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Psiquiatria na prática médica  

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Centro de Estudos - Departamento de Psiquiatria - UNIFESP/EPM

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Os estados confusionais, de acordo com a Classificação de Transtornos Mentais e do Comportamento da CID-10, encontram-se na categoria diagnóstica de delirium, sendo definida como uma síndrome cerebral orgânica, caracterizada por prejuízo global das funções psíquicas devido ao ataque agudo e ao distúrbio difuso do metabolismo cerebral,desencadeando um quadro clínico onde predomina a perturbação da consciência.  O tratamento inicia-se com a correção da alteração sistêmica, além de procedimentos para atenuar o rebaixamento da consciência.


Diagnóstico e conduta dos estados confusionais

José Cássio do Nascimento Pitta

   


José Cássio do Nascimento Pitta

 

José Cássio do Nascimento Pitta

Professor Assistente do Departamento de Psiquiatria da Universidade Federal de São Paulo ( Unifesp/ EPM)

 

 

Correspondência
José Cássio N. Pitta
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04023-900 São Paulo, SP
Caixa Postal: 20207
Tel.: (0xx11) 3256-4891 (res.)
Tel.: (0xx11) 3255-1375 (cons.)
E-mail: pitta@psiquiatria.epm.br

 

O estado confusional é caracterizado por obnubilação da consciência (diminuição do grau da clareza de consciência, prejuízo da concentração, lentidão da compreensão, dificuldade de percepção e elaboração das impressões sensoriais), desorientação temporal e espacial, delírio onírico (assemelha-se ao sonho: vivo, dramático, alucinações visuais de conteúdo, muitas vezes, aterrorizantes) e prejuízo da memória, geralmente com amnésia lacunar posterior à remissão desse estado psíquico-patológico. O termo “estado confusional” não pode ser considerado um transtorno mental unicamente de origem neurobiológica, mas é, muitas vezes, uma síndrome mental orgânica, principalmente classificado na forma clínica de delirium.1

Síndrome confusional ou delirium é um transtorno mental que é causado e mantido por determinadas doenças sistêmicas que afetam o cérebro, apenas um dos múltiplos órgãos acometidos pela doença, não sendo, portanto, considerado um transtorno mental primário. As manifestações psicopatológicas não são específicas em relação à doença somática que a causou.2 Bonhoeffer (1910) descreveu as formas de reações exógenas, nas quais o mesmo agente etiológico poderia produzir sintomas psíquicos diferentes, assim como quadros clínicos semelhantes originariam a partir de diferentes agentes etiológicos, demonstrando dessa forma a universalidade e independência da natureza da doença orgânica subjacente.

Quadro clínico

O estado confusional é caracterizado pela presença de alteração aguda da consciência; tem início súbito, freqüentemente com duração máxima de oito dias e remissão completa. A prevalência em hospitais gerais varia entre 10% e 30% em pacientes idosos; e entre 10% – 40% e 20% – 30% em unidades de terapia intensiva.2

•   A alteração mais importante do estado confusional é o comprometimento da consciência, às vezes não se manifestando com muita evidência. O nível da consciência pode flutuar durante o dia, com piora freqüente à noite. Esse prejuízo é reconhecido pela desorientação temporal e espacial, alteração da consciência autopsíquica e perplexidade frente ao ambiente e a pessoas do convívio familiar. O paciente apresenta diminuição da concentração, assim como das respostas solicitadas. Em decorrência das flutuações, é necessário o exame várias vezes ao dia, para detectar as alterações das funções psíquicas.

•   A mudança do ciclo sono-vigília ocorre freqüentemente. Alguns pacientes podem permanecer sonolentos durante o dia e com intensa agitação à noite, apresentando dificuldade para manutenção do sono.

•   A memória apresenta-se prejudicada no registro de novas informações e para novos aprendizados, assim como no ato de recordar.

•   A psicomotricidade apresenta-se alterada, com a presença de hiperatividade ou lentidão psicomotora. Algumas vezes, observa-se movimentos estereotipados ou mutismo.

