Disciplina de Neurologia Experimental

Correspondência: Cícero Galli Coimbra - Médico Neurologista e Professor Livre-Docente
Departamento de Neurologia e Neurocirurgia - Universidade Federal de São Paulo

Em defesa da administração de doses elevadas de riboflavina associada à eliminação
dos fatores desencadeantes no tratamento da doença de Parkinson do tipo esporádico
Sofrimento emocional e consumo excessivo de carne vermelha
como desencadeantes da doença de Parkinson

Cicero Galli Coimbra e Virgínia Berlanga Campos Junqueira

D) Resposta quanto à afirmação de que os resultados obtidos sejam conflitantes com os dados da literatura médica referente à influência dos hábitos alimentares no desenvolvimento da doença de Parkinson do tipo esporádico

Em suas críticas publicadas na edição do mês de setembro de 2004 do Brazilian Journal of Medical and Biological Research, Ferraz, Quagliato e outros fazem 5 citações que, segundo o que afirmam, conteriam dados conflitantes com os resultados relatados no estudo [Coimbra e Junqueira, 2003] alvo de suas críticas:

    "Previous methodological studies with case-control methodology have failed to demonstrate any correlation between life-style or food habits and Parkinson's disease (5-7). There is no scientific evidence correlating vitamin B2 or protein consumption and Parkinson's disease in previous well-controlled studies (8-9) analysing a much higher number than the 31 patients studied by Coimbra and Junqueira (1)"

No sítio eletrônico da Academia Brasileira de Neurologia reiteram as mesmas afirmações ao declararem que:

    "…outros estudos realizados anteriormente com um número elevado de pacientes não encontraram correlação entre qualquer modificação no estilo de vida (exercícios físicos excessivos) ou no hábito alimentar e doença de Parkinson."

RESPOSTA: Através da análise das cinco referências (indicadas como 5 a 9 na carta enviada ao Brazilian Journal of Medical and Biological Research por Ferraz, Quagliato e outros), surpreendentemente verifica-se que contêm na realidade informações de natureza diversa (até mesmo oposta) daquelas afirmadas pelos autores da referida carta e do texto disponibilizado no sítio eletrônico da ABN (SITUAÇÃO "C").

Preliminarmente, verifica-se que nenhum dos estudos ou da revisão citados contém qualquer informação contrária aos dados do estudo (Coimbra e Junqueira, 2003) alvo das críticas de Ferraz, Quagliato e outros: não há qualquer referência a concentrações de quaisquer das formas da vitamina B2 nos tecidos ou fluidos de pacientes com doença de Parkinson, ou à sua capacidade de absorção de riboflavina, ou à quantidade de carne vermelha consumida, nem tão pouco aos efeitos da administração de altas doses de riboflavina a esses pacientes (SITUAÇÃO "C").

No que se refere à referência 5 de Ferraz, Quagliato e outros, Baldereschi et al [2003] avaliaram, como possíveis fatores de risco, idade, sexo, nível educacional, tabagismo, consumo de álcool, trabalho em fazendas, contato com pesticidas e a ocorrência de trauma craniano com perda de consciência. Surpreendentemente, portanto, não há nesse estudo nenhuma referência à dieta e muito menos ao consumo de carne vermelha (SITUAÇÃO "C").

No que se refere à referência 6 de Ferraz, Quagliato e outros, Tsai et al [2003], ao restringirem suas observações a pacientes com doença de Parkinson com início anterior aos 40 anos de idade, avaliaram o tipo de água consumida, a moradia em fazendas, proximidade de indústrias químicas e de metal pesado, ocorrência prévia de trauma craniano, tabagismo, consumo de bebidas alcoólicas, história de exercício físico. Surpreendentemente, mais uma vez, nenhuma referência à dieta e muito menos ao consumo de carne vermelha (SITUAÇÃO "C").

No que se refere à referência 7 de Ferraz, Quagliato e outros [Tanner, 1994] a autora daquela revisão analisou diversos dados epidemiológicos cumulativos referentes à doença de Parkinson para, afinal, concluir que nem os fatores genéticos nem os fatores ambientais podem, isoladamente, ser responsabilizados com causadores, indicando por isso uma terceira alternativa - a combinação de fatores genéticos e ambientais na determinação da doença de Parkinson do tipo esporádico:

    "The failure to prove either a purely genetic or a purely environmental cause for PD suggests a third possibility - that both hypotheses are correct. PD could be the combined result of genetic predisposition (either acquired or inherited) and the environmental exposure to a toxicant. In such a scenario, disease occurs if both the genetic predisposition and the environmental exposure occur.""A impossibilidade de provar-se tanto uma causa puramente genética ou puramente ambiental para a doença de Parkinson pode ser o resultado combinado de uma predisposição genética (tanto adquirida como herdada) e a exposição ambiental a um agente tóxico. Neste senário, a doença ocorre se ambas a predisposição genética e a exposição ambiental ocorrerem."

Em outras palavras, a conclusão da autora, de que existe provavelmente uma predisposição (transmitida hereditariamente) a um fator ambiental, concorrendo ambos, cooperativamente, para o surgimento da doença, é inteiramente compatível com os dados apresentados no estudo [de Coimbra e Junqueira, 2003] combatido na nota da ABN, apesar de haverem sido apresentados por Ferraz, Quagliato e outros como contrários ou incompatíveis com aquele estudo (SITUAÇÃO "C"). Em concordância com a indicação de Tanner [1994], Coimbra e Junqueira [2003] propõem que a doença de Parkinson do tipo esporádico afetaria uma fração da população geral cuja susceptibilidade genética (caracterizada pela expressão de flavoquinase com baixa afinidade pelo seu substrato - a riboflavina, ocasionando uma reduzida capacidade de absorver esse micronutriente) poderia levar ao desenvolvimento da doença de Parkinson do tipo esporádico, mediante a sustentação de um fator desencadeante - o hábito de um elevado consumo de carne vermelha, sem excluir-se a possibilidade de outros fatores ambientais/comportamentais alternativos que poderiam também agir em associação com a mesma susceptibilidade hereditária (Figura 3).

O mesmo modelo fisiopatológico genérico (uma predisposição herdada interagindo com um desencadeante ambiental) tem sido proposto por diversos outros autores.  Tal é o caso de Rybicki et al [1999], que concluem:

    "In summary, our results suggest that a PD family history, and perhaps, therefore, an inherited susceptibility, confers a greater risk for PD in men and individuals under 70 years of age and may modify the effects of environmental risk factors for PD."

Em português:

    "Em resumo, os nossos resultados sugerem que uma história familiar de doença de Parkinson, e talvez, portanto, uma susceptibilidade herdada, confere um maior risco para a doença de Parkinson em homens e indivíduos abaixo da indade de 70 anos e podem modificar os efitos dos fatores de risco para a doença de Parkinson."

