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Número 36
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sobre Drogas Psicotrópicas


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    PUBLICAÇÕES E EVENTOS CIENTÍFICOS

01. Uma história emocionante: a pesquisa que leva ao prêmio Nobel

Robert Furchgott ganhou o prêmio Nobel de Medicina 1998, por seus trabalhos que levaram à descoberta do importante papel do óxido nítrico em nosso organismo, inclusive no sistema nervoso central.
Esta caminhada científica foi acompanhada muito de perto, pelo casal Aron e Neyde Jurkiewicz, ambos professores de Farmacologia da UNIFESP/EPM (Universidade Federal de São Paulo/Escola Paulista de Medicina).
O Prof. Aron Jurkiewicz teve a gentileza de escrever para o nosso Boletim esta pequena nota a respeito:
“O escritor Horace Walpole, em seu conto intitulado “The three princes of Serendip”, criou o tempo “serendipity”, para descrever a aptidão que tinham seus três personagens da ilha de Serendip, que é o atual Sri Lanka, em fazer descobertas ao acaso. A história recente dos descobridores do papel fisiofarmacológico do óxido nítrico, cujo principal envolvido é Robert Furchgott, ganhador do Prêmio Nobel de Medicina de 1998, tem todas as características de “serendipity”.
Tive a sorte, juntamente com Neide Hyppolito Jurkiewicz, de poder trabalhar com Furchgott, na Universidade Estadual de Nova York, no Brooklyn, nos anos 1972-1973. Estudávamos os receptores beta-adrenérgicos e o modo pelo qual a interação de drogas com esses receptores era alterada por um fenômeno conhecido por captação extra-neuronal, ainda pouco investigado naquela ocasião. Para esses experimentos, usávamos tiras de traquéia, que se relaxam por ação da isoprenalina, salbutamol e de outros agonistas beta-adrenérgicos. Algumas vezes, chegamos a usar tiras de aorta, que também se relaxavam por ação dos agonistas beta. Esses experimentos eram muito simples. O único problema técnico é que a traquéia e a aorta só se relaxavam se fosse produzido antes um tonus com acetilcolina ou com outro agonista colinérgico como o carbacol. Nossa volta ao Brasil não impediu que continuássemos mantendo contato não somente com Furchgott, mas também com os farmacologistas que naquela época trabalhavam em seu Departamento, como Kirpekar, Kao, Arun e Teruna Wakade, Walter Dixon, Odd Steinslad e Antonio Garcia, que é hoje catedrático na Universidade Autônoma de Madrid e líder de um grupo com o qual mantemos estreita colaboração científica.
Em certa ocasião, nos idos de 1978, soubemos que David, um técnico de Furchgott, ao montar uma preparação de aorta para o estudo de receptores beta-adrenérgicos, verificou que o carbacol, ao invés de produzir contração, produzia relaxamento. Pensou-se logo em algum erro e, após exaustivas repetições, Furchgott descobriu que as contrações só eram obtidas quando se retirava a camada de células endoteliais da aorta; quando essas células eram preservadas, o carbacol ou a acetilcolina produziam relaxamento, o que levou o pesquisador a propor, em 1982, que a acetilcolina liberava, do endotélio, uma substância inibitória, que chamou de Fator Relaxante Derivado do Endotélio, que ficou conhecido por sua abreviação inglesa EDRF. Em uma revisão histórica, intitulada “The Discovery of Endothelium-Dependent Relaxation” publicada na revista Circulation (vol. 87, supl. V, p. 3-8, 1993), Furchgott descreveu com minúcias estes experimentos iniciais. Nessa revisão, resumiu também alguns de nossos experimentos com receptores beta-adrenérgicos, referidos acima.
Em 1984, Furchgott passou alguns dias em nosso laboratório, na ocasião em que Antonio Garcia também se encontrava na Escola Paulista de Medicina. Lembro-me de um fim de semana em meu sítio, quando sentados na varanda, ouvíamos Furchgott descrever despretenciosamente seus últimos experimentos. Falou de resultados de seus colaboradores John Zawadzki, Peter Cherry, Desmigarao Jothianandan, Willian Marty e da brasileira Maria Helena Catelli de Carvalho, que estavam ajudando a desvendar a natureza desse fator relaxante. E o bate-papo continuava, regado a caipirinha, sem que ninguém, talvez com exceção de Furchgott, percebesse o alcance desses resultados. Jamais poderíamos imaginar que estávamos vivendo o delineamento do caminho que levaria ao Prêmio Nobel.
Em 1986, os grupos de Vanhoutte e de Moncada fizeram importantes estudos sobre a inativação do EDRF. Praticamente ao mesmo tempo, Murad e Ignarro, que também foram laureados com o Prêmio Nobel, verificaram que vasodilatadores como a nitroglicerina e o próprio NO produziam relaxamento do músculo liso por ativar a síntese de GMP cíclico. Naquela época, Furchgott fez uma série de experimentos para comparar os efeitos do EDRF com os do NO. Por coincidência, também em 1986, tanto Furchgott como Ignarro, independentemente, propuseram, em um Simpósio, que o EDRF e o NO eram a mesma substância. Os resultados desse simpósio só foram publicados em 1988. Nesse mesmo ano, Moncada e colaboradores verificaram que a origem do NO era a l-arginina endógena, por ação da enzima NO-sintase. A partir daí o estudo do NO progrediu logaritmicamente e a sensação é a de que, apesar dos milhares de trabalhos já publicados, ainda há muito a descobrir em relação ao papel do NO no organismo.
Quando soube que Furchgott havia recebido o Prêmio Nobel, muitas idéias me vieram à mente, as quais procuro resumir abaixo para um eventual exercício de reflexão: (a) Furchgott trabalhou com preparações extremamente simples, de músculo liso isolado, em um momento em que se valorizava cada vez mais a sofisticação tecnológica, o que mostra que nem sempre é a metodologia de fronteira que leva aos resultados mais espetaculares; (b) iniciou sua pesquisa com o EDRF com cerca de 60 anos de idade, quando muitos já pensam em aposentar-se; (c) sempre comentava que era muito lento para publicar, o que atribuo ao fato de ser bastante perfeccionista. Isso me faz pensar na importância de avaliar mais a qualidade do que a quantidade de publicações, ao contrário de algumas tendências atuais; d) sua descoberta foi muito facilitada, em minha opinião, porque tinha uma sólida vivência em farmacologia geral e experimental, o que reforça a importância da pesquisa básica; (e) muitas vezes as grandes descobertas estão ao nosso lado, sem que isso seja percebido.
Aron Jurkiewicz – Professor Titular de Farmacologia da EPM/UNIFESP.


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