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Boletim CEBRID
Número 49 Julho, Agosto, Setembro 2003

Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas

PUBLICAÇÕES E EVENTOS CIENTÍFICOS

3. Reunião sobre: Redução de Danos e Tratamentos de Substituição - Realizado na UNIFESP - 8 de agosto de 2003

O tema redução de danos vem crescendo em importância nos últimos anos, chegando a ponto de ter entrado nas discussões políticas por ocasião de mudança do Governo Brasileiro em Janeiro de 2003.

Em vista disso, o CEBRID tem a satisfação de reproduzir os resumos sobre o assunto apresentados pelas entidades e pessoas, que participaram do evento; foram elas (de acordo com o programa):

• Universidade de Washington (Alan Marlatt representado por Beatriz Carlini-Marlatt) • Visão internacional (E. A. Carlini, CEBRID).

Posicionamento da: • ABEAD (Ronaldo Laranjeira, Ana Cecília Marques e João Carlos Dias) • REDUC (Giselda Turienzo, Rui Palhano, Edward MacRae e Mônica Gorgulho) • Instituto de Psiquiatria da USP (Arthur Guerra de An-
drade, André Malbergier e Sandra Scivoletto) • ABORDA (Marcelo Araújo Campos, Sueli Santos e Cristina Bristes) • Instituto de Psiquiatria da UFRJ (Marcelo Santos Cruz, Ana Cristina Saad e Salette M.B. Ferreira) • Coordenação DST/AIDS _ MS (Denise Doneda, Denise Gandolfi e Carla Silveira) • UNIFESP-EPM (Ana Cecília Marques, Fernanda Moreira e Marcelo Ribeiro) • PUC _
Paraná (Dagoberto Hungria Requião, Andréa Caroline Stachon e Beatriz Carlini-Marlatt) • ABP (João Carlos Dias, Sandra Scivoletto e Cláudio Jerônimo da Silva).

Um volume especial do Jornal Brasileiro de Psiquiatria será brevemente publicado trazendo o posicionamento completo das entidades acima mencionadas. Neste presente número do Boletim CEBRID temos a satisfação de publicar os respectivos resumos.

Posicionamento de Alan Marlatt (according to Harm Reduction Coalition, 1996)

Principles of Harm Reduction - "Harm reduction is a set of practical strategies with the goal of meeting drug users "where they are at" to help them to reduce any harms associated with their drug use. Because harm reduction demands that intervention and policies designed to serve drug users reflect specific individual and community needs, there is no universal definition of or formula for implementing harm reduction. However, the Harm Reduction Coalition considers the following principles central to harm reduction practice. Harm Reduction:

• Accepts, for better or worse, that licit and illicit drug use is part of our world and chooses to work to minimize its harmful effects rather than simply ignore or condemn them.

• Ensures that drug users and those with a history of drug use routinely have a real voice in the creation of programs and policies designed to serve them, and both affirms and seeks to strengthen the capacity of people who use drugs to reduce the various harms associated to their drug use.

• Understands drug use is a complex, multi-faceted phenomenon that encompasses a continuum of behaviors from severe abuse to total abstinence, and acknowledges that some way of using drugs are clearly safer than others.

• Establishes quality of individual and community life and well-being - not necessarily the cessation of all drug use - as the criteria for successful interventions and policies.

• Calls for the non-judgmental, non-coercive provision of services and resources to people who use drugs and the communities in which they live in order to assist them in reducing attendant harms.

• Recognizes that the realities of poverty, class, racism, social isolation, past trauma, sex-based discrimination and other social inequalities affect both people's vulnerability to and capacity for effectively dealing with drug-related harms.

• Does not attempt to minimize or ignore the many real and tragic harms associated with licit and illicit drug use. 1. Harm Reduction a public Health Alternative to the Moralistic and Disease Models of Drug use and Addiction. 2. Harm reduction recognizes abstinence as an ideal outcome but accepts alternatives that reduce harm. 3. Harm reduction has emerged primarily as a "bottom-up" approach based on addict advocacy, rather than a "top-down" policy promoted by drug policy makers. 4. Harm reduction promotes low-threshold access to services as an alternative to traditional, high-threshold approaches. 5. Harm reduction is based on the tenets of compassionate pragmatism versus moralistic idealism.

Harmful behavior happens - it always has, and it always will. Once this premise is accepted, the goal becomes one of compassionate pragmatism:
What can be done to reduce the
harm and suffering for both the individual and society? Pragmatism does not ask whether the behavior is right or wrong, good or bad, sick or well. Pragmatism is concerned with the management of everyday affairs and actual practices, and its validity is assessed by practical results.

Visão Internacional sobre Redução de Danos (RD) _ E. A. Carlini

O uso pelo homem de drogas que levam ao abuso e dependência está sob o controle de quatro órgãos das Nações Unidas: Organização Mundial da Saúde (OMS), Comissão de Drogas Narcóticas (CND), Escritório para (o estudo de) Drogas e Crime (UNODC) e Conselho ou Junta Internacional de Controle sobre Narcóticos (INCB). Este último tem por função vigiar para que os países sigam as diretrizes das três Convenções Internacionais sobre Drogas (de 1961 sobre Narcóticos, de 1971 sobre Psicotrópicos e de 1988 sobre Precursores Químicos).

Estes quatro órgãos assim opinam sobre a técnica de redução de danos: • é uma técnica de prevenção terciária apenas, e como tal tem seu papel útil; • não deve ser confundida com a legalização do uso de drogas e não deve ser utilizada como argumento para tentar descriminalizar ou legalizar o uso de drogas; • deve ser aplicada apenas para usuários "fim de linha" e que estão fora do alcance dos sistemas de saúde; • é neutra sobre a questão da moralidade ou ética de distribuir drogas ou utensílios de uso para os usuários seriamente envolvidos com a dependência; • o ideal teórico a ser atingido seria a abstenção do uso mas reconhecem que este objetivo é difícil de ser atingido por um grande número de dependentes; • aceitam a aplicação de RD em ambientes nos quais a administração de drogas (de qualidade adequada) é supervisionada por pessoal da saúde; • não aceitam as chamadas salas de injeção e as salas de inalação, nas quais drogas obtidas ilicitamente pelos dependentes, sem controle de qualidade, são auto-administradas.

Posicionamento da ABEAD/ABP

Apresentamos aqui as duas recomendações/conclusões finais.

A redução de danos deve ser considerada como uma das possíveis estratégias de abordagem ao tratamento e prevenção do uso de drogas. Desta forma, há que se tornar explícitas suas indicações e seu público-alvo. Entretanto, algumas questões permanecem pouco claras: (1) O foco das estratégias de redução de danos está em nível pessoal ou social? Ou como se dá essa ponderação entre o que é bom para o indivíduo ou para a sociedade? (2) Sabendo pelas evidências que a dependência é um dano à saúde, estaria o profissional eticamente autorizado a não informar o paciente sobre os riscos de uso da droga e não deixar claro que a meta ideal é a abstinência? (3) Para qual público de usuários as políticas de redução de danos se voltam e como identificá-lo?

Finalmente, a ABP e ABEAD sugerem, fortemente, a realização de um Consenso Nacional, com a participação de todas as entidades representativas, para a discussão ampla e científica do tema com a finalidade de serem estabelecidas metas, prioridades, bem como o esclarecimento de conceitos dúbios e protocolos de atuação.


Posicionamento da REDUC
(Rede Brasileira de Redução de Danos)

A REDUC acredita que a questão das drogas deve ser entendida de maneira ampla, que inclua os aspectos sociais, políticos e econômicos, ao lado daqueles que enfocam a saúde em sentido estrito. Similarmente, riscos e danos devem também ser entendidos de maneira ampla, cuidando-se para não impor definições demasiadamente estritas sobre o que seja redução de danos. A redução de danos deve ser baseada em uma abordagem simpática, isenta de moralismo e centrada num trabalho comunitário que, embora possa propor novos padrões e modos de uso, reconheça a importância da escala de valores do usuário e de seu saber sobre drogas.