Tal é também o caso de Jenner et al [1992], que afirmam:

    "Current concepts as to the cause of Parkinson's disease (PD) suggest an inherited predisposition to environmental or endogenous toxic agents."

Em português:

    "Os conceitos atuais quanto às causas da doença de Parkinson sugerem uma predisposição herdada à agentes tóxicos ambientais ou endógenos."

Tal é também o caso de Behari et al [2001], que afirmam:

    "Results of our study support the hypothesis of multifactorial etiology of PD with environmental factors acting on a genetically susceptible host."

Em português:

    "Os resultados de nosso estudo dão suporte à hipótese de uma etiologia multifatorial para a doença de Parkinson, com fatores ambientais agindo sobre um indivíduo geneticamente suscetível."

Tal é também o caso de Steventon et al [1989], que afirmam:

    "PD patients may be unusually susceptible to exogenous or even endogenous toxins."

Em português:

    "Os pacientes portadores de doença de Parkinson podem ser extraordinariamente susceptíveis a toxinas exógenas ou mesmo endógenas."

Como se vê mais adiante neste texto, a hemina (reconhecida substância neurotóxica, capaz de levar a uma sobrecarga intracelular de ferro, e conseqüentemente a um acentuado estresse oxidativo), produzida em elevada quantidade durante a digestão das hemeproteínas presentes na carne vermelha, não seria suficientemente catabolizada em decorrência da baixa disponibilidade das formas ativas (FMN e FAD) da vitamina B2 [Coimbra e Junqueira, 2003] (Figura 4), contribuindo assim para o excesso de ferro intracelular - cujo papel na degeneração das células dopaminérgicas encontra-se largamente estabelecido [Götz et al, 2004]. Tal como propõem Steventon et al [1989], a hemina é uma toxina que pode ser considerada tanto exógena (se produzida durante a digestão das hemeproteínas alimentares) como endógena (se originada durante o catabolismo das hemeproteínas do próprio indivíduo - tais como a hemoglobina, produzida por ocasião da hemólise ou destruição normal de eritrócitos envelhecidos) [Lee e Herbert, 1998].

Assim, é mais uma vez surpreendente que justamente a revisão de Tanner [1994] seja paradoxalmente citada por 13 especialistas como se o texto dessa autora pudesse demonstrar a incompatibilidade entre o estudo original [Coimbra e Junqueira, 2003] - por eles combatido e o conhecimento veiculado pela literatura concernente ao assunto. É evidente que a mencionada revisão não nega a participação de fatores ambientais ou alimentares: ao contrário, corrobora a participação de tais fatores na etiologia da doença, salientando a necessidade de sua participação em associação com uma predisposição hereditária (SITUAÇÃO "C") - justamente o proposto por Coimbra e Junqueira [2003].

No que se refere à referência 8 de Ferraz, Quagliato e outros, Golbe et al [1988] restringiram sua investigação a alimentos e vegetais consumidos sem cozimento, com sementes que sejam deglutidas ou apenas mascadas ("food and vegetables eaten raw, with seeds that are either swallowed or scraped with the teeth"), de forma a buscarem um componente termolábil similar àquele presente no vegetal "cycad" encontrado em Guam e nas suas ilhas vizinhas (aparentemente responsável pela elevação transitória, há décadas atrás, naquele local específico, da ocorrência de diversos casos de uma sídrome com manifestações combinadas de Parkinsonismo, demência e amiotrofia).  Portanto, a referência 8 apresentada por Ferraz, Quagliato e outros em sua carta enviada ao ao Brazilian Journal of Medical and Biological Research, como evidência de que os resultados do estudo alvo de suas críticas [Coimbra e Junqueira, 2003] encontram-se em conflito com o conhecimento acumulado na literatura, não contém igualmente os dados a ela atribuídos, sendo também surpreendente tal citação, em face do destaque ao consumo especificamente de carne vermelha apresentado já mesmo no título to trabalho de Coimbra e Junqueira [2003] (SITUAÇÃO "C").

No que se refere à referência 9 de Ferraz, Quagliato e outros, Abbott et al [2003] restringiram sua investigação a indivíduos descendentes de japoneses que então viviam na ilha de Oahu (Havaí) recrutados para o estudo com idades entre 45 e 68 anos entre os anos de 1965 a 1968 que passaram a ser observados quanto ao conteúdo alimentar e ao estilo de vida (foram avaliados tabagismo, consumo de café, trabalho em plantações, exposição a pesticidas, ingestão alimentar e ocorrência de constipação crônica - queixa que pode preceder o surgimento de sintomas específicos da doença de Parkinson do tipo esporádico), de forma a verificarem se algum desses fatores correlacionar-se-ia prospectivamente ao surgimento intercorrente de doença de Parkinson ao longo de 30 anos.

No que se refere especificamente à ingestão alimentar, o estudo encontrou uma correlação negativa (proteção) entre a ingestão de legumes e de lipídios poli-insaturados e a ocorrência de doença de Parkinson, além de uma correlação positiva (risco maior de desenvolver a doença) no que se refere à quantidade de carboidratos ingerida por dia.  No que se refere à quantidade de vitaminas ingeridas (incluindo a riboflavina) foi encontrada apenas uma fraca correlação negativa (proteção) relativa tão somente à quantidade de vitamina E. No mesmo estudo, não foram feitas dosagens de quaisquer vitaminas nos fluidos dos indivíduos avaliados. A quantidade de proteínas foi considerada de forma genérica (como o somatório de todas as fontes de proteína, sem a diferenciação de carnes ou não-carnes, nem de tipos específicos de carnes), não sendo encontrada qualquer associação, seja positiva ou negativa.

Enfatize-se que o estudo de Abbott et al [2003] evidenciou, portanto, que a quantidade de vitamina B2 (entre outros micronutrientes) sustentada na dieta dos indivíduos que vieram a desenvolver a doença de Parkinson durante os anos de observação não difere daquela encontrada na dieta dos que afinal não a desenvolveram. Evidencia-se, portanto, que o estudo de Abbott et al [2003] encontra-se em concordância com os achados de Coimbra e Junqueira [2003], pois estes últimos também relataram um conteúdo normal de vitamina B2 dos indivíduos já portadores da doença, de forma a indicar uma deficiência de absorção como causa da alteração dos dados laboratoriais referentes a essa vitamina. Justamente a compensação dessa deficiência de absorção no estudo de Coimbra e Junqueira [2003] levou ao emprego terapêutico de doses elevadas de riboflavina, as quais situam-se muito acima das doses normalmente encontradas nos alimentos. Pelo fato de serem os resultados de ambos os estudos concordantes, configura-se a SITUAÇÃO "C" na citação do trabalho de Abbott et al [2003] por Ferraz, Quagliato e outros para contestarem os resultados de Coimbra e Junqueira [2003].

Coimbra e Junqueira [2003], por outro lado, observaram um excesso de carne vermelha (não o aumento do conteúdo total de proteínas) na dieta dos portadores de doença de Parkinson do tipo esporádico. Configura-se aqui, novamente, a SITUAÇÃO "C" na citação do trabalho de Abbott et al [2003] por Ferraz, Quagliato e outros para contestarem os resultados de Coimbra e Junqueira [2003] pois, evidentemente, a quantidade de carne vermelha não é equivalente à quantidade de proteínas.

Cabe registrar também (mesmo sem relação direta com a presente discussão) a discrepância (SITUAÇÃO "C") entre a afirmação de que não há correlação entre o hábito alimentar e doença de Parkinson feita por Ferraz, Quagliato e outros, ao mesmo tempo em que citam a publicação de Abbott et al [2003] onde estes últimos relatam uma correlação negativa (proteção) entre a ingestão de legumes e de lipídios poli-insaturados e a ocorrência de doença de Parkinson, além de uma correlação positiva (risco maior de desenvolver a doença) no que se refere à elevada quantidade de carboidratos.

Toda essa larga seqüência de citações cujos conteúdos reais não correspondem ao que lhes é atribuído por Ferraz, Quagliato e outros (SITUAÇÃO "C"), torna-se mais injustificável ao verificar-se que, no estudo de Coimbra e Junqueira [2002], encontra-se citada a revisão mais recente de Tanner [Tanner et al, 2002]. Sobre essa citação, feita no estudo de Coimbra e Junqueira [2003] justamente a propósito da influência dos hábitos alimentares no desencadeamento da doença de Parkinson, Ferraz, Quagliato e outros omitiram comentários (SITUAÇÃO "A"). As observações de Coimbra e Junqueira [2003] que foram negligenciadas por Ferraz, Quagliato e outros encontram-se transcritas abaixo:

    "Interestingly, the highest world prevalence of PD is found among the inhabitants of Buenos Aires (37), where the consumption of red meat is traditionally high. Similarly, the identification of high dietary animal fat as a risk factor for PD (37) may actually reflect a role of high dietary hemin in PD pathology."

Em português:

    "De forma interessante, a mais alta prevalência mundial de doença de Parkinson é encontrada entre os habitantes de Buenos Aires (37) onde o consumo de carne vermelha é tradicionalmente elevado. Similarmente, a identificação de um elevado conteúdo de gordura animal como fator de risco para a doença de Parkinson (37) pode na realidade refletir o papel da elevada hemina na dieta na patologia dessa doença."

Em sua revisão, citada no estudo de Coimbra e Junqueira [2002] como referência número 37, Tanner et al [2002] apresentaram evidências de que a quantidade de gordura animal na dieta correlaciona-se positivamente com a doença de Parkinson.  Antes de analisarem os dados acumulados na literatura referentes à dieta, Tanner et al [2002] declaram introdutoriamente:

    "The possible role of diet as a causative or protective factor in PD has been investigated in numerous case-control studies, providing several associations for further evaluation."

Em português:

    "O possível papel da dieta como fator causador ou protetor na doença de Parkinson tem sido investigado em numerosos estudos caso-controle, verificando-se diversas associações para avaliação mais aprofundada."

Assim, é surpreendente verificar-se que Ferraz, Quagliato e outros não somente citaram estudos com conteúdo contrário às suas proposições como se esses estudos fossem favoráveis a elas (SITUAÇÃO "C"), mas também, ostensivamente omitiram-se (SITUAÇÃO "A") de comentar o conteúdo (também contrário às suas proposições) da revisão de Tanner et al [2002] - citada no estudo alvo de suas críticas, ao declararem:

    "…outros estudos realizados anteriormente com um número elevado de pacientes não encontraram correlação entre qualquer modificação no estilo de vida (exercícios físicos excessivos) ou no hábito alimentar e doença de Parkinson."

Especificamente no que tange ao papel da quantidade de gordura animal na dieta (indiscutivelmente presente na carne vermelha) como fator de risco para a doença de Parkinson, Tanner et al [2002] declaram:

    "Consumption of foods high in animal fat has been positively associated in several case-control studies (79-81)..."

Em português:

    "O consumo de alimentos com elevado teor de gordura animal tem sido associado positivamente em diversos estudos do tipo caso-controle (79-81)."

Os estudos citados, indicados como 79, 80 e 81, são respectivamente aqueles da autoria de Anderson et al [1999], Logroscino et al [1996] e Gorell et al [1997].

As conclusões de Anderson et al [1999] (referência 79 da revisão de Tanner et al, 2002) são que:

    "Although these data support previous findings of no association of past intake with most food groups and PD risk, they confirm an increased risk of PD associated with foods containing animal fat."

Em português:

    "Apesar de que estes dados dão suporte a relatos anteriores de ausência de associação entre a maioria dos grupos de alimentos e o risco de doença de Parkinson, eles confirmam o aumento do risco de doença de Parkinson associado a alimentos contendo gordura animal."

Por outro lado, as conclusões de Logroscino et al [1996] (referência 80 da revisão de Tanner et al, 2002) são que:

    "Analyses of the primary sources of fat indicated that increasing intake of animal fats were strongly related to PD (odds ratio, 5.3; 95% confidence interval, 1.8-15.5; p for trend = 0.001)."

Em português:

    "A análise das fontes primárias de gordura indicou que o aumento da ingestão de gorduras de origem animal encontravam-se fortemente relacionadas à doença de Parkinson (razão de probabilidade, 5.3; intervalo de confiança 1.8-15.5, p para a tendência = 0.001)."

Por outro lado, o resumo de Gorell et al [1997] apresentado em congresso (referência 80 da revisão de Tanner et al, 2002) foi posteriormente publicado de forma completa [Johnson et al, 1999], sendo as seguintes as suas conclusões:

    "These results suggest an association of PD with high intake of total fat, saturated fats, cholesterol, lutein and iron".

Em português:

    "Esses resultados sugerem uma associação da doença de Parkinson com o conteúdo total de gordura, gordura saturada, luteína e ferro."

Além de todos esses dados que foram omitidos nos comentários Ferraz, Quagliato e outros ao desconsiderarem a revisão de Tanner et al [2002] citada no estudo de Coimbra e Junqueira [2003] (SITUAÇÃO "A") há que lembrar-se a referência (de número 17) presente na mesma revisão às estimativas da prevalência mundial que apontam a cidade de Buenos Aires (Argentina) como aquela que detém a mais alta prevalência mundial da doença de Parkinson [Tanner e Ben-Shlomo, 1999].  Tanner et al [2002] afirmam:

    "Estimates of disease prevalence vary widely around the world, from 31 per 100,000 persons in Lybia to 657 per 100,000 in Buenos Aires, Argentina (17)".

Em português:

    "As estimativas de prevalência da doença variam largamente no mundo, desde 31 por 100.000 pessoas na Líbia até 657 por 100.000 em Buenos Aires, Argentina (17)."

Sendo também a cidade de Buenos Aires o local onde provavelmente se verifica o mais alto consumo mundial de carne vermelha per capita, esse dado se constitui em evidência indireta a corroborar os dados de Coimbra e Junqueira [2003] que verificaram um aumento significante na quantidade média de carne vermelha consumida por 19 portadores da doença de Parkinson em relação a um grupo de 19 indivíduos-controle, sem parentesco consangüíneo com os Parkinsonianos estudados, oriundos do mesmo ambiente sócio-econômico-cultural.

Além disso, diferenças regionais encontradas no Brasil no último senso do IBGE, demonstram também prevalência maior da doença na Região Sul do país, onde o consumo de carne vermelha é tradicionalmente elevado (próximo ao encontrado na Argentina), como se observa na notícia da autoria de Julia Segatto veiculada na Radiobrás [Segatto, 2002]:

http://www.radiobras.gov.br/ct/2002/notas_180102.htm

Mal de Parkinson aumenta com envelhecimento da população

Brasília, 18 (Agência Brasil - ABr) - A expectativa de vida da população brasileira aumentou, e com ela, o número de portadores do Mal de Parkinson. Ao divulgar o resultado do Censo 2000, o IBGE constatou um crescimento de 21% da população acima de 65 anos desde a última pesquisa do órgão. Isso significa que a doença irá acometer cada vez mais pessoas, como por exemplo na Região Sul, onde a média de expectativa de vida chega a superar algumas européias e a incidência do Mal de Parkinson é uma das maiores do mundo. A prevalência da doença no Brasil em pessoas com idade entre 60 e 69 anos é de 700/100 mil e entre 70 e 79 anos é de 1500/100 mil. Além disso, 36 mil casos surgem por ano no país. Segundo o Centro de Tratamento dos Movimentos Involuntários do Hospital 9 de Julho (Cetrami), a situação é alarmante, já que muitas pessoas que desenvolverão a doença não têm acesso a informações esclarecedoras sobre o assunto. (Julia Segatto).

Há, no entanto, outros estudos correlacionando a elevada ingestão de gordura animal e de ferro como fatores de risco para a doença de Parkinson.  Entre eles, destaca-se os de Johnson et al [1999] e de Logroscino et al [1998] pela indicação de que a alteração do metabolismo do ferro (alteração da produção de proteínas hepáticas relacionadas ao metabolismo do ferro) e o alto consumo de gordura animal (enfatize-se que ambos - ferro e gordura animal - estão essencialmente presentes na carne vermelha) podem contribuir para o desenvolvimento da doença. Logroscino et al [1998] afirmam:

    "These observations suggest that dietary fat and a systemic defect in iron metabolism may act synergistically in the process of lipid peroxidation in PD."

Em português:

    "Essas observações sugerem que a gordura na dieta e um defeito sistêmico no metabolismo do ferro podem agir sinergicamente no processo de peroxidação lipídica verificado na doença de Parkinson."

Esses achados são absolutamente consistentes com o modelo fisiopatológico apresentado por Coimbra e Junqueira [2003], de forma a explicarem os resultados da associação do fator genético predisponente proposto (a dificuldade em absorver a riboflavina, possivelmente determinada pela expressão de um polimorfismo da enzima flavoquiinase com baixa afinidade pelo seu substrato, levando à sustentação de níveis baixos dessa vitamina ao longo da vida do indivíduo) com um dos possíveis fatores desencadeantes (a elevada ingestão de carne vermelha) - Figura 3.

Figura 3

Figura 3: Níveis cronicamente baixos de vitamina B2, apesar de uma ingestão normal dessa vitamina (como conseqüência da expressão de uma flavoquinase pouco eficiente - o que pode afetar 10-15% da população, segundo Anderson et al, 1994), podem constituir-se no fator predisponente para a doença de Parkinson do tipo esporádico, pois os portadores constituem um subgrupo dessa fração.  Esse quadro sugere que a deficiência das formas ativas da vitamina B2 (FAD e FMN) é condição necessária (fator predisponente), mas não suficiente para o desencadeamento da doença, havendo necessidade do concurso de fatores desencadeantes (um dos quais poderia ser a carne vermelha em excesso na dieta, devido à elevada produção de hemina (grupamento heme separado da globina) que ocorre durante a digestão das heme-proteínas, com conseqüente elevada sobrecarga de ferro às células.

Níveis alterados de EGR-AC (apesar do consumo de uma dieta com conteúdo normal de riboflavina) podem afetar 10-15% da população - segundo os dados obtidos por Anderson et al [1994] ao avaliarem as populações de Londres (Inglaterra) e Florença (Itália). Essa alteração deve ser provavelmente provocada pela expressão de uma flavoquinase pouco eficiente, com baixa afinidade pelo seu substrato (a riboflavina), já que a administração de altas doses de riboflavina pode normalizar tanto a atividade da glutationa redutase dependente de FAD (EGR-AC) como a atividade da piridoxina-forfato peroxidase (PPO) dependente de FMN [Anderson et al, 1994]. Os dados de Anderson et al [1994] são absolutamente consistentes com os obtidos por Steier et al [1976] que demonstraram deficiência de riboflavina (EGR-AC alterado) em 11% das crianças aparentemente hígidas. Segundo o modelo proposto [Coimbra e Junqueira, 2003] na Figura 3, a expressão de um polimorfismo da flavoquinase com baixa afinidade pelo seu substrato (a riboflavina) constituir-se-ia no fator genético predisponente para o desenvolvimento da doença de Parkinson do tipo esporádico.

A predileção pela carne vermelha encontrada na média dos pacientes portadores da doença de Parkinson do tipo esporádico [Coimbra e Junqueira, 2003] é também corroborada pelo estudo de Hellenbrand et al [1996] que encontraram entre os portadores (mais freqüentemente do que entre os não portadores) da doença episódios eventuais de ingestão de carne crua.  O recente estudo de Powers et al [2003] reitera o elevado conteúdo de ferro na dieta dos portadores de doença de Parkinson do tipo esporádico.

