apreensão, que precede qualquer compromisso social novo ou desconhecido. É vantajoso responder com ansiedade a certas situações ameaçadoras. Para diminuir ou controlar os sintomas de ansiedade social, todos se preparam para situações de exposição, tanto na aparência quanto no comportamento e no treinamento. Assim, pode-se falar de ansiedade social normal, contrastando-a com a ansiedade social anormal ou patológica – a fobia social ou o transtorno de ansiedade social. Esta é uma resposta inadequada a determinado estímulo, em virtude de sua intensidade, duração e sintomas. Diferentemente da ansiedade social normal, a patológica paralisa o indivíduo, traz prejuízo ao seu bem estar e ao seu desempenho e não permite que ele se prepare e enfrente as situações ameaçadoras.
A fobia social é o medo patológico de comer, beber, tremer, enrubescer, falar, escrever, enfim, de agir de forma ridícula ou inadequada na presença de outras pessoas.1
A fobia social apresenta-se em dois tipos básicos: a circunscrita e a generalizada. A primeira permanece restrita a apenas um tipo de situação social na qual a pessoa teme, por exemplo, escrever na frente de outros, mas, no restante das situações sociais, ela não apresenta qualquer tipo de inibição exagerada.
O segundo tipo é a fobia social generalizada, caracterizada pelo temor a todas ou quase todas situações sociais. Além das situações acima citadas, é comum o paciente temer paquerar, dar ordens, telefonar em público, usar banheiro público, trabalhar em frente a outras pessoas, encontrar estranhos, expressar desacordo, resistir a um vendedor insistente, entre outras situações sociais comuns. A esquiva é importante para o diagnóstico e, em casos extremos, pode resultar em um total isolamento social.
Fobia social e depressão
Versiani & Nardi2 observaram alta freqüência de depressão maior (29,6%) e de distimia (18,4%) em uma amostra de 250 fóbicos sociais (Tabela). Barlow et al3 encontraram 38% de depressão co-mórbida em pacientes com fobia social, e 35% dos fóbicos sociais relatados por Stein et al4 tinham história de depressão maior. Estudando pacientes com transtornos depressivos, Sanderson et al5 relataram a ocorrência de fobia social em 27% dos distímicos e em 15% dos pacientes com depressão maior examinados.
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Tabela - Características clínicas de uma amostra de 250 fóbicos sociais primários (2) |
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Idade média (DP) anos: Sexo (%): Educação (%): Subtipo de fobia social (%): Duração média da doença (DP) anos: Idade média de início de doença (DP) anos:
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42,8 (9,3) masculino universitário generalizada 20,7 (5,8) 14,7 (6,8) |
74,0 68,4 68,0
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feminino 2° grau circunscrita
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26,0 31,6 32,0
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Comorbidade DSM-III-R (%): Eixo I
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Ansiedade generalizada Distimia secundária Transtorno de pânico Depressão maior Abuso de álcool |
17,2 18,4 11,2 29,6 24,0 |
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Eixo II |
Transtorno da personalidade esquiva Transtorno da personalidade dependente |
60,0 5,2 |
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Nunca havia feito tratamento anteriormente |
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66,8% |
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A existência de comorbidade traz implicações clínicas (diagnóstico, tratamento e prognóstico) e científicas (etiologia). A comorbidade entre fobia social e depressão tem conseqüências para o diagnóstico, o tratamento e o prognóstico da fobia social.2 Assim, se a depressão maior é uma complicação freqüente da fobia social, precisa-se investigar sistematicamente a presença desse transtorno de ansiedade em pacientes que se apresentam com quadro depressivo.
Os pacientes deprimidos freqüentemente restringem suas atividades sociais, o que geralmente se deve à perda de interesse, prazer ou disposição e não aos sintomas ansiosos, como os fóbicos sociais. Além disso, se o comportamento de esquiva social está presente apenas durante o episódio depressivo, demonstra que ele é provavelmente compatível com a constelação de manifestações relacionadas à própria depressão. Aimes et al6 relatam que os sintomas depressivos são comuns em 50% de sua amostra de fóbicos sociais. Munjack & Moss7 encontraram história de depressão em 1/3 de sua pequena amostra composta por 22 pessoas. Klein8 postula que os pacientes fóbicos em geral apresentam uma “síndrome geral de desmoralização”, responsável pelos sintomas distímicos.
Fobia social é atualmente reconhecida como um transtorno bastante incapacitante; entretanto, a maioria dos pacientes não procura tratamento. Isto também ocorre com a distimia, na qual um alto grau de incapacitação é acompanhado de ausência de tratamento. Adicionando os dois diagnósticos, certamente confronta-se com uma amostra que deve ser prontamente diagnosticada e tratada.
A depressão ocorre com freqüência em amostras clínicas de pacientes com transtornos de ansiedade. Barlow et al,3 analisando uma amostra de 292 pacientes ambulatoriais com transtornos de ansiedade, encontraram uma prevalência de depressão maior prévia em 30% dos casos. Essa taxa era de 38% nos pacientes com fobia social (n=48). Nos demais transtornos, a depressão maior prévia estava presente em 39% dos pacientes com ansiedade generalizada, em 29% daqueles com pânico e agorafobia, em 20% dos obsessivos e em apenas 9% dos pacientes com fobia simples.
Dada a sobreposição considerável das síndromes afetivas e ansiosas, tem surgido grande interesse em descrever e avaliar aspectos da sintomatologia que sejam exclusivos dessas duas síndromes. Stein et al4 observaram uma freqüência maior de depressão em pacientes com pânico do que em pacientes com fobia social. Examinaram retrospectivamente o curso longitudinal de 63 pacientes com fobia social e de 54 pacientes com transtorno do pânico e verificaram que significativamente menos pacientes com fobia social (35%) haviam experimentado pelo menos um episódio depressivo maior do que pacientes com transtorno do pânico (63%). Dos 22 pacientes com fobia social e história de depressão maior, 20 (91%) apresentaram seu primeiro episódio de depressão maior 13,2+/-7,9 anos após o início da fobia social (variação = 1-26 anos). Pacientes com fobia social generalizada e circunscrita apresentaram taxas comparáveis de episódios passados de depressão maior (37% e 30%, respectivamente). Apesar de mais comprometidos em termos de adaptação, os pacientes com fobia social apresentaram menor tendência para desenvolver depressão maior do que os pacientes com pânico. Isto poderia contradizer a idéia de que pacientes com transtornos de ansiedade desenvolvem depressão como uma conseqüência direta da desmoralização que experimentam pelo fato de viverem com ansiedade crônica e limitações fóbicas. Uma possível explicação para esses achados é que a fobia social (mesmo quando generalizada) ocorre em resposta a situações específicas e evitáveis. O fóbico social adapta a sua vida e seleciona oportunidades e eventos para ter uma mínima possibilidade de situações temidas. Também segundo os resultados de Stein,4 quanto ao comprometimento no trabalho e nas atividades sociais, 90% dos pacientes com fobia social apresentam-na de maneira moderada a grave, contra 65% dos pacientes com pânico.
Marques et al10 determinaram a freqüência de transtornos co-mórbidos em uma amostra de 135 pacientes com fobia social, diagnosticados na 3ª edição da Revista do Manual Diagnóstico e Estatístico da Associação Psiquiátrica Americana (DSM-III-R), e descreveram a relação funcional entre a fobia social e as diferentes comorbidades, pelo relato de dez casos. Os pacientes foram seguidos em estudos abertos de tratamento medicamentoso para fobia social com diferentes psicofármacos. Destes, 90 pacientes (66%) apresentaram pelo menos uma comorbidade no eixo I. Os diagnósticos mais comumente associados foram: depressão maior em 39 dos casos (28,8%), transtorno do pânico em 25 (18,51%), distimia em 23 (17%) e abuso/dependência de álcool em 19 (15,5%). Os diagnósticos de fobia simples, transtorno obsessivo-compulsivo, transtorno de ansiedade generalizada, dependência de outras substâncias psicoativas e anorexia nervosa estiveram presentes em menor número de pacientes. Os dados sugerem que a comorbidade com fobia social traz implicações para o diagnóstico (p. ex., alertar para a presença de fobia social em pacientes com abuso/dependência de álcool); para o prognóstico (p. ex., tornar mais favorável a evolução de pacientes com anorexia nervosa temporariamente secundária à fobia social) e para o tratamento (p. ex., na comorbidade entre fobia social e depressão maior, dar preferência ao uso de antidepressores como ISRS – inibidor seletivo da recaptação de serotonina – ou IMAO – inibidor da monoamino-oxidase). A comorbidade em psiquiatria, atualmente “diagnóstica” e “prognóstica”, gera repercussões relevantes para a prática clínica.
Conclusões
Fobia social é agora reconhecida como um transtorno altamente incapacitante. Entretanto, a maioria dos pacientes não procura tratamento. Isto também ocorre com a distimia, em que um alto grau de incapacitação é acompanhado de ausência de tratamento. Adicionando os dois diagnósticos, certamente se confronta com uma subamostra que deve ser prontamente diagnosticada e tratada.
A fobia social se apresenta freqüentemente associada a outros diagnósticos psiquiátricos, sendo a associação mais freqüente a depressão. Algumas hipóteses sobre a associação entre fobia social e depressão são: (1) a fobia social e a depressão são variantes de uma mesma doença que aparece em tempos diferentes; (2) o estado co-mórbido representa uma terceira entidade nosológica; e (3) a fobia social e a depressão são doenças distintas.
Referências
Volume 34, número 2 |
abr ·jun 2001 |