•   O humor encontra-se lábil e oscila com manifestações de ansiedade, irritabilidade e sintomas depressivos.

•   O pensamento é lento e incoerente em sua forma, tendo conteúdo precariamente elaborado, idéias de referência e delírios persecutórios transitórios pouco estruturados.

•   A sensopercepção pode estar comprometida, ocorrendo ilusões, distorções nas interpretações ou alucinações, sendo as mais comuns as visuais, as auditivas; as menos freqüentes são as tácteis.

•   A crítica em relação ao seu estado mórbido apresenta-se comprometida.

As características clínicas do estado confusional variam entre os pacientes e estão relacionadas aos traços de personalidade. Há duas principais formas de manifestação psicopatológica: o paciente apresenta-se agitado e hiperativo, com alucinações e delírios; e o paciente apresenta-se com lentidão psicomotora e letargia, em que é menos provável a presença de delírios e alucinações.

De acordo com a Classificação de Transtornos Mentais e do Comportamento da Classificação Internacional das Doenças – e 10ª edição (CID-10): em referência rápida,3 a categoria diagnóstica delirium (F05) é definida como uma síndrome cerebral orgânica etiologicamente não específica, caracterizada por perturbações simultâneas de consciência, atenção, percepção, pensamento, memória, comportamento psicomotor, emoção e ciclo sono-vigília. A duração é variável, e o grau varia de leve a muito grave. Essa categoria inclui: síndrome cerebral aguda ou subaguda; estado confusional (não alcoólico) agudo ou subagudo; síndrome psicoorgânica aguda ou subaguda; psicose infecciosa aguda ou subaguda; e reação orgânica aguda ou subaguda; porém exclui: delirium tremens, induzido por álcool ou não especificado (F10.4).

Critérios diagnósticos de delirium de acordo com a CID-10

A.  Há obnubilação de consciência, isto é, redução da claridade de percepção do ambiente, com capacidade reduzida de focar, manter a atenção.

B.  A perturbação de cognição é manifestada por ambos:

        (1) comprometimento das memórias imediata e recente, mas com memória remota relativamente intacta;

        (2) desorientação temporal, espacial e pessoal.

C.  Pelo menos uma das seguintes perturbações psicomotoras está presente:

        (1) mudanças rápidas e imprevisíveis de hipo a hiperatividade;

        (2) tempo de reação aumentado

        (3) aumento ou diminuição do fluxo da fala;

        (4) intensificação da reação de susto.

D.  Há perturbação do sono ou do ciclo sono-vigília manifestada por pelo menos um dos seguintes:

        (1) insônia, a qual pode, em casos graves, envolver perda total do sono, com ou sem sonolência diurna, ou inversão do ciclo sono-vigília;

        (2) piora noturna dos sintomas;

        (3) sonhos perturbadores e pesadelos, os quais podem continuar como alucinações ou ilusões após o despertar.

E.  Os sintomas têm início rápido e mostram flutuação ao longo do dia.

F.  Há evidência objetiva a partir da história, exame físico e neurológico e testes laboratoriais de uma doença cerebral ou sistêmica subjacente (outra que não relacionada a substância psicoativa) que possa ser presumida como responsável pelas manifestações clínicas nos critérios A-D.

Etiologia

Existem várias causas intracranianas e extracranianas relacionadas aos estados confusionais. As principais seguem-se:

1.  endócrinopatias: hipotiroidismo, hipertiroidismo, doença de Addison, síndrome de cushing;

2.  metabólicas: hipoglicemia, hiperglicemia, distúrbios hidroeletrolíticos, insuficiência renal e hepática;

3.  intoxicações: álcool, cocaína, benzodiazepínicos, corticosteróides, anticolinérgicos, levodopa, metildopa, opiáceos, digoxina, diuréticos, anti-histaminícos, cannabis, estimulantes, solventes, mercúrio, chumbo, magnésio, monóxido de carbono;

4.  abstinências: álcool, benzodiazepínicos, barbitúricos, anfetamínicos;

5.  vasculares: insuficiência cardíaca, infarto do miocárdio, encefalopatia hipertensiva, arterites cerebrais, ataques isquêmicos transitórios.