Assim, a abundância de dados referente ao assunto (elevação dos conteúdos de ferro e gordura animal na dieta - o que caracteriza particularmente a carne vermelha, além da descrição direta dessa característica, e dos dados epidemiológicos que sugerem a associação de um elevado consumo regional de carne vermelha com a elevada prevalência da doença de Parkinson) associados ao reconhecido papel fisiopatológico do ferro no processo neurodegenerativo (ver a seguir) tornam injustificável a afirmação feita por Ferraz, Quagliato e outros de que essa característica nutricional não ocorre entre os portadores, especialmente quando as citações bibliográficas apresentadas para fundamentá-la caracterizam a SITUAÇÃO "A" e a SITUAÇÃO "C".

Diversos dados acumulados na literatura durante as últimas 2 décadas apontam a presença de alterações sistêmicas e locais do metabolismo do ferro nos portadores da doença de Parkinson do tipo esporádico, caracterizando-se um papel fisiopatológico de primordial importância, inclusive na formação dos corpúsculos de Lewy. O leitor poderá consultar algumas das revisões mais recentes [Götz et al, 2004; Kaur e Andersen, 2004; Wolozin e Golts, 2002] e o estudo de Marder et al [1998]. No que se refere às alterações locais, essencialmente verifica-se uma elevada deposição de ferro associada a uma reduzida concentração de ferritina na substância negra [Logroscino et al, 1998], evidenciando-se que as células dopaminérgicas dos portadores da doença têm reduzida a sua capacidade de defesa (pela redução da capacidade de armazenamento do excesso de ferro, no interior da ferritina) contra os fenômenos oxidativos mediados pelo ferro livre, tornando-se particularmente vulneráveis a esses fenômenos (tais como a peroxidação lipídica e a agregação da proteína a-sinucleína durante a formação dos corpúsculos de Lewy) pela elevação da concentração citosólica deste último [Wolozin e Golts, 2002].

Para entender-se como o excesso de carne vermelha pode atuar como fator desencadeante da doença de Parkinson do tipo esporático, faz-se necessário considerar que esse alimento é fonte de largas quantidades de hemina - substância toxica constituída pela separação do grupamento heme da globina durante a digestão das hemeproteínas - tais como a mioglobina e a hemoglobina.  Contendo ferro (sob a forma ferrica) envolvido por átomos de carbono, a hemina é facilmente absorvida [Lee e Herbert, 1998], pois atravessa prontamente as membranas lipídicas, inclusive a barreira hemato-encefálica, carreando ferro para o interior das células neuronais, onde pode dar origem a fenômenos oxidativos, entre os quais destaca-se a peroxidação lipídica pela sua importância para o tecido nervoso.

Normalmente, a maior parte é destruída na própria célula intestinal, e a pequena parte que atinge a circulação porta é destruída no fígado, em um processo catalizado pela enzima heme-oxigenase. Também normalmente, as células defendem-se contra o excesso de ferro (prevenindo a ocorrência de fenômenos oxidativos) depositando-o no interior da ferritina sob a forma férrica insolúvel (Fe+3).  Assim, o ferro permanece no interior da ferritina como precipitado insolúvel enquanto não passar para a forma ferrosa, e à medida que a ferritina é saturada pelo ferro, novas moléculas de ferritina são produzidas, de forma que a concentração da ferritina normalmente indica a quantidade de ferro armazenado no organismo.

A enzima heme-oxigenase, que promove a degradação da hemina, oxida-se durante o processo de degradação de hemina à biliverdina. Para retomar a forma reduzida (de forma a degradar nova molécula de hemina) a heme-oxigenase (apesar de não pertencer à família citocromo P450) necessita da ação redutora da redutase da família citocromo P450 (Figura 4) [Yoshida e Migita, 2000] - uma das 3 raras flavo-proteínas dependentes de ambas as formas ativas da vitamina B2 (utiliza tanto o FMN como o FAD como grupamentos prostéticos) [Hara e Taniguchi, 1982; Massey, 2000; Wang et al, 1997].

Figura 4

Figura 4: Porque o excesso de carne vermelha na dieta pode atuar como fator desencadeante para a doença de Parkinson do tipo esporádico. Na deficiência dos cofatores da enzima redutase da família citocromo P-450 (as formas ativas da vitamina B2 - FAD e FMN) a degradação da hemina a biliverdina pela heme-oxigenase encontra-se limitada, pois esta última deixa de ser ciclicamente reconstituída à sua forma reduzida (ativa), com conseqüente elevação sobrecarga de ferro às células neurais. Modificado da Figura 1, quadro 21-1, página 783 de Nelson e Cox [2000].

Segundo o modelo fisiopatológico proposto por Coimbra e Junqueira [2003], a reduzida disponibilidade das formas ativas da vitamina B2 (FMN e FAD) poderia interagir com o excesso de carne vermelha na dieta, em primeiro lugar, ainda no aparelho digestivo, por indiretamente limitar a degradação da hemina através da redução da atividade da redutase da família citocromo P450, em decorrência do desequilíbrio resultante na composição dos grupamentos prostéticos desta última enzima [Hara e Taniguchi, 1982; Hara e Taniguchi, 1985]. Em conseqüência da reduzida capacidade de catabolização da hemina nos indivíduos com baixos níveis das formas ativas da riboflavina, eleva-se a sobrecarga de ferro ao tecido nervoso - a qual torna-se particularmente acentuada, portanto, naqueles indivíduos que têm o hábito de ingerir mais largas quantidades de alimentos contendo hemeproteínas - tais como a carne vermelha e frutos do mar contendo conchas.

Em segundo lugar, o modelo fisiopatológico para a doença de Parkinson do tipo esporádico, proporcionado pela descoberta da sua correlação com a deficiência crônica parcial de vitamina B2 [Coimbra e Junqueira, 2003] antevê que a síntese de moléculas protetoras contra os efeitos nocivos do ferro encontra-se reduzida nos portadores de deficiência de vitamina B2.  Tal é o caso da ferritina, cujas concentrações teciduais se encontram diminuídas na deficiência experimental de vitamina B2 [Adelekan e Thurnham, 1986; Powers, 1985], o que provavelmente se deve ao fato de que a principal enzima que controla o depósito e a mobilização de ferro a partir da ferritina - a NADH-FMN oxidoredutase (ferriductase), é dependente de FMN e tem a sua atividade reduzida na falta desse micronutriente [Zaman e Verwilghen, 1977; Sirivech et al, 1977; Powers et al, 1983]. Alternativamente a fonte redutora (NADH ou NADPH) pode ser substituída pela xantina através da atividade da xantina-FAD oxidoredutase, mas assim mesmo, também essa via mostra-se dependente da vitamina B2 - nesse caso sob a forma de FAD [Topham et al, 1989]. Em outras palavras, tanto a xantina como o NADH ou o NADPH podem servir como fonte redutora na redução enzimática do ferro depositado na ferritina, porém, em qualquer dessas alternativas, um nucleotídeo de riboflavina (seja o FMN ou o FAD) deve servir como ponte para a transferência de elétrons ao (ou a partir do) Fe+3 - o que torna o controle da mobilização (liberação/deposição) do ferro estocado sempre dependente da vitamina B2 [Topham et al, 1989].

