Disciplina de Neurologia Experimental

Correspondência: Cícero Galli Coimbra - Médico Neurologista e Professor Livre-Docente
Departamento de Neurologia e Neurocirurgia - Universidade Federal de São Paulo

Em defesa da administração de doses elevadas de riboflavina associada à eliminação
dos fatores desencadeantes no tratamento da doença de Parkinson do tipo esporádico
Sofrimento emocional e consumo excessivo de carne vermelha
como desencadeantes da doença de Parkinson

Cicero Galli Coimbra e Virgínia Berlanga Campos Junqueira

B) Quanto à validade dos resultados referentes à documentação da deficiência de vitamina B2 nos pacientes portadores da doença de Parkinson do tipo esporádico (não familiar)

Em seu resumo do estudo original, Ferraz, Quagliato e outros declaram:

    "Os autores Coimbra e Junqueira relatam no artigo, em resumo, que fizeram a medida dos níveis sangüíneos de vitamina B2 em 31 pacientes com doença de Parkinson e em 10 pacientes com o diagnóstico de "demência" ... Encontraram níveis baixos de vitamina B2 no sangue de todos os parkinsonianos e em apenas 3 dos pacientes com demência."

Mais adiante Ferraz, Quagliato e outros acrescentam:

    "Sabemos que uma infinidade de fatores pode interferir nos níveis de vitaminas sangüíneas, como a dieta do indivíduo, o consumo de preparados à base de polivitaminas, diga-se, algo relativamente comum em indivíduos com problemas de memória ou mesmo dementes. Há algum estudo avaliando quais são os níveis sangüíneos de vitamina B2 na população brasileira? Esse dado seria fundamental para podermos interpretar os resultados obtidos."

RESPOSTA: Tanto no resumo como no seu comentário crítico, Ferraz, Quagliato e outros omitiram (SITUAÇÃO "A") o fato que não somente o nível plasmático de FAD (a forma ativa mais freqüente, responsável por cerca de 80% do conteúdo de vitamina B2 no organismo de mamíferos) foi mensurado, mas também foi verificado em cada paciente o Coeficiente de Ativação da Glutationa Redutase (EGR-AC).

O EGR-AC é um teste que há várias décadas tem sido justamente utilizado com o objetivo de validar os resultados obtidos com as medidas diretas de quaisquer das formas da vitamina B2 (riboflavina, FMN e FAD) pois seus resultados não são afetados por variáveis constitucionais, relacionadas ao sexo, raça ou mesmo espécie a que pertence o indivíduo avaliado  [Hustad et al, 2002].  Trata-se de um teste bioquímico utilizado para verificar se a atividade de enzimas dependentes de FAD, relativamente à demanda metabólica do próprio indivíduo, encontra-se limitada por concentrações endógenas insuficientes dessa forma ativa da vitamina B2, independentemente de quais sejam os níveis plasmáticos de FAD considerados normais para as suas características constitucionais.  A utilização desse coeficiente, portanto, propicia a comparação de indivíduos de etnia diversa, eliminando qualquer viés relacionado às características constitucionais da população estudada.

Para o cálculo do EGR-AC, determina-se inicialmente (I) a velocidade da reação mediada pela enzima glutationa redutase nos eritrócitos do indivíduo considerado, aferida mediante a disponibilidade endógena de FAD (velocidade basal) e (II) a velocidade da reação obtida mediante a adição ao meio da reação enzimática de uma quantidade padrão de FAD suficiente para saturar os sítios de ligação da enzima pelo FAD.  Nesta última circunstância, se a velocidade basal da reação, aferida sob a demanda tecidual (eritrocitária) do momento da coleta (determinada tanto pela oferta de substrato como pelo consumo de produto) encontrava-se limitada por baixa disponibilidade de FAD endógeno, a velocidade da reação aumenta (proporcionalmente à redução da disponibilidade basal) pela adição do FAD exógeno.

O EGR-AC é então calculado como a razão entre as atividades da enzima determinadas com e sem a adição do co-fator (FAD), refletindo de forma proporcional o aumento percentual da velocidade da reação determinada pela adição do FAD exógeno. Assim, por exemplo, se a velocidade aumentar 20% em relação ao valor basal, o EGR-AC será de 1.20; se aumentar 30%, o EGR-AC será de 1.30; se aumentar 40%, o EGR-AC será de 1.40, e assim por diante.  Aceita-se uma elevação não superior a 20% (EGR-AC normal: de 1.00 a 1.20) como ainda normal. Dessa forma, os valores superiores a esse limite são indicativos de deficiência de vitamina B2, seja por baixa capacidade de absorção desse micronutriente, seja por um conteúdo inferior ao normal na dieta do indivíduo.

Justamente pelo seu significado intrínseco (não pode mostrar-se superior a 1.20 se a atividade enzimática basal não se encontra signicativamente limitada pela baixa disponibilidade da forma ativa da vitamina B2) [Hustad et al, 2002], o cálculo do EGR-AC avalia acuradamente a disponibilidade endógena de vitamina B2 de cada indivíduo, independente das suas características constitucionais, utilizando o próprio meio interno do indivíduo como controle.  Enfatiza-se que os coeficientes de ativação enzimática têm sido empregados já há várias décadas para confirmação da deficiência de diversas vitaminas (não somente da vitamina B2) para evitar, justamente,  que variações constitucionais entre amostras populacionais afetem as conclusões dos estudos nessa área de pesquisa clínica e experimental [Hoorn et al, 1975; Bates, 1997].  A avaliação de Bates [1997] a respeito do valor do EGR-AC, devido à sua independência em relação a variáveis não controladas, é suficientemente eloquente:

    "This status indicator has been extensively used in studies and surveys of human status, usually by means of an 'activation coefficient', or ratio of FAD-reactivated to basal activity, abbreviated to 'EGRAC' from 'erythrocyte glutathione activation coefficient'. Being a ratio of two rates, this index is independent of any uncontrolled denominator, and hence is robust as well as sensitive in practice (Bates, 1987)."

Em português:

    "Esse indicador de estado (de disponibilidade da vitamina B2) tem sido utilizado extensivamente em estudos e investigações em humanos, usualmente através de um 'coeficiente de ativação', ou razão entre a atividade reativada pelo FAD e a atividade basal, abreviadamente 'EGRAC' a partir do termo 'coeficiente de ativação da glutationa eritrocitária.' Sendo a razão entre duas velocidades, esse índice é independente de qualquer denominador não controlado, sendo por isso ao mesmo tempo uma prática tanto robusta quanto sensível."

No estudo alvo [Coimbra e Junqueira, 2003] das críticas de Ferraz, Quagliato e outros, os resultados obtidos referentes ao EGR-AC foram absolutamente coincidentes com os valores encontrados para o FAD plasmático basal, confirmando a deficiência de vitamina B2, sem nenhuma exceção (em 100% dos casos) em uma amostra de 31 pacientes consecutivamente avaliados, portadores de doença de Parkinson do tipo esporádico, contra apenas 3 dentre 10 (30%) pacientes portadores de demência sem história clínica ou achados tomográficos (ou de ressonância) de crânio compatíveis com infartos cerebrais prévios (grupo DwoStr).

Conseqüentemente, a verificação de que níveis plasmáticos de FAD inferiores a 125 ng/mL consistentemente correspondem a valores de EGR-AC superiores a 1.20 nas amostras populacionais descritas (indivíduos portadores de DwoStr e Doença de Parkinson do tipo esporádico) demonstra que o limiar inferior de 125 ng/mL internacionalmente aceito para a concentração plasmática de FAD é também válido para as mesmas amostras populacionais do estudo [Coimbra e Junqueira, 2003] em discussão. Aliás, não seria de esperar outra possibilidade, pois o FAD e do FMN são essenciais para a sustentação de eventos bioquímicos fundamentais à vida, como a própria respiração celular. Em conseqüência, a incorporação dessas moléculas ao metabolismo celular é de aquisição filogenética muito antiga, sendo altamente improvável que estivesse sujeita a importantes variações constitucionais entre espécies de mamíferos, e muito menos entre raças da mesma espécie. Em todas as espécies de mamíferos, a energia potencial decorrente da degradação de qualquer substrato, seja pela via anaeróbica ou aeróbica, não pode gerada pela cadeia de transporte de elétrons na mitocôndria, resultando na produção de ATP, sem a participação das formas ativas da vitamina B2.

Evidencia-se, portanto, que os próprios resultados do EGR-AC nos pacientes com doença de Parkinson do tipo esporádico, mesmo que fossem apresentados isoladamente, já por si mesmos demonstrariam a deficiência da vitamina B2 nesses pacientes.

Além disso, no entanto, o estudo em foco [Coimbra e Junqueira, 2003] apresenta outra evidência comprobatória da deficiência de vitamina B2 nos pacientes com doença de Parkinson do tipo esporádico. Relata diferenças significantes (tanto no que se refere às concentrações plasmáticas de FAD como aos valores do EGR-AC) quando foram comparados os grupos de pacientes portadores de demência (grupo DwoStr, controle das medidas de FAD plasmático e de EGR-AC) e de doença de Parkinson do tipo esporádico, ambos pertencentes à "população brasileira". Na realidade, não apenas foram utilizados, para a montagem de ambos os grupos, indivíduos oriundos da população brasileira (genericamente considerada e largamente heterogênea sob diversos aspectos, inclusive regionais/étnicos) como também foram ambos os grupos constituídos de indivíduos provenientes de um mesmo e relativamente homogêneo ambiente sócio-econômico cultural, pois eram todos os sujeitos do estudo funcionários, ex-funcionários ou dependentes de funcionários do município de São Paulo, usuários do Hospital do Servidor Público Municipal de São Paulo. Dessa forma, também por esse fato, o questionamento de Ferraz, Quagliato e outros quanto à existência de "algum estudo avaliando quais são os níveis sangüíneos de vitamina B2 na população brasileira" sequer se aplica aos resultados apresentados no estudo original [Coimbra e Junqueira, 2003], especialmente se tomados no seu conjunto.

Por outro lado, a rotina laboratorial relativa à avaliação basal dos níveis das vitaminas hidrossolúveis B2, B6, B12 e ácido fólico, bem como de homocisteína, inclui a suspensão da administração de quaisquer complexos vitamínicos por pelo menos 5 dias antes da avaliação laboratorial, de tal forma que "o consumo de preparados à base de polivitaminas", mencionado por Ferraz, Quagliato e outros não pode haver afetado a avaliação das vitaminas mencionadas.

Adicionalmente, no que se refere às outras vitaminas avaliadas (afora a vitamina B2: vitaminas B6, B12 e ácido fólico) e aos níveis de homocisteína, nenhuma diferença estatisticamente significante foi encontrada entre os grupos experimental (portadores da doença de Parkinson do tipo esporádico) e controle (portadores de demência) no estudo original [Coimbra e Junqueira, 2003]. Esses dados corroboram a homogeneidade sócio-econômica e nutricional dos grupos (experimental e controle) de pacientes que constituíram o estudo, demonstrando que as únicas diferenças significantes encontradas - as relativas aos níveis plasmáticos de FAD e aos dados de EGR-AC, caracterizam os portadores da doença de Parkinson do tipo esporádico como deficientes especificamente em vitamina B2.

Por outro lado, há diversos dados bioquímicos (não somente referentes ao tecido nervoso, mas também sistêmicos) já relatados na literatura médica, decorrentes da avaliação da atividade de várias enzimas em diversos tecidos e tipos celulares, obtidos de portadores de doença de Parkinson do tipo esporádico, que indicam a deficiência de vitamina B2 nesses pacientes. Virtualmente todas as enzimas ou complexos enzimáticos dependentes de quaisquer das formas ativas da vitamina B2 (ou seja: enzimas que utilizam o FMN e/ou FAD como co-fatores ou grupamentos prostéticos) que têm sido avaliadas apresentaram atividade reduzida nos portadores de doença de Parkinson do tipo esporádico.  Esse é o caso, por exemplo, do Complexo I da cadeia de transporte de elétrons na mitocôndria (NADPH-COQ redutase), cuja atividade - dependente de FMN, encontra-se reduzida em diversos tecidos dos portadores da doença de Parkinson do tipo esporádico, não somente na substância negra [Schapira et al, 1990a], mas também no estriado [Mizuno et al, 1989], no músculo estriado esquelético [Bindoff et al, 1989; Bindoff et al, 1991; Bin et al, 1994; Cardellach et al, 1993] e em plaquetas [Parker et al, 1989].

Esse é também o caso de diversas outras enzimas e complexos enzimáticos participantes do metabolismo oxidativo cuja atividade também foi encontrada reduzida em diferentes tecidos de portadores da doença de Parkinson do tipo esporádico - todas dependentes de FAD, tais como o Complexo II (succinato desidrogenase) da cadeia de transporte de elétrons da mitocondria avaliado no músculo esquelético [Bindoff et al, 1991], a piruvato desidrogenase avaliada em fibroblastos [Mytilineou et al, 1994] e a a-cetoglutarato desidrogenase avaliada no estriado [Mizuno et al, 1989].

Sendo também dependente do FAD a própria enzima glutationa redutase (utilizada no teste EGR-AC) - responsável pela regeneração da glutationa à sua forma reduzida após a sua oxidação, que ocorre durante a eliminação não enzimática de espeécies reativas e a eliminação enzimática de peróxidos, é de se esperar a depleção da forma reduzida da glutationa em diversos tecidos dos pacientes portadores da doença de Parkinson do tipo esporádico, se forem eles de fato deficientes em vitamina B2 (FAD).  A Figura 1 demonstra o papel da vitamina B2 (FAD) na preservação dos níveis celulares de glutationa reduzida, ilustrando esse mecanismo.

Figura 1

Figura 1 - Representação do papel do ciclo da glutationa na eliminação enzimática (pela ação da glutationa peroxidase (GPx) e não enzimática (não-E) de radicais livres (R·) e peróxidos (ROOH), encontrando-se entre estes últimos o peróxido de hidrogênio (H2O2) resultante da atividade da superóxido dismutase (não representada). Destaca-se o papel da glutationa redutase (GR) na reconstituição da glutationa oxidada (GSSG) à sua forma reduzida (GSH). A falta da forma ativa da vitamina B2 que atua como co-fator da GR - o FAD - evidentemente leva à depleção da GSH, sendo previsível essa depleção nos tecidos de pacientes portadores da doença de Parkinson do tipo esporádico pela sustentação da deficiência crônica de vitamina B2.

De fato, em concordância com o esperado, a depleção da forma ativa da glutationa não somente encontra-se documentada na substância negra, putamen, globus pallidus, núcleo basal de Meynert, núcleo amigdalóide e córtex frontal desses pacientes [Riederer et al, 1989] como também é o sinal neuroquímico mais precocemente verificado nos portadores da doença de Parkinson do tipo esporádico, sendo já detectado na fase pré-clínica da doença, ou seja, em pacientes que vem a falecer antes do surgimento dos primeiros sinais e sintomas de Parkinsonismo e, nos quais, no estudo histopatológico post-mortem, já se verifica a redução da celularidade da substância negra associada à presença de corpúsculos de Lewy nos neurônios dopaminérgicos remanescentes [Dexter et al, 1994].  Em contrapartida, a atividade da glutationa peroxidase encontra-se elevada no soro dos portadores da doença de Parkinson do tipo esporádico [Kalra et al, 1992], evidenciando-se que justamente o passo metabólico dependente de FAD (mediado pela glutationa redutase) encontra-se seletivamente afetado no distúrbio do ciclo da glutationa documentado nesses pacientes.

A possibilidade que os pacientes Parkinsonianos do tipo esporádico sejam portadores de múltiplas mutações combinadas (envolvendo tanto o DNA mitocondrial como o nuclear) explicativas da miríade de atividades enzimáticas encontradas deprimidas em diversos tecidos, tais como as que foram enumeradas acima, é evidentemente, sob o ponto de vista estatístico, virtualmente inexistente (ver, ao final dessa exposição, a referência ao "princípio da parcimônia" ou "navalha de Occam").  De fato, a busca por mutações conhecidas do DNA mitocondrial (inserção-deleção, e mutações pontuais) que possam explicar as atividades enzimáticas encontradas consitentemente deprimidas nesses pacientes, tal como a do Complexo I da cadeia de transporte de elétrons, tem produzido resultados negativos na substância negra, putamen, e córtex frontal [Lestienne et al, 1990; Schapira et al, 1990b], ou demonstrado, apenas ocasionalmente, deleções inespecíficas, presentes também nos tecidos de pacientes portadores de miopatias mitocondriais e no córtex frontal e no estriado de controles sem doença neuromuscular [Ikebe et al, 1990].

Possuindo um único fator em comum - a dependência das formas ativas da riboflavina (FAD e/ou FMN) - toda essa diversidade de enzimas e complexos enzimáticos encontrados com atividade reduzida nos tecidos neurais e extra-neurais (configurando alterações sistêmicas inquestionáveis) dos portadores da doença de Parkinson do tipo esporádico, especialmente na ausência de mutações genéticas que as expliquem de forma consistente, aponta corroborativamente para os resultados do estudo original [Coimbra e Junqueira, 2003] que demonstraram a deficiência de FAD no plasma desses pacientes validada pela elevação concomitante do EGR-AC eritrocitário - o que a crítica de Ferraz, Quagliato e outros busca inconsistentemente invalidar.

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