6.  infecções: sífilis, tuberculose, Aids, toxoplasmose, citomegalovirus, mononucleose, broncopneumonia, endocardites, encefalites, infecções urinárias;

7.  lesões que ocupam espaço: tumores do SNC, metástases, hematoma subdural, aneurismas, abscessos cerebrais, hidrocefalia;

8.  nutricionais: deficiência de vitaminas (tiamina, cianocobalamina, ácido fólico, ácido nicotínico);

9.  doenças auto-imunes: lúpus eritematoso, vasculites;

10. epilepsias: convulsões psicomotoras, estado pós-ictal.

Não são todos os pacientes com as condições acima citadas que desenvolvem delirium. Alguns fatores favorecem o aparecimento do quadro em crianças, pacientes acima de 60 anos, pessoas com história anterior de abuso de substâncias psicoativas ou de traumatismo craniano, com privação de sono, e privação ou hiperestimulação sensorial.2

Exames laboratoriais e complementares

Para determinar a origem do quadro clínico de delirium, deve-se complementar a anamnese – exame físico, neurológico e psíquico – com os seguintes exames laboratoriais:

1.  hemograma completo;

2.  urina I;

3.  exames bioquímicos: sódio, potássio, magnésio, uréia, creatinina, glicose, cálcio, eletroforese de proteínas, função hepática, tireoidiana e adrenal;

4.  VHS;

5.  screening para drogas;

6.  gasometria;

7.  pesquisas sorológicas: sífilis (VDRL, FTA-ABS), HIV;

8.  T3; T4; TSH

9.  exame de liquor;

10. eletroencefalograma;

11. eletrocardiograma;

12. tomografia computadorizada de crânio;

13. ressonância magnética de crânio;

14. raios X de tórax

Diagnóstico diferencial

O diagnóstico diferencial deve ser feito principalmente com os seguintes transtornos mentais:

1.  esquizofrenia: o início tende a ser mais insidioso, embora a vivência delirante primária ou humor delirante apresentem, muitas vezes, uma certa perplexidade, não ocorre rebaixamento do nível de consciência, e a orientação temporal e espacial geralmente está conservada, exceto quando secundária à estruturação do delírio. As alucinações são geralmente auditivas, e as visuais, quando ocorrem, não têm o caráter onírico ou aterrorizante dos quadros confusionais. O quadro clínico é mais estável sem flutuações durante o dia;

2.  episódio maníaco: a fase inicial pode apresentar uma alteração da consciência, geralmente de forma menos intensa. O humor exaltado e irritável, assim como agitação psicomotora é mais estável, quando comparado aos estados confusionais;

3.  transtornos dissociativos: apresentam alteração da consciência, freqüentemente com ausência de perplexidade perante à desorientação temporal, espacial e autopsíquica. As manifestações psicopatológicas não pioram durante a noite, e não ocorrem alterações do ciclo sono-vigília. Esses transtornos predominam em adultos jovens, com história mais evidente de conflitos nas relações interpessoais. Alguns quadros dissociativos são muito semelhantes aos estados con-fusionais de origem orgânica, sendo o diagnóstico somente elaborado após a confirmação da ausência de alterações sistêmicas, a partir do exame físico e exames complementares acima descritos.

4.  síndromes demenciais: o início do quadro clínico é insidioso, com prejuízo progressivo da memória de fixação, precedendo a outras alterações psicopatológicas. As alterações da consciência são mais raras e, geralmente, ocorrem nos estágios mais avançados. A demência de origem vascular apresenta estados confusionais com características clínicas de delirium.