Assim, na deficiência de riboflavina, a deposição de ferro no interior da ferritina não se eleva proporcionalmente em resposta à oferta de ferro às células, provocada esta última pela hemina excedente, não catabolizada; não havendo saturação das moléculas pré-existentes, não se eleva a síntese de ferritina, ocasionando elevação do ferro iônico livre, com conseqüente lesão oxidativa e desencadeamento da peroxidação lipídica, à qual as células do tecido nervoso são particularmente susceptíveis.  É possível que o aumento da descamação de células intestinais saturadas de ferro verificado nessa situação [Powers et al, 1991] represente uma reação de homeostasia, no sentido de eliminar-se o ferro livre excedente que não pode ser tamponado através de sua estocagem sob a forma de precipitado (forma férrica insolúvel) no interior da ferritina.

Evidentemente, a excessiva produção de ânions superóxido - decorrente do distúrbio da fosforilação oxidativa (por sua vez decorrente da baixa oferta de flavonucleotídeos para o funcionamento dos complexos enzimáticos que compõem a cadeia respiratória - ver item "B" desta exposição), pode favorecer a liberação em detrimento da deposição de ferro na ferritina em decorrência do efeito redutor do ânion superóxido sobre o Fe+3 estocado  [Wolozin e Golts, 2002]. Tomados em seu conjunto, ambos os mecanismos, primária ou (como no caso da alteração do funcionamento da cadeia respiratória) secundariamente desencadeados pela deficiência de vitamina B2, contribuem para o distúrbio do metabolismo do ferro observado na doença de Parkinson do tipo esporádico.

A liberação do ferro armazenado no interior das moléculas de ferritina, em estado férrico (Fe+3), insolúvel, pelo ânion superóxido, verifica-se através da reação de Haber Weiss [Wolozin e Golts, 2002], passando-o para o estado ferroso (Fe+2), solúvel, o que permite a elevação da concentração de Fe+2 no citosol:

    I. O2• + Fe+3 à O2 + Fe+2 …………... Reação de Haber Weiss

A forma ferrosa (solúvel) encontra-se então livre no citosol para promover a catálise da reação de Fenton, a qual determina a formação do radical hidroxila (OHo) - dotado este último de reatividade e poder destrutivo tão elevados que não existem sistemas enzimáticos capazes de eliminá-lo, à semelhança do que faz a superóxido dismutase com o ânion superóxido [Wolozin e Golts, 2002]:

    II. H2O2 + Fe+2 à OH- + OH• + Fe+3 ……… Reação de Fenton

    III. O2• + H2O2 à O2 + OH- + OH• …. Somatório das reações I e II

Adicionalmente, observa-se que, como conseqüência da deficiência de vitamina B2 (FMN e FAD), a produção do radical hidroxila através da reação de Fenton é favorecida pelo aumento da concentração de ambos os seus substratos: não somente através da elevação da concentração do Fe+2 (mecanismos já descritos, dependentes de FMN), mas também (em decorrência da baixa atividade da enzima glutationa redutase, dependente de FAD - ver também a Figura 1) através da elevação da concentração do peróxido de hidrogênio (H2O2), como se demonstra de forma mais abrangente na Figura 5.

Figura 5

Figura 5: Mecanismos mediadores da morte celular dos neurônios dopaminérgicos acionados pela associação de estresse e deficiência de vitamina B2. A atividade normal da cadeia de transporte de elétrons leva à formação de baixas quantidades de ânion superóxido (-O2o) que, sob a ação da superóxido dismutase [SOD], dá origem ao peróxido de hidrogênio (água oxigenada - H2O2).  Esta última é convertida em água pela atuação da glutationa redutase [GPx], através do consumo de 2 moléculas de glutationa reduzida [GSH], que são simultaneamente ligadas através de pontes dissulfeto, obtendo-se a forma oxidada da glutationa [GSSG].  Para a continuidade do processo, a GSSG deve ser novamente convertida à GSH, através da atuação da glutationa redutase [GR]. Assim, a eliminação de radicais livres requer a ação consecutiva de diversas enzimas: SOD - dependente de cobre [Cu] e zinco [Zn], GPx - dependente de selênio [Se], e GR - dependente de flavina-adenina dinucleotídeo [FAD]. Na ausência das formas ativas da riboflavina elevam-se os níveis de radicais livres, não somente pelo mal-funcionamento da cadeia respiratória, mas também pela ineficiência da GR. Através da combinação de uma elevada produção de -O2o (secundária ao distúrbio da cadeia de transporte de elétrons) e de uma ineficiente atividade do ciclo 2GSH GSSG, prevê-se um acúmulo de H2O2 (seta) - o que propiciará a ocorrência da reação de Fenton, também favorecida pelo aumento da disponibilidade de ferro solúvel (Fe+2) pela redução da capacidade de armazenamento do ferro (Fe+3) na ferritina (ver o texto).

No próprio tecido nervoso, a catabolização da hemina pela hemeoxigenase local deve encontrar-se limitada pela baixa disponibilidade de grupamentos prostéticos necessários para a atividade da redutase da família citocromo P-450 (Figura 4).  O componente carbonado (a protoporfirina IX) da hemina excedente (não destruída pela heme-oxigenase local) agiria, assim, da mesma forma que os quelantes de ferro necessários para viabilização do contado do ferro na forma férrica (insolúvel) com as membranas lipídicas para a catálise da peroxidação lipídica [Goddard et al, 1992].

Observa-se que os mecanismos fisiopatológicos expostos, acionados pela sustentação de uma reduzida disponibilidade de riboflavina associada a um fator desencadeante (como o elevado aporte de hemina na dieta) podem explicar também a vulnerabilidade seletiva das células dopaminérgicas ao processo degenerativo próprio da doença de Parkinson do tipo esporádico.  A elevação intracelular do ânion hidroxila (pela reação de Fenton favorecida nessas circunstâncias) provoca maior lesão nas células produtoras de DA, porque justamente nelas ocorre a formação de 6-hidróxi-dopamina [6(OH)DA] através da ligação da hidroxila à posição 6 da molécula de DA. A 6(OH)DA tem efeitos neurotóxicos poderosos, determinados pela sua capacidade de promover a formação de peroxinitrito [Riobo et al, 2002], a degradação protêica [Elkon et al, 2001], e a liberação do ferro estocado na ferritina (forma férrica) para o citosol (forma solúvel) [Linert et al, 1996; Linert e Jameson, 2000; Jameson et al, 2004].