Embora favorável em princípio a tratamentos de substituição e de manutenção, consideramos que na ausência de um uso de heroína porte significativo no Brasil, restam ainda neste país muitas questões a serem abordadas sobre o tema. Quanto ao tratamento de substituição, o presente estado de ilegalidade e intolerância legal e cultural em relação ao uso da Cannabis vem impossibilitando a continuação de estudos sobre sua aplicabilidade como substituto de crack.

Uma das medidas mais importantes a serem tomadas seria a descriminalização do uso de drogas e a discussão ampla, informada e democrática de medidas alternativas de controle da oferta dessas substâncias.

Unitermos: redução de danos, tratamento de substituição, tratamento de manutenção, descriminalização, crack, Cannabis, heroína, metadona.

Posicionamento do Departamento e Instituto de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP

O modelo de redução de danos vem sendo discutido intensamente em vários países do mundo, entre os quais o Brasil. Este estudo, através de uma revisão de artigos listados no MEDLINE, pretende embasar parecer do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo sobre o tema. Observou-se que existem evidências suficientes na literatura para se considerar o modelo de redução de danos, baseado em programas de intervenção comunitária, acesso a seringas estéreis e a tratamento, eficaz como estratégia de prevenção da infecção do HIV em usuários de drogas injetáveis em vários países do mundo. O modelo de redução de danos vem sendo estudado com resultados promissores em projetos destinados a reduzir danos associados ao uso excessivo de álcool em populações específicas. O uso do modelo em outras situações ainda necessita evidência empírica.

Unitermos: redução de danos, HIV, drogas, álcool.

Posicionamento da ABORDA (Associação Brasileira de Redutores de Danos)

A Aborda entende redução de danos como movimento social para a busca de um estado de maior bem estar social para todos, usuários ou não de drogas legais ou ilegais. As terapias de substituição (TS) são naturalmente entendidas como parte do repertório de ações de redução de danos, ao transigir com o uso de drogas e não ter como meta única a abstinência. Sua implantação no Bra
sil para drogas ilícitas _ principalmente cocaína e maconha _ demanda desconstrução das atitudes "antidrogas", inclusão e normatização da redução de danos e das TS na rede SUS e reordenamento da política nacional de drogas. Nesse sentido a Aborda pode ser um ator importante para a discussão dos marcos teóricos e da sua operacionalização em campo, além da necessária atuação de controle social e
advocacy em defesa dos direitos das pessoas que usam drogas. Dado o enorme prejuízo que a atual perseguição penal das pessoas que usam drogas ilícitas implica para elas e para a sociedade em geral, soa pouco efetivo reduzir as terapias de substituição (ou a redução de danos em geral) a atos de promoção da saúde stricto sensu, sendo imprescindível incluir nas discussões da sua apropriação pelo SUS alternativas para a necessária regulamentação, em algum grau, da produção, comércio e consumo dessas drogas. O melhor efeito que a implantação das TS poderia trazer seria a substituição do discurso e atitude antidrogas por um novo paradigma de maior inclusão social e tolerância.

Posicionamento da UFRJ

O Instituto de Psiquiatria da UFRJ é favorável à utilização das estratégias de redução de danos na abordagem dos problemas relacionados ao uso indevido de álcool e outras drogas no Brasil. Pelos motivos expostos, deve-se afirmar que admitir a impossibilidade imediata de uma sociedade "livre de drogas" é assumir, de forma responsável, o papel que cada um tem no tratamento da dependência de drogas, tratamento este adequado a cada indivíduo, suas necessidades e possibilidades. Investir em políticas públicas de prevenção e tratamento coerentes com a realidade do país e da sociedade é abordar de forma coerente os problemas relacionados ao uso de drogas. Privilegiar as ações repressivas, responsabilizar as substâncias e aqueles que as utilizam pelos problemas encontrados e estigmatizar usuários como moralmente criminosos ou doentes são formas parciais e preconceituosas de se enfrentar o problema do uso de drogas, propostas não endossadas pelas estratégias de redução de danos.

A política do Ministério da Saúde para Atenção Integral a Usuários de Álcool e Outras Drogas

Os desafios colocados pela realidade contemporânea exigem esforços para construção de políticas públicas de atenção à saúde. Historicamente, a questão sobre a temática droga foi vista, exclusivamente pela ótica predominantemente psiquiátrica ou médica. O uso e/ou abuso e/ou dependência de álcool e outras drogas representa um problema que é do âmbito da saúde pública, que pressupõem necessária interface com outros programas do Ministério da Saúde, outros Ministérios (Justiça, Educação, Secretaria de Direitos Humanos), organizações governamentais e não governamentais e demais representantes da sociedade civil organizada, garantindo assim a intersetorialidade na construção de uma política de prevenção, tratamento e de educação para o uso/consumo de álcool e outras drogas. Entendemos que sobre este tema há um predomínio da heterogeneidade, já que afeta diferentes pessoas de diferentes maneiras, por diferentes razões, em dife
rentes contextos e circunstâncias. As ações de saúde devem atender às diferentes especificidades (isto é eqüidade, universalidade e integralidade do SUS); apresentadas pelo consumidor. Portanto, para que esta política de saúde seja coerente, eficaz e efetiva, devemos ter em conta que as distintas estratégicas são complementares: o retardo do consumo de drogas, a redução de danos associada ao consumo e a superação do consumo; são elementos fundamentais na construção desta.

Posicionamento da UNIFESP/EPM

Na Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) existem vários grupos que atuam na área de uso abusivo e dependência de álcool e outras drogas, nas áreas de pesquisa, formação de recursos humanos e assistência. Vinculada ao Departamento de Psicobiologia, há a Disciplina de Medicina e Sociologia do Abuso de Drogas (DIMESAD), criada a partir da união de dois setores: o CEBRID (Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas) e a UDED (Unidade de Dependência de Drogas). Vinculados ao Departamento de Psiquiatria, encontram-se os setores PROAD (Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes) e a UNIAD (Unidade de Atendimento a Dependentes).

Durante a fase de preparação da reunião várias discussões ocorreram nestes setores, sem que existisse um consenso sobre a questão.

Posicionamento da PUC do Paraná

Redução de Danos - uma Abordagem de Saúde Pública. O presente artigo aborda a visão de redução de danos (RD) endossada pelo IPAD (Instituto Prevenção e Atenção às Drogas), reconhecendo a falta de uma definição universal do termo. Para o IPAD, a RD é uma abordagem útil para minimizar as conseqüências de diversos comportamentos de risco, principalmente na área do abuso de substâncias psicoativas. O presente artigo caracteriza RD e a diferencia da abordagem de algumas visões simplistas e maniqueístas erroneamente identificada com a mesma.

Segundo o IPAD, cinco pontos devem ser enfatizados quando se define redução de danos: a RD é uma alternativa de saúde pública para os modelos criminal e de doença; a RD reconhece a abstinência do uso de substâncias como ideal, mas aceita alternativas intermediárias; a RD é uma abordagem que incentiva e incorpora a participação daqueles que sofrem com o abuso de substâncias (abordagem de "baixo para cima"), baseia-se no pragmatismo empático, em oposição ao idealismo moralista e promove acesso a serviços de saúde de "baixa exigência".

Finalmente, o IPAD rejeita a identificação de RD com legalização de drogas ilegais, defende a inclusão de drogas legalizadas na sua abordagem (como álcool e tabaco) e critica tentativas de incluir ações de RD em grupos sociais que não se adequam a abordagem, como é o caso de alunos do ensino elementar, grupos de baixo risco ao uso de substâncias ou mensagens veiculadas universalmente, via meios de comunicação de massa.

O artigo é concluído apresentando-se dados norte-americanos recentes, documentando a dificuldade de se conseguir apoio para projetos de pesquisa que se dedicam a entender comportamentos de risco não promovidos pelo status quo.

 


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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA
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