Tratamento

O tratamento inicia-se com a identificação do agente etiológico e conseqüente correção da alteração sistêmica de base. Alguns procedimentos são necessários para atenuar o rebaixamento da consciência e criar condições de segurança até que a patologia somática seja estabilizada.4

Medidas gerais

1.  O paciente deve permanecer em um ambiente o mais tranqüilo possível, com iluminação adequada e evitar o excesso de estímulos sensoriais;

2.  a higiene e alimentação devem ser assistidas;

3.  os membros da equipe devem se identificar e explicar cada procedimento, além de evitar mudanças constantes desses profissionais. A presença de familiares, assim como informações sobre seu estado podem ser úteis para ajudar a diminuir a perplexidade do paciente, decorrente da dificuldade em reconhecer o ambiente;

4.  para reduzir a desorientação temporal e espacial deve-se repetir várias vezes local onde o paciente se encontra e a data exata.

Tratamento farmacológico

1.  A utilização de sedativos deve ocorrer somente na presença de agitação psicomotora, agressividade ou intensa ansiedade;

2.  deve-se evitar as medicações que prejudiquem o rebaixamento de consciência;

3.  a escolha também depende da etiologia do estado confusional, das interações com outras medicações utilizadas e das interferências nas alterações metabólicas.

Os neurolépticos e benzodiazepínicos são os mais utilizados.

1. Neurolépticos

Os neurolépticos são freqüentemente o tratamento farmacológico de escolha.

O haloperidol, em baixas doses, é o mais indicado por apresentar baixos efeitos anticolinérgicos e pequena probabilidade de causar sedação ou hipotensão. A dose empregada para adultos é de 1 mg - 2 mg a cada 2 a 4 horas quando necessário; em idosos de 0,25 mg - 0,5 mg a cada 4 horas.

Os neurolépticos com altos efeitos anticolinérgicos devem ser evitados (clorpromazina e thioridazina). Esses pacientes devem  ser avaliados com eletrocardiograma, e observado o possível aumento do intervalo QTc.

Os neurolépticos também podem desenvolver sintomas extrapiramidais, discinesia tardia e síndrome neuroléptica maligna. Nas doses indicadas, raramente ocorrem galactorréia, elevação das enzimas hepáticas e diminuição do limiar de convulsão.

Os neurolépticos de segunda geração (olanzapina e risperidona) também têm sido utilizados.

2.  Benzodiazepínicos

O uso de benzodiazepínicos geralmente é reservado aos quadros de abstinência de álcool ou de benzodiazepínicos.

Em outras condições específicas, também pode ser útil o seu emprego, como anticonvulsivante ou quando a acatisia e outros efeitos anticolinérgicos são exacerbados, decorrente do uso do neuroléptico.

Pacientes que somente toleram baixas doses de neurolépticos podem se beneficiar com a associação de benzodiazepínicos e neurolépticos.

Os benzodiazepínicos de relativamente curta ação e com metabólitos não ativos são indicados (lorazepam 3 mg/dia-6 mg/dia).

Alguns efeitos colaterais podem decorrer de sua utilização, como sedação, amnésia, ataxia, inquietação paradoxal e insônia. Pacientes idosos têm maior probabilidade de apresentar esses efeitos.

Algumas deficiências de vitaminas são descritas como causa de estados confusionais. Alguns pacientes apresentam deficiência de vitamina B, os quais deveriam receber reposição de multivitaminas. A eletroconvulsoterapia (ECT) pode ser indicada em alguns estados confusionais, principalmente os subagudos.4

Referências

  1. Postel J. Dictionnaire de psychiatrie et de psychopatologie clinique. Paris: Larousse; 1993.
  2. Gelder M, Gath D, Mayou R. Concise Oxford textbook of psychiatry. Oxford: Oxford University Press; 1994.
  3. Organização Mundial da Saúde. Classificação de Transtornos mentais e de comportamento da CID-10: referência rápida. Porto Alegre: Artes Médicas; 1997.
  4. American Psychiatric Association. Practice Guidelines for the treatment of psychiatric disorders: compedium 2000. 1st ed. Washington (DC): American Psychiatric Association; 2000.

 

capa

arrow22c.giftopo

Volume 34, número 4

2001/2002

Última atualização: