7. A pesquisa científica e a imprensa: o caso das drogas (extraído do Correio IMESC, nº 3, setembro 1994)

.


O Centro de Pesquisa do Instituto de Medicina Social e de Criminologia de São Paulo (IMESC) no seu interessante boletim publicou oportuna análise com o título acima. Dado a relevância do assunto e por ser citado o CEBRID, tomamos a liberdade de transcrever o assunto.

"Entre imprensa e pesquisa acadêmica parece imperar uma oposição essencial. Ao trabalho acadêmico cabe o deslindamento o mais sistemático e aprofundado possível de um dado problema. As informações são obtidas através de processos rigorosos e devem se pautar por extrema precisão terminológica. O texto jornalístico, por sua vez, sofre das imposições do calor da hora e nesse sentido nem o aprofundamento e nem a precisão são itens obedecidos. O público é outro e sua atenção é menos concentrada e paciente. Dentro de seus limites, enquanto esferas de comunicação distintas, nenhuma tensão se verifica entre ambas. A situação se complica quando a imprensa se apropria de resultados de pesquisas científcas. Nesse caso a última acaba sucumbindo diante da primeira, ou seja, as exigências impostas pela pesquisa são preteridas em proveito da comunicabilidade jornalística da urgência e forma simplicida/coloquial.

Exemplos desse tipo de apropriação podem ser encontrados nas reportagens especiais sobre pesquisas de consumo de psicotrópicos, além de outros temas. Invariavelmente os dados são recortados, descontextualizados e arpesentados de modo radical (muitas vezes de propositalmente, a contento dos interesses que norteiam o veículo de divulgação). De certa forma, a reportagem do O Estado de São Paulo de 8 de setembro explicita bem esse caso. Com o título "Brincando com o inimigo", a reportagem apresenta a cocaína como a principal droga consumida pelos adolescentes. Na tentativa de fundamentar essa colocação, o jornal usa como base a pesquisa do CEBRID sobre consumo de drogas entre estudantes. Sem dúvida, segundo essa pesquisa, a cocaína tem aumentado seu espaço entre os estudantes e as internações psiquiátricas, entretanto, apesar das porcentagens crescentes de incremento, ainda não se pode afirmar que esta seja a principal droga em termos quantitativos. A preocupação é necessária, mas não o alarme. Para se fazer jus aos resultados da pesquisa seria importante que o jornal apresentase os demais resultados obtidos com as outras drogas. Se isso fosse feito, o que se teria era a presença significativa do consumo do álcool, dos inalantes, dos benzodiazepínicos e das anfetaminas, todas elas substâncias psicotrópicas lícitas e com largo trânsito entre a população. A reportagem não deixa de citar esse fato, mas o minimiza na medida em o texto prioriza os relatos de usuários de cocaína e o seu respectivo quadro de distribuição ("uso na vida" e "uso do último mês").

Com certeza a reportagem do OESP não é a primeira com esse tipo de cobertura, como atestam muitos outros exemplos. Na verdade ela pode ser inserida na própria dinâmica de condenação e aceitação que permeia a questão das drogas enquanto fenômeno histórico-cultural. Assim, tanto a pesquisa quanto a matéria jornalística, na condição de processos discursivos, não se eximem de seus enraizamentos ideológicos.

Endereço do IMESC:

Rua Antônio de Godoy, 88 - São Paulo - SP.

Retornar