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Número 38
Setembro 1999

Centro Brasileiro de Informações
sobre Drogas Psicotrópicas


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REPRESSÃO

    7. Exame toxicológico compulsório nas Escolas! Uma maneira no mínimo desastrosa de tentar impedir o uso de drogas nas Escolas!

O CEBRID já havia se posicionado no passado contra a idéia de controlar o uso de drogas através de exames compulsórios de urina (ou outros processos) nos locais de trabalho e até em escolas. As nossas notas: Item 16 (Boletim CEBRID nº 5 de Junho/91); Itens 15, 16 e 17 (Boletim CEBRID nº 6 de Setembro/91), atestam a nossa ojeriza a tal procedimento desrespeitoso e indigno.
Pois bem, é com grande satisfação que reproduzimos abaixo a magnífica Nota Conjunta da SENAD e do MEC à respeito de recentes tentativas de se adotar tão esdrúxulo procedimento no Brasil:
“Ultimamente, tem suscitado enorme interesse da imprensa, notícias sobre o projeto de lei de autoria do deputado Edison Andrino, que é de fevereiro de 1998, mas, em outros momentos, iniciativas semelhantes têm surgido, como uma recente proposta apresentada pelo deputado Carlos Gondim, à Assembléia Legislativa de São Paulo. A preocupação da sociedade com o problema das drogas, hoje em dia, é muito grande, e no governo também, pois saímos de uma posição defensiva e reativa, de discussões pouco eficazes e da ação policial punitiva, para uma postura mais pró-ativa com a criação da Secretaria Nacional Antidrogas – SENAD. A criação da SENAD é o resultado de uma ampla reflexão sobre o tema, e a legislação brasileira sobre este assunto é antiga e variada. Em 1938, pelo Decreto Lei 891, de 25 de novembro, já criava um sistema de fiscalização de entorpecentes e, depois de muitas outras normas legais de âmbito nacional ou local, menos ou mais abrangentes, em 1964, o decreto 54.216 aprovava a Convenção Única sobre Entorpecentes.
Contudo, da década dos sessenta para os dias atuais, as drogas tornaram-se um problema mundial e muitas outras normas legais surgiram, 18 leis, e 42 outros atos legais – Decretos, Instruções Normativas, Resoluções – culminando com a edição da Medida Provisória nº 1713, de 1º de setembro de 1998 e a de nº 1689-4, de 25 de setembro de 1998, que criou o novo Conselho Nacional Antidrogas e a Secretaria Nacional Antidrogas, na estrutura da Casa Militar da Presidência da República.
A responsabilidade dos governos com o problema das drogas levou também o Brasil a assinar diversos tratados bilaterais ou multilaterais, que procuram, na cooperação internacional, a melhor estratégia de combate à produção, ao tráfico e ao consumo de precursores químicos e substâncias químicas.
Portanto, dada a atualidade do tema, é natural que a sociedade se movimente, se organize, tome iniciativas e acompanhe com interesse a ação do Estado.
Entretanto, essas iniciativas da sociedade e do Estado não podem ferir princípios e fundamentos do direito e, especialmente, a ordem constitucional. A Lei Maior estabelece em seu art. 227 que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar direitos à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, ... colocando-os a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
Na mesma linha, a regra contida no Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, ratifica esse entendimento e estabelece punições para qualquer atentado aos seus direitos. Entre os direitos preservados pela Constituição Federal está o da reserva da intimidade e o da vida privada, não admitindo a obtenção de provas, por meios ilícitos, pois repugna a idéia de que um constrangimento infligido à pessoa, possa servir de prova contra ela mesma (grifo nosso).

Do ponto de vista educativo, deve-se considerar que a medida com certeza reforçará atitudes de discriminação que em muito já existem e não contribuem em nada com a educação preventiva do uso de drogas. Os jovens vivem muitas experiências associadas às drogas: ouvem e vêem pessoas que consomem drogas (tanto as ilícitas quanto as de abuso) e que apregoam o prazer que proporcionam; sentem-se curiosos e têm reiteradamente o desafio de recusar, de dizer não às drogas. Precisam aprender a não se deixarem levar.
As diferentes experiências educativas indicam que o caminho da discriminação e da penalização individual não surtem resultados. É preciso ao contrário, trabalhar com os adolescentes e jovens de modo claro e sistemático para que possam assumir com autonomia o cuidado de si e a recusa a hábitos e atitudes prejudiciais à saúde, mesmo quando fazem parte das práticas valorizadas por grupos sociais de referência. Por isso a escola, em parceria com as famílias precisa ajudá-los proporcionando informações corretas, o desenvolvimento de sua autonomia de pensamento e ação e de sua auto estima, para que possam resistir às pressões sociais que existam em seu meio e para que sua recusa ao consumo possa ser consciente: uma tomada de decisão forte e duradoura. E também, por que não, para que possam ter uma atitude solidária de cuidado com seus companheiros.
Um trabalho educativo consistente não deve se ater à tematização restrita do problema das drogas, mas tratar a questão no âmbito das diferentes situações de risco presentes na vida dos jovens, do auto-cuidado, da valorização pessoal e da construção da identidade e de seu projeto de vida, para o que é essencial uma atitude de acolhimento dos jovens, de suas formas de expressão, de seus problemas e situações que vivem.
O tratamento pedagógico específico será o de trabalhar com clareza e coerência as regras e limites da escola, oferecer informações corretas, promover a reflexão e o diálogo sobre o abuso e a dependência, sobre as situações críticas de risco e de perda da liberdade (da mesma liberdade cuja busca tenha sido a motivação inicial para o consumo da droga); assim como sobre o problema social que a comercialização ou tráfico e o uso de drogas representa.
Em relação ao trabalho com as famílias, a escola pode e deve promover encontros para aprofundamento da compreensão dessa e de outras questões sociais e traçar encaminhamentos comuns e complementares, de modo a potencializar a ação educativa de ambas.
Do ponto de vista da tarefa que cabe a escola desempenhar, os resultados dos exames propostos pelo projeto em questão, em nada acrescentariam. Um resultado de exame toxicológico positivo ou negativo, não seria indicação suficiente para nenhuma medida concreta, salvo se associado a uma avaliação bastante complexa da criança ou do adolescente, individual e social, realizada por equipe especializada. E caso essa avaliação fosse feita, o exame, em si mesmo, tornar-se-ia supérfluo.”


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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SÃO PAULO
ESCOLA PAULISTA DE MEDICINA
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