Corroborando a proposição de que a formação local de 6(OH)DA participe da vulnerabilidade seletiva dos neurônios dopaminérgicos na doença de Parkinson do tipo esporádico, verifica-se que essa neurotoxina tem sido administrada a roedores para induzir a lesão da substância negra (constituindo um modelo experimental de doença de Parkinson largamente utilizado) [Perese et al, 1989], sendo também encontrada na urina e no líquor de portadores da doença de Parkinson do tipo esporádico [Andrew et al, 1993].

A Figura 6 apresenta o modelo fisiopatológico geral acionado pela associação da deficiência de vitamina B2 com elevadas quantidades de hemina na dieta na degeneração da substância negra.

Figura 6

Figura 6 - Deficiência de vitamina B2 e sobrecarga neuronal de ferro levando à formação de 6(OH)DA nos neurônios dopaminérgicos. A baixa disponibilidade das formas ativas da vitamina B2 (FMN e FAD) reduz a capacidade de metabolização da hemina pelo TGI, levando a uma elevada oferta dessa toxina, que facilmente ultrapassa a barreira hemato-encefálica (BHE), ao SNC, onde o ferro é liberado pela ação da heme-oxigenase, e onde a micróglia mantém-se ativada, também pela falta de B2: com a redução desta, a atividade da a1-hidroxilase encontra-se diminuída, reduzindo-se a produção autócrina de 1,25(OH)2D3 pela própria micróglia ativada.  Esta mantém-se então produzindo lactoferrina e TNF-a que, respectivamente, capta o ferro e induz a síntese de receptores da lactoferrina pela célula neuronal, resultando no acúmulo de ferro nos neurônios.  Nestes a deficiência de B2 resulta no prejuízo do ciclo da glutationa, com conseqüente acúmulo de H2O2 o que, associado à presença de ferro, leva à produção de radicais hidroxila (reação de Fenton), com conseqüente formação de 6(OH)DA e morte dos neurônios dopaminérgicos.

Nessa figura observa-se também que a produção local de 1,25(OH)2D3 - fator limitante da sustentação da ativação migroglial (macrofágica) deletéria [Garcion et al, 2002; Mathieu e Adorini, 2002], encontra-se reduzida pela baixa oferta das formas ativas da vitamina B2, justamente porque a a1- hidroxilase (expressa pela micróglia reativa) é membro da família citocromo P-450 e, nessa condição, tal como ocorre com a atividade da heme-oxigenase, tem a sua atividade reduzida pela deficiência dessa vitamina.  Sustenta-se, assim, também através do modelo fisiopatológico proposto por Coimbra e Junqueira [2003] a reação microglial na susbstância negra dos portadores de doença de Parkinson do tipo esporádico - evento fisiopatológico possivelmente secundário largamente reconhecido nessa condição, e que, através de diversos mecanismos, contribui para o estresse oxidativo a que os neurônios dopaminérgicos se encontram submetidos, inclusive através da acentuação dos efeitos nocivos provocados pela sobrecarga intracelular de ferro iônico livre (Figura 7) [Yoshida et al, 1995; Fiszer, 2001; Wersinger e Sidhu, 2002; Beal, 2003; Gao et al, 2003; McGeer e McGeer, 2004].

Figura 7

Figura 7 - Ineração das vitaminas B2 e D3 na limitação da lesão oxidativa provocada pela ativação microglial no SNC.  A disponibilidade de 25(OH)D3 possibilita a síntese de 1a,25(OH)2D3 pela micróglia ativada (macrófago) pela lesão oxidativa do SNC.  A secreção autócrina de 1a,25(OH)2D3 inibe a expressão de óxido nítrico sintase inflamatória (iNOS) pela própria micróglia ativada, limitando a continuidade da lesão oxidativa do tecido nervoso. A secreção parácrina de 1a,25(OH)2D3 inibe a expressão de interferon-gama (IFN-g) pelos linfócitos que transitam pelo tecido nervoso com o propósito de vigilância imunológica.  Assim, sob o efeito indireto do 1a,25(OH)2D3 por ela mesma secretado, deixa a migróglia de receber o estímulo do IFN-g linfocitário que a sustenta sob a forma ativada, macrofágica, produtora de neurotoxinas tais como o fator de necrose tumoral alfa (TNF-a) e radicais livres.  Normalmente a alfa1-hidroxilase (a1Ohase) é expressa pelos macrófagos ativados seguindo-se à expressão dessas neurotoxinas, de forma a constituir-se em um freio limitante da lesão tecidual ("bystander lysis").  A deficiência de flavoquinase leva a uma baixa disponibilidade de FAD e FMN, o que também limita a atividade da a1OHase, pois esta não pode ser eficientemente reciclada pela flavoproteína P450 redutase.

Mutações do ADN mitocontrial (ADNmt), que contém os genes de parte das cadeias proteicas constituintes dos complexos enzimáticos da fosforilação oxidativa, acumulam-se progressivamente com a idade, constituindo provavelmente o mecanismo subjacente ao envelhecimento dos tecidos [Orth e Shapira, 2002]. Deleções do ADNmt são ocasionalmente encontradas em portadores da doença de Parkinson do tipo esporádico [Mawrin et al, 2004], sendo provavelmente parte de um processo de envelhecimento mais acelerado [Finkel e Holbrook, 2000; Orth e Shapira, 2002], determinado pela acentuada exposição do genoma mitocondrial aos radicais livres, não somente produzidos em excesso na própria mitocondria, em decorrência da inibição da atividade de complexos enzimáticos da fosforilação oxidativa, mas também eliminados de forma limitada, pela falência de dos mecanismos antioxidantes - tais como aquele propiciado pelo ciclo da glutationa [Finkel e Holbrook, 2000].

Diversos estudos têm seqüenciado o ADNmt em pacientes portadores de doença de Parkinson. Em muitos deles nenhuma mutação tem sido identificada, ao passo que, em outros, algumas mutações de significado incerto têm sido apontadas, sem uma correlação consistente que possa explicar a reduzida atividade dos complexos enzimáticos correspondentes [Orth e Shapira, 2002].  Esses resultados são compatíveis, no entanto, com o papel da deficiência da vitamina B2 na determinação da baixa atividade dos complexos enzimáticos mitocondriais, pois, evidentemente, a redução da disponibilidade de cofatores e grupamentos prostéticos (FMN ou FAD) pode limitar a atividade desses complexos, apesar da preservação da estrutura peptídica primária.

Observa-se, de qualquer forma, uma elevação da demanda pela atividade dos mecanismos de reparação genômica, em face da acentuada exposição do genoma mitocondrial aos radicais livres [Orth e Shapira, 2002].  Como ambas as rotas metabólicas utilizadas para a síntese dos desóxi-ribonucleotídeos requerem o concurso do FAD, seja direta (via da tioredoxina) ou indiretamente (via da glutaredoxina), a reparação do ADNmt pelas ADN polimerases pode, evidentemente, encontrar-se limitada pela falta dos nucleotídeos necessários ocasionada pela deficiência de vitamina B2 (Figura 8). Assim, a deficiência desse micronutriente explica também este aspecto da fisiopatologia da doença de Parkinson do tipo esporádico: o envelhecimento mais acelerado do ADNmt nos portadores, sem correlação com as deficiências relatadas na atividade dos complexos enzimáticos da fosforilação oxidativa.

Figura 8

Figura 8 - As duas vias alternatives para a síntese de desóxi-ribonucleotídeos são dependentes de vitamina B2.  A síntese de desóxi-ribonucleotídeos (dNDP) a partir de ribonucleotídeos (NDP) possui 2 vias alternativas, podendo ser viabilizada pela glutaredoxina ou pela tioredoxina.  A via da tioredoxina requer a participação direta do FAD, enquanto a via da tioredoxina requer a participação da glutationa (GSH), a qual somente é reconstituída mediante a participação da glutationa redutase - por sua vez dependente de FAD.  Assim, na deficiência das formas ativas da vitamina B2 a disponibilizade de dNDP encontra-se reduzida, com conseqüente prejuízo dos mecanismos de reparação do DNA mitocondrial (DNAmt).  Não reparadas, as lesões oxidativas do DNAmt levam ao acúmulo de mutações, as quais determinam a expressão de proteínas defeituosas da cadeia respiratória e maior produção de radicais livres, fechando um ciclo de retro-alimentação positiva que contrubui para a neurodegeneração da Doença de Parkinson. Modificado da Figura 22-37, página 857 de Nelson e Cox [2000].

Entre os dados da literatura referentes à fisiopatologia da doença de Parkinson destacam-se aqueles que apontam para o papel da neuromelanina [Zecca et al, 2003; Zucca et al, 2004]. Esses dados acumulados reforçam a participação da deficiência da vitamina B2, como se demonstra a seguir.

A neuromelanina pode atuar protegendo as células dopaminérgicas contra o insulto oxidativo através de mecanismos documentados, incluindo-se o seqüestro de compostos orgânicos tóxicos e de metais de transição (tais como o ferro) capazes de mediar a reação de Fenton [Zecca et al, 2003; Zucca et al, 2004]. Em concordância com esse papel protetor, Sulzer et al [2000] demonstraram que a síntese de neuromelanina com localização, morfologia granular e estrutura química idênticas àquelas da neuromelanina humana, pode ser induzida em cultura de neurônios nigrais do rato expostos à L-DOPA, sugerindo uma resposta adaptativa ao estresse oxidativo induzido pelo excesso de catecolaminas. Assim, a síntese de neuromelanina parece ser determinada por um excesso de catecolaminas citosólicas que não são acumuladas nas vesículas sinápticas, evitando-se o estresse oxidativo provocado pela presença desses compostos no citosol [Zecca et al, 2003]. A neuromelanina é um polímero enzimaticamente formado e constituído de unidades de 5,6-dihidróxi-indol o qual é um metabólito da dopamina formado ao longo da sua via de oxidação espontânea [Curzon, 1975; Smythies e Galzigna, 1998]:

Dopamina à DA-quinona à dopaminocromo (aminocromo) à 5,6-dihidróxi-indol à neuromelanina

À medida que a doença de Parkinson progride, verifica-se que as células dopaminérgicas remanescentes contêm neuromelanina em concentração reduzida, o que levou alternativamente à elaboração da hipótese contrária e conflitante, de que os neurônios dopaminérgicos com maior conteúdo de neuromelanina seriam seletivamente mais vulneráveis ao processo degenerativo parkinsoniano e, implicitamente, à proposição (conflitante com seus mecanismos protetores) de que a neuromelanina poderia promover este último [Gibb et al, 1992; Kastner et al, 1992; Zecca et al, 2003; Zucca et al, 2004].

No entanto, a síntese de neuromelanina pode encontrar-se deprimida pelos próprios mecanismos determinantes da doença de Parkinson, levando à degeneração dos neurônios dopaminérgicos também em decorrência da perda do efeito protetor da neuromelanina. Nesse caso, o encontro de reduzidas quantidades de neuromelanina no interior dos neurônios dopaminérgicos remanescentes seria totalmente compatível com seu efeito protetor, ao contrário de constituir-se em evidência de um hipotético efeito deletério, o qual é conflitante com os seus reconhecidos mecanismos protetores.

Diversas evidências apontam para a importância da riboflavina e de seus metabólitos ativos na síntese e, possivelmente, na sustentação da estrutura molecular da neuromelanina. Assim, o reconhecimento do papel fisiopatológico da riboflavina na doença de Parkinson contribui também para o esclarecimento dessa questão, pois a reduzida quantidade intracelular de neuromelanina pode decorrer do prejuízo de sua síntese e da sua instabilidade molecular provocados pela deficiência de vitamina B2.

Entre essas evidências, verifica-se que a neuromelanina possui estrutura similar à eumelanina presente no cabelo e na pele [Zecca et al, 2003], a qual requer a presença dos compostos ativos da vitamina B2 para a sua síntese [Takenouchi et al, 1960]. Tal como ocorre com a eumelanina, a síntese da neuromelanina pode requerer a atividade catalítica da tirosinase, verificando-se a ação dessa enzima na conversão da tirosina em L-DOPA e desta para DOPA-quinona [Tief et al, 1998; Xu et al, 1997; Zecca et al, 2003] apesar que que outras enzimas podem também atuar especificamente na síntese da neuromelanina [Zecca et al, 2003]. Por outro lado, a vitamina B2 e seus metabólitos ativos (majoritariamente o FAD) compõem a estrutura molecular das diversas melaninas [Obika, 1976; Hack e Obika, 1976; Helmy, 1983; Kozik et al, 1990] sustentando um equilíbrio dinâmico de ligação estimado em 250 nmol de flavina por mg de melanina a um pH de 7.0 [Kozik et al, 1990] - o que sugere um papel de reservatório dinâmico de FAD propiciado pela neuromelanina às células dopaminérgicas, dada a importância desse micronutriente especialmente para esse grupamento celular.

No entanto, o desmantelamento da neuromelanina, possivelmente e primariamente, provocado pela falta da vitamina B2 e de seus metabólitos ativos pode, evidentemente, levar à liberação de metais de transição e neurotoxinas orgânicas cumulativamente captados pela neuromelanina, provocando efeito contrário à sua função tamponadora